Nevora - Submerso

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (5 Votos)

Assim como recentemente fez o Tarmat, o grupo Nevora também escolheu os últimos instantes de 2021 para colocar seu nome no agenda setting das plataformas digitais. Nesse processo e seguindo os prévios lançamentos de dois singles, a banda anuncia Submerso, seu EP de estreia.


O momento é crepuscular. A luz solar não banha o ambiente com tanta firmeza. A brisa é de uma temperatura transitória do frio ao morno, mas sua velocidade é considerável. As folhas soltas levantam voos repentinos e constantes enquanto os vidros suam pela inversão térmica. Esse é um cenário desenhado pura e simplesmente pelas notas lançadas pelo sintetizador de Thiago Macena que logo dá passagem para um instrumental preciso cujas notas desenham um misto de stoner rock e post-grunge. É nesse instante que uma voz rasgada e limpa cujo tom é mediano entra em cena. É Mateus Cortegoso dando vazão a algo que parece ser um desabafo a partir de uma dicção que remete o canto de Gustavo Bertoni. Trazendo um enredo que avalia os meios de se promover uma boa convivência ao mesmo tempo em que critica a impulsividade, a impunidade, a rigidez e a censura, Resistência é uma canção que, melodicamente, proporciona dois ambientes distintos ao ouvinte. Um é mais agressivo e sujo. O outro é mais ameno, facilmente digestivo e tranquilizante de maneira a pincelar o rock alternativo.


A brisa fria traz consigo um aroma melancólico e sofrido ainda que melodioso. Tendo as notas encorpadas e tímidas do baixo de Luis Filipe Sampaio como guia da cadência rítmica, Abissal traz Lucas Moral imprimindo, com sua guitarra, notas que funcionam como lágrimas involuntárias escorrendo de um olho marejado. De refrão dramático-explosivo, a canção sai ligeiramente da empreitada de crítica político-social desenvolvida em Resistência e mergulha em uma análise mais social ao refletir sobre o papel de cada um e o caminho a ser trilhado. Ao mesmo tempo, a narrativa se desdobra a partir do ponto de vista da pequinesa do ser humano ante um universo macro com 7,9 bilhões de pessoas espalhadas por seis diferentes continentes. Não à toa que Abissal pode ser considerada um importante single de Submerso.


A textura é mais macia, mas a energia emanada segue com toques robustos de melancolia. Cenograficamente, é como estar debaixo de uma chuva de verão sentado no topo de uma colina observando o movimento das ondas se agitar com a chegada da água celestial. Sonoramente, Estrada é aquela canção que assegura que o groove repicado e em batidas sincopadas trazidas pela bateria de Valter Ferreira Júnior é uma das assinaturas melódicas do Nevora. Desse ponto de vista, inclusive, a canção bebe da base do indie rock ao mesmo tempo em que se percebe toques do rock alternativo em sua estrutura. Dessa forma, Estrada acaba por assumir o posto de balada de Submerso. Uma balada que, apesar do ritmo contagiante e aveludado, traz consigo um lirismo cuja análise comportamental é densa e aborda a impulsividade e a posterior retomada de consciência que pode ou não resultar em arrependimentos. A estrada aqui é uma metáfora às escolhas feitas, escolhas que indicam caminhos que fazem o passado se tornar apenas uma vitrine, um quadro meramente apreciativo.


Saindo daquela ambiência sofrida concretizada pela dobradinha Abissal-Estrada, Demolição retoma logo no seu despertar a atmosfera stoner criada em Resistência. Com pinceladas soturnas e distorções amplamente graves, o desenho sonoro oferece uma densidade diferenciada cujo swing áspero traz um misto de rebeldia e incredulidade. Liricamente, porém, existe uma análise que, apesar de voltar a abordar a impulsividade, também recai sobre a ingenuidade, o despreparo e a imaturidade. É como outra explicação para o conceito de causa e consequência. 


Melancólico, melódico e reflexivo. Esse é o tripé que guia toda a base rítmica de Submerso, um EP desenhado sob uma mistura de gêneros como indie rock, rock alternativo e stoner rock que já foi previamente experimentada por grupos como Fresno e Scalene.


Ainda assim, o Nevora conseguiu imprimir originalidade ao seu material ao introduzir lirismos mais conscientes, reflexivos sobre a vida, o comportamento, a sociedade e a convivência consigo mesmo. De outro lado, Submerso é como o resultado de uma ambição musical bem executada que mostra, inclusive, a sincronia existente entre os integrantes capturada pela mixagem de Leo Ramos. Foi ele quem conseguiu construir uma qualidade de áudio lapidada e de qualidade sem perder a essência impulsiva da melodia.


E por falar em sincronia, tanto a melodia quanto o lirismo se comunicam de maneira sensível e homogênea, algo que se repete também quando o assunto é o visual. Retratando em um tratamento quase como se fosse em sépia a imagem de um rosto feminino cujo olhar é marejado e visivelmente vazio, como se estivesse pensando em algo de maneira profunda, a arte de capa feita por Thais Beckert consegue transmitir a melancolia ao mesmo tempo em que instiga sentimentos de uma intensa reflexão. Afinal, o olhar da personagem é, apesar de vago, intenso e penetrante.


Lançado em 26 de novembro de 2021 via Rockambole, Submerso é um EP intensamente melancólico e constantemente reflexivo. Com roupagem que mistura rispidez e um veludo quase transcendental, o trabalho mostra o quão plural, eclético, versátil e sincrônico é o Nevora.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.