Eddie Vedder - Earthling

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Foram 15 anos desde o salto dado em carreira solo com o anúncio de Into The Wild. Um total de 11 anos desde a divulgação de seu sucessor, Ukulele Songs. Mas nunca é tarde na música. Prova disso é que Eddie Vedder está de volta com o lançamento de seu terceiro disco de estúdio solo. Intitulado Earthling, ele foi composto ao lado da banda de apoio The Earthlings.


Um som intenso, dramático, estridente. Um grande suspense se instaura no ambiente. Tensão é o sentimento que toma conta de todos os poros corporais. É então que Eddie Vedder entra em cena com seu vocal grave e empostado tão característico assumindo o papel do personagem lírico. Ao fundo, a guitarra de Andrew Watt vai desenhando uma melodia macia, reenergizante e, inclusive, te teores terapêuticos que relembra o riff feito por Tom Scholz na introdução de More Than A Feeling, single do Boston. Muito longe da atmosfera hard rock setentista do quinteto bostoniano, Invincible é uma canção que, liricamente, traz o nítido intuito de recuperar o senso de importância, altruísmo e empoderamento de cada uma das pessoas viventes no planeta. Em tom reflexivo, ela ainda estimula a força para enfrentar grandes adversidades como as vivenciadas atualmente pelo conflito travado contra a pandemia da Covid-19. Não por acaso, esse espírito humanitário é algo presente nas entranhas melódicas, de maneira a fazer com que Invincible tenha grande parentesco estrutural com as composições lírico-melódicas do U2. Logo em sua primeira faixa, Earthling já demonstra ser um trabalho sensível e de identidade humilde.


Ríspido, quase eletrônico. Salgado e rebelde. É como um ambiente escuro e rochoso em que repentinas explosões de lava surpreendem os olhares desavisados. É verdade que existe swing, mas o que sobressai é a aspereza do riff da guitarra, que faz com que, ao menos a introdução, tenha uma assimilação com a sonoridade do The Kinks. Ao fundo, porém, o piano de notas repetidas e de singela aceleração constante faz com que o hard rock acabe flertando com o boogie-woogie. Evoluindo parta uma melodia folk na chegada do pré-refrão, a canção assume um contágio melancólico inebriante. Power Of Right é em si uma faixa de lirismo denso que reflete sobre o poder da decisão. Da força em prosseguir e a reconfortante desistência. A vida em seus altos e baixos. O desejo mórbido e sombrio como um obsessor onipresente se comunicando com um cinismo ácido. Power Of Right é mais uma significativa canção do álbum que pode ser considerada um single lado b.


Uma explosão, mas uma explosão capaz de ser macia e envolvente como o amornar da luz do Sol após uma manhã de chuva. Essa melodia introdutória traz não somente um aroma bucólico, mas também uma levada folk acústica extasiante. Guiada por um groove 4x4 desenhado por Chad Smith, a sonoridade logo recebe aquele vocal de timbre caracteristicamente grave de fundo aveludado. É Vedder introduzindo uma narrativa reflexiva e até mesmo simbólica sob uma roupagem linear. Calma como um mantra, Long Way é uma faixa sem um ponto de ascendência rítmica, mas vem acompanhada de um lirismo de extrema significância a Vedder. A letra em si sugere uma avaliação ao mesmo tempo que uma recordação nostálgica e dolorida a respeito da repentina e trágica partida de Chris Cornell. Cada verso de Long Way é uma viagem no tempo, é a busca de um motivo, de algo que explique aquele evento fatídico. Até mesmo o videoclipe da faixa sugestiona a nostalgia da dor por meio de suas tonalidades em preto e branco. Long Way é a vontade de que, naquele instante decisivo, houvesse a voz do arrependimento falando mais alto.


A guitarra de Josh Klinghoffer surge com uma afinação e uma cadência que muito sugerem pertencer a uma música do Pearl Jam. Assim como a canção anterior, a presente faixa já surge com versos que soam como um soco no estômago devido ao seu caráter nostálgico-lamentador. Enquanto Vedder suspira o trecho “I had a brother, but now my brother is gone”, guitarra e bateria vão desenhando uma melodia introspectiva até que, de súbito, a distorção toma conta da guitarra, que vai fazendo rasgos na tristeza de maneira a deixar fluir certo tom de raiva e incredulidade a partir de uma sonoridade que pende sutilmente para o grunge ao mesmo tempo que flerta com o rock alternativo. Em Brother The Cloud, Vedder segue o discurso nostálgico e reflexivo, mas aqui ele pede para que a dor da lembrança e da saudade vá embora. É como ele mesmo especula a oportunidade de fazer um pedido: “if I could wish, wish it away, I would bleed my knees and brain”. Brother The Cloud é, inclusive, uma música que carrega densas doses de uma áspera melancolia. É como se ela conversasse de igual para igual com Long Way.


Com groove e uma velocidade que imprime uma alegria no processo de desperte, a canção traz consigo, inclusive, um swing grave que, na conjuntura sonora, ajuda a construir um horizonte amornado e reconfortante tanto o calor do amornar do Sol em um entardecer de verão. Imprimindo a mesma calmaria existente nas canções anteriores, o que Fallout Today apresenta é uma personagem que, frente a múltiplas dúvidas e imersa em um estado depressivo, dá uma segunda chance à vida de maneira a deixar a luz romper a densa camada de poeira e escuridão. É o encontro da redenção. Uma redenção que muito é estimulada pelo groove ameno do baixo de Chris Chaney, que funciona como uma figura patriarcal oferecendo um abraço que jorra energias de proteção e incentivo.


Sozinha, a bateria cria a cadência. Com um rugido encorpado, o baixo vem logo em seguida para entregar mais precisão ao movimento melódico em construção. É então que uma sonoridade colorida, leve e tranquilizante se forma trazendo uma estética indie à canção. Marcante e macia, a melodia assume uma estrutura linear durante o primeiro verso que carrega consigo uma energia transcendental e até mesmo emocional. Tal como Long Way e Brother The Cloud, The Dark parece ser mais uma canção de Earthling que Vedder conversa com Chris Cornell a partir de um tom saudoso e entorpecido. A culpa por não ter investigado o que se passava na mente do amigo parece, na presente canção, que ainda o machuca. Versos como “I’ve been feeling so guilty” e “you’ve been feeling so sad” traduzem esse conflito interno.


Um sonar transcendental e adocicado surge sobrevoando abaixo das nuvens enquanto um bailar do som do vento amacia o ambiente. A união do piano de Glen Hansard e do violão não proporciona apenas um ar de singela dramaturgia. Ela cria uma estética reflexiva que já mostra ser uma das importantes marcas de Earthling. Com um vocal empostado, folgado e quase sussurrante, Vedder entra em cena com uma calmaria contagiante. É essa caracterização vocálica que conta ao ouvinte um enredo que narra a constante busca das pessoas por um estimulo, um empurrão, um sinal superior que continue motivando a caminhada da vida. Ao mesmo tempo, ele discute a necessidade do ter, da posse e questiona a vontade do tudo ante parte dessa totalidade. The Haves é uma canção de melodia minimalista, dramática e, assim como Long Way, acústica.


Algo diferente de tudo o que foi experimentado em Earthling imerge. Uma sonoridade densa e sombria emana do banjo trazendo arrepios de temor descontrolados. É então que uma agressiva e precisa melodia surge com uma raiva intensa e rebelde. Um grunge que recria, de alguma forma, o apogeu da fama do som de Seattle propagado, principalmente, pelos emblemáticos álbuns Ten, Superunknown, Dirt e Nevermind. Rápida, Good And Evil não permite respiro, não permite pensar, não permite refletir. Ela quer a resposta no ato. A consequência da impulsividade, a assumição da responsabilidade pelos atos. A maldade. O bem. O duelo moralista que está sendo vivida de maneira intensa atualmente pelo planeta. O extremismo assumindo o controle de diversas almas e a bondade perdendo espaço e, mais ainda, representatividade.


Acelerada e selvagem, a melodia chega como o vento descoordenado sob a face de um alguém sentado em um carro em movimento com notável velocidade. Explosiva e excitante, mais do que Brother The Cloud, a presente canção recicla a sonoridade suja da época pós-embrionária do Pearl Jam. Com lirismo baseado na crítica dos efeitos maléficos que o homem está causando à natureza, Rose Of Jericho poderia perfeitamente ser inclusa no tracklist de Gigaton, disco mais recente do quinteto de Seattle. Uma música enérgica, excitante e explosiva que pode ser considerada um single lado b de Earthling.


Mantendo a energia elevada e a velocidade acelerada, Try é como uma irmã siamesa de Rose Of Jericho. Suja e com pitadas de aspereza, ela é desenhada sob uma base punkeada que, inesperadamente, conta com o adocicado, estridente e melódico som da gaita, o qual insere pinceladas de folk na canção. De aspecto mais popular no que tange o alcance das massas, a faixa é preenchida por um lirismo de conotação simples, mas marcante. Vedder e companhia se utilizam dele para convidar as pessoas a viver intensamente todas as oportunidades que ela oferecer. 


Uma voz grave faz a contagem crescente. Notas agudas e alegres do piano proporcionam uma levada que se assemelha àquela criada por Zucchero em Partigiano Reggiano, seu próprio single. Isso confere à canção em processo de parto uma ambiência blues rock latente. Estimulante, enérgica e excitante, ela possui um contágio irresistível. Eis que a voz que surge no despertar do primeiro verso é de Sir. Elton John, quem faz um dueto cadenciado com Vedder. Se dividindo entre os versos, os cantores trazem Picture, uma música que aborda os efeitos dos tempos atuais na sociedade. O medo, a queda do sentimento de esperança, de união e do senso de comunidade. Curiosamente, a canção tira o peso da culpa daqueles que não conseguem superar o temor propagado pela insegurança. De outro lado, Picture é uma canção saudosa dos tempos de liberdade e união incondicional. Um single que mistura alegria melódica e lirismo melancólico-nostálgico.


Um sabor melancólico e sutilmente adocicado salta aos ouvidos a partir das notas delicadas e pausadas do piano. A maciez aqui é inserida pela melodia criada pelas linhas líricas desenhadas por Vedder. De notável sutileza, sua interpretação do enredo chega a ser até mesmo tocante. Eis então que, ao fundo, o chacoalhar do pandeiro coloca uma textura mais sólida que vai imprimindo gradativas acentuações no compasso da melodia instrumental. Nesse aspecto, é possível até que o ouvinte perceba uma influência bitleniana na estrutura rítmica de maneira a remeter os traços sonoros de Hey Jude. Apenas no despertar de sua segunda estrofe é que Mrs. Mills ganha uma crescente com a entrada da amena levada da bateria e da singela linear participação da guitarra e baixo na base rítmica. Mrs. Mills, apesar de ser abraçada por uma melodia minimalista, conta a história de uma mulher inglesa imponente, empoderada, cheia de atitude e presença.


Um efeito fade in vai colocando a voz de Vedder com uma presença gradativamente maior na melodia folk que se evidencia. Na forma de um eco ululante, o cantor soa como um personagem onipresente com capacidade de se transfigurar. De forma crua e direta, On My Way evidencia a força do amor, de maneira a tornar qualquer um invencível quando sentido genuinamente.


Indiscutivelmente e indubitavelmente, aquele quadro ultrarromântico desenhado em Invincible de fato define o que é Earthling. Exalando grande semelhança estética com Into The Wild, o novo trabalho de Eddie Vedder é de uma extrema consciência humanitária, inegável sensibilidade e contagiante senso de humildade.


Majoritariamente sereno, o disco dialoga sobre a dor, sobre a perda, sobre a saudade. Porém, também dialoga com o medo, a raiva, a incredulidade, a rebeldia. O desejo por um mundo melhor e pelo retorno da união anteriormente existente entre as pessoas é também um dos principais motes do álbum.


O que impressiona em Earthling, por outro lado, é que ele é um trabalho com faixas autobiograficamente viscerais em que Vedder deixa fluir todos os sentimentos e emoções represadas por cinco anos desde a morte de seu amigo e antigo parceiro do Temple Of The Dog, Chris Cornell.


Além de canções melancólico-nostálgicas sofridas como Long Way, Brother The Cloud e The Dark, o álbum também possui músicas sujas, enérgicas e empolgantes como Power Of Right, Fallout Today, Good And Evil, Rose Of Jericho e Picture. São canções que representam a dualidade emocional do álbum, que mistura hard rock com folk, grunge, indie, punk, boogie-woogie e blues rock.


Lançado em 11 de fevereiro de 2022 via Seattle Surf Records, Earthling é um álbum emocional, tocante e reflexivo. Sensível, humano e humilde, ele é um disco que escancara os opostos: o medo e a confiança, o bem e o mal, a tristeza e a alegria. Um disco que mostra que o amor e o sofrer fazem com que todos sejamos humanos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.