Nihil9 - Reina O Caos

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A banda vem dos idos de 2017. De lá pra cá, alguns singles foram anunciados entre 2019 e 2022. Porém, foi apenas um mês depois que o quinteto Nihil9 enfim anunciou seu primeiro material completo. Intitulado Reina O Caos, o primeiro EP tem uma duração pouco superior a 19 minutos.


Uma voz grave e levemente gutural surge ao fundo de forma bem distante. Rapidamente, uma sirene se faz ouvir em um sinal de inequívoco alerta, que deixa as pupilas do ouvinte dilatadas e os ouvidos atentos para o que pode vir em sequência. Com um groove seco, mas com uma pressão de contágio interessante, a bateria de Rafael “Elano” começa a comunicar a cadência rítmica enquanto a guitarra de Gabriel Gaiofa o acompanha com rompantes distorcidos e graves de maneira a pincelar nebulosidade na atmosfera em construção. Eis que os poros do espectador se eriçam em uma postura de atenção ainda superior que aquela pedida momentos anteriores graças ao grave, encorpado e levemente estridente sonar do baixo de Eduardo Pozz, que emerge do desconhecido, colocando o ouvinte em situação de insegurança. Quando o teclado de notas adocicadamente gélidas de Giuliana Romano entra em cena, a melodia fica completa em sua estrutura stoner-heavy-progressiva. Depois de chegar ao seu ápice em uma contida explosão, a sonoridade assume um teor mais suave para receber a entrada de Maycon Ernesto e seu timbre bojudo, afinado e aveludado de maneira a lembrar, curiosamente, aquele de Bruno Gouveia. De swing intrigante e uma ponte agoniante, a faixa-título é um produto que dialoga sobre as ações do ser humano e o equilíbrio entre bondade e maldade. Porém, ela é uma faixa que mostra um personagem perdido em seus próprios conflitos e dores, uma completa sensibilidade incontrolavelmente louca que confunde a consciência e embaralha os conceitos de id, ego e superego, tornando o interlocutor vulnerável a manipulações das mais variadas naturezas.


Como um entardecer de verão, a forma como a guitarra se posiciona oferece ao ouvinte aquele amornar de um Sol poente que o reconforta e o aconchega. Melódica, macia e valsante, essa mesma guitarra é acompanhada por um corpo sonoro sutilmente transcendental proporcionado pelo teclado que, curiosamente, é levado a dar base para um lirismo que, novamente, é abissalmente composto por tons soturnos e lancinantes. É engraçado como, em Sinal E Ruído, o Nihil9 consegue misturar o frescor macio e um toque de new wave comum na vertente do rock brasileiro dos anos 80, enquanto dialoga sobre solidão, sobre a frieza e a falta de sentimentalismo referente ao passado vivido, às experiências e aos desafios enfrentados. É como se, ao contrário da faixa-título, o ouvinte aqui se sinta confortável em sua agonia regida por impulsos incontroláveis que preveem não apenas a sua própria morte, mas a falta de legado que sua história deixa.


É curioso, mas de alguma forma, os primeiros instantes do novo contexto lembram aquele melancólico de Estranged, single do Guns and Roses. E é exatamente assim que o presente cenário vai sendo desenhado: melancólico, sofrido, lamentoso e intensamente lacrimal. Não à toa que, a partir de uma melodia minimalista estruturada entre voz-teclado, Ernesto surja com uma interpretação visceral e dolorida. Com uma melodia que leva a canção a se rotular como um expoente da vertente gospel, uma vertente comumente adotada e seguida pelos fiéis da igreja evangélica. Em Tudo Que Nasce, então, o diálogo cria uma intersecção com aquele de Sinal E Ruído ao abordar o conceito de legado. Aqui, porém, ele vem de forma mais tímida de maneira a somar com o desolamento, a má-fé e, inclusive, a própria falta de fé. Tudo Que Nasce pode ser até mesmo, além dessa conjuntura, uma inquietante relação caótica com o luto.


I am the Devil and I’m here to do the Devil’s work”, diz uma voz em estética radiofônica que é seguida por uma melodia que reinsere o áspero em torno de uma levada new wave cuja base remete àquela de Olhar 43, single do RPM. Sendo possível também perceber influências do Journey em tal estrutura, a melodia introdutória amadurece com uma sensualidade contagiante e de toques timidamente sombrios. Misturando também o hard rock nessa receita, Derrama Sobre A Terra é uma faixa que fala de desesperança e sobre a relação com o pecado. É como uma brincadeira de criança em que o Demônio pega as pessoas terrenas e as transforma em fantoches para criar um cenário prazeroso e egoísta regido pelo caos e pelo dialogar com o desejo da imortalidade.


Sem dúvida é um trabalho curioso. Com sua acidez entorpecente e gélida, Reina O Caos é um trabalho que mostra a capacidade do Nihil9 em agradar dois mundos completamente distintos: o rock na entrada de suas vertentes mais sombrias e religião, um feito que também é muito bem representado pelo Skillet. Afinal, o trabalho une conceitos associados à fé com pitadas de uma obscuridade intrigante.


Unindo conceitos associados à fé com pitadas de uma obscuridade intrigante, o trabalho também trata de desesperança, manipulação, desolamento, má-fé, luto. O legado, o caos. Tais assuntos fazem com que as quatro faixas se conectem, criando um diálogo linear e coeso que convida o ouvinte a acompanhar um personagem em seus conflitos internos e suas agonias sensitivas que se confundem entre o conforto no desconforto e o desejo por um ante o outro.


Nesse ínterim, o Nihil9 se uniu a Samuel Bassani na criação de ambientes plurais formados pela união de subgêneros do rock como o stoner, o heavy metal, o hard rock, o progressivo e o power metal, o questionamento do gospel e a acidez colorida da new wave. Foi assim que o quinteto conseguiu, além de deixar claras as suas influências, de caminhar para a construção de uma estrutura rítmico-melódica autêntica.


Fechando o escopo técnico de Reina O Caos, vem a arte de capa. Assinada por Yuri Corval, ela traz a estátua iluminista de uma figura feminina a ponto de dela extrair comunicações não-verbais de pureza e ingenuidade e fazer delas uma desconstrução velada. Afinal, pela figura estar vendada tem-se a ideia de que ela está protegida de ver o caos e as inconsistências do mundo terreno. De outro lado, porém, a obra traz o cinismo associado a falsas inocência e inconsciência ao trazer menções ao desejo, ao instinto e à manipulação. O tom sépia e o fundo repleto por uma árvore de troncos secos e esturricados completam a noção do bem e do mal.


Lançado em 14 de outubro de 2022 de maneira independente, Reina O Caos apresenta uma banda pronta em fundir conceitos religiosos com um rock mais sombrio de maneira inovadora. É com isso que o EP se torna um produto que trata do puritanismo e do cinismo perante as mazelas do mundo a partir de um diálogo linear de um personagem em conflito com sua própria consciência.










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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.