Metade De Mim - Depois De Tudo Que Eu Passei

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Ainda é uma banda jovem, que carrega, inclusive, apenas o peso de um lançamento sob os ombros. Mas a sede de crescer é grande. E tendo isso em vista o quarteto paulista Metade De Mim, com seus três anos de idade, anuncia Depois De Tudo Que Eu Passei, seu segundo trabalho e mais recente EP.


Uma explosão melancólica surge sem aviso. Bateria, baixo e guitarras entram em um uníssono entristecido que logo é acompanhado por uma voz de timbre aveludadamente afinado e sofrido. Renan Sales traz consigo toda a representatividade de um período musical esquecido e colocado por baixo dos panos fonográficos nacionais que é o início dos anos 2000, momento em que o Brasil vivenciou o boom de conjuntos defendendo o movimento emo. Não à toa que a paisagem que se forma afrente do ouvinte é repleta de uma tonalidade cinza gélida abraçada por uma fina e constante garoa que impede o vislumbre de qualquer horizonte.  Transitando por entre falsetes, o potencial vocal de Sales muito lembra o de Lucas Silveira e de Renne Fernandes pela consistência que apresenta. Caminhando propriamente pelo terreno do emocore, do rock alternativo e inserindo singelas pitadas de indie rock, o instrumental flui entre torpor, sofrimento e um sorriso de canto de boca. É interessante notar, nesse aspecto, que o baixo de Giuliano Augusto Rosa assume a função de imputar texturas de densidade e estridência à melodia de maneira que ficam evidentes com seu realce sonoro logo no primeiro verso. Mais Uma Noite No Sofá é o retrato de uma pessoa impregnada pelo sentimento de tristeza que possui súbitos de consciência para com uma iniciativa que a tire dessa zona de conforto deprimente. 


Apesar de ainda ser ambientado em uma paisagem depressiva e triste, existe uma forte leveza que contagia o ouvinte para sensações mais reconfortantes que aquecem o coração. Muito disso é devido ao baile sincrônico e cintilante estruturado pelas guitarras de Felipe Angelim e Paulo Gervilha, cuja sonoridade faz o ouvinte flutuar dentro de suas próprias consciência e memória. Curiosamente, a harmonia existente entre Sales e o backing vocal de Angelim oferece uma sensação de um estranho e aconchegante sufoco regida pela insegurança de o eu-lírico se perceber única e exclusivamente na presença única e exclusiva da própria companhia. Sem Ar é, acima de tudo, o retrato de alguém que procura proteção e um abraço tão morno quanto aquele materno acompanhado de um beijo de boa noite.


Algo diferente está se escondendo atrás dos rochedos. Não é a personificação da tristeza, da depressão ou lamentação. É algo mais sorrateiro e ao mesmo tempo arisco. É algo que traz consigo certo quê de rispidez, de impunidade. Naturalmente, esse cenário é evidenciado a partir de uma melodia demasiadamente menos elétrica que Mais Uma Noite No Sofá, mas muito mais popular. Sua levada macia e fluída mergulha por entre a roupagem do indie rock de maneira a se sobrepor ante a carcaça emo exalada nas faixas anteriores. Evidenciando ter potencial para assumir a pose de single de Depois De Tudo Que Eu Passei, Você Não Vale O Trampo Que Dá é guiada substancialmente pelo groove grave do baixo e apresenta a bateria de Danilo Tanaka com uma precisão nitidamente superior àquela apresentada nas músicas anteriores. A faixa, surpreendentemente, vem acompanhada de um lirismo que narra uma passagem em que o eu-lírico se vê afogado a uma severa depressão de modo a não conseguir enxergar beleza nas coisas. Constatação é confirmada principalmente pelo verso “é tanta coisa boa, ainda não foi maior que essa fase ruim”. Ao mesmo tempo, o próprio título da canção representa, de uma maneira curiosa, o deboche do personagem com relação à própria depressão. Um amanhecer de força interior que estimula a saída do torpor da tristeza.


É como o baixar de poeira. Porém, mesmo assentada, o ambiente onde dominava a paisagem não recebe a passagem intensa de luz. Há uma melancolia misturada com nostalgia. Há uma nuvem esbranquiçada cuja luminosidade tenta a todo custo atingir o chão, mas sem sucesso. Abaixo dessa nuvem, uma brisa traz flores cujas pétalas estão murchas ou sem aroma. Suas texturas não mais são de veludo, mas ainda exalam certa beleza natural. Essa é a ambiência de A Saudade, música que, com extrema delicadeza e humanidade, narra o suicídio, uma narrativa que, respeitosamente, é desligada de qualquer romance, mas abraçada por uma dramaticidade de extrema nostalgia emocional. 


Pode até ser que o movimento emo tenha perdido as forças no Brasil desde o despertar dos anos 2000. Porém, ao mesmo tempo que nomes como Fresno, Hevo 84 e Stevens seguem na ativa, outros surgem defendendo a temática melodicamente emocional. Junto do Nevora, o Metade De Mim reforça um certo revival. E com Depois De Tudo Que Eu Passei, até mesmo os fãs do gênero podem se sentir devidamente representados.


Baseado em um intenso sofrimento e torpor, a relação com a depressão e a consequente falta de ânimo e mesmo perspectivas são temas que muito abraçam os lirismos do EP. Não por acaso, a melancolia é algo que extravasa os limites do som e conseguem capturar em cheio o cerne emocional do ouvinte e fazê-lo se sentir mareado e com uma vontade repentina de deixar escorrer algumas lágrimas há muito represadas.


Algumas faixas, como Mais Uma Noite No Sofá, trazem um rompante instrumental que tira a linearidade da tristeza, pois sua densidade e pressão dão uma sacudida que atordoa qualquer tipo de pensamento. De outro lado, Sem Ar é uma canção que, recriando a partir de Sales e Angelim a mesma química existente entre Di Ferrero e Gee Rocha nas composições do NX Zero, traz um torpor extasiante por meio de sua melodia serena.


Mixado por Gabriel Zander, o EP realmente alcançou certo grau de qualidade no equilíbrio dos sons instrumentais em união ao da voz. E sob o comando da produção de Gabriel Arbex, Depois De Tudo Que Eu Passei certamente coloca o Metade De Mim na rota do sucesso independente.


Do lado visual, a arte de capa produzida é metafórica, mas ilustra bem as questões vivenciadas pelos diferentes personagens do EP. Feita por Marcelo Delamanha, ela traz, a partir do vulcão em erupção e do rosto sendo segurado rente à fenda vulcânica, a ideia do extravasar dos mais variados sentimentos. O desabafo. Ao mesmo tempo, a posição do personagem dá a ideia do admirar da explosão, como se estivesse desfrutando de um alívio há muito desejado.


Lançado dia 11 de fevereiro de 2022 de maneira independente, Depois De Tudo Que Eu Passei é indiscutivelmente o revival mais fiel do emo. Triste, melancólico, dramático e intensamente sofredor, o EP fornece uma espécie de torpor interminável e estranhamente aconchegante. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.