Gods & Punks - The Sounds of the Universe

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Inverno de 2021. Época da necessidade do calor, do aquecimento. Ela despertou o interesse do Gods & Punks para anunciar o irmão mais velho de Into the Dunes of Doom. Intitulado The Sounds of the Universe, o novo trabalho do quinteto carioca encerra a saga Voyage Series.


Tensão. Suspiros aflitivos como de um refém fugindo do cárcere são ouvidos e transmitem ao ouvinte a mesma medida de angústia. De repente, um som anestesiantemente aconchegante se apresenta. Trazendo flertes singelos com a sonoridade empregada por Mark Tremonti em sua estada no Creed, Rafael "Psy" Daltro puxa a introdução da canção com uma guitarra cujo riff apresenta tom aveludado com potencial de distorção. Seu caminhar solitário não tarda a encerrar, afinal, logo Danilo Oliveira entrega corpulência a Eye In The Sky com seu baixo que funciona como um guia pelo caminho desconhecido. Porém, é quando Alexandre Canhetti enfim assume os vocais que a trilha da faixa se encontra rumo ao psicodélico. Afinal, seu timbre ácido ecoante cria uma sensação de embriaguez contagiante. No que tange o lirismo, ele perambula por temas inerentes à vida após a morte. A forma como a morte é narrada mostra, inclusive, um conhecimento religioso ante o processo de desligamento do corpo terreno. Melodicamente, a canção ganha um punch metalizado repentino que muito bebe da fonte irrigada por 13, último álbum do Black Sabbath, com especial menção à estrutura da faixa Live Forever.


Um blend de hard rock e punk é notado, mas não uma mistura tal como fez o Guns and Roses em Appetite For Destruction. Já na introdução, fica clara que a inclinação melódica, mesmo contendo uma distorção rasgada e harmônica típica de bandas estadunidenses, possui base na sonoridade europeia, cujo peso e grave são facilmente perceptíveis. É curioso como o dedilhar mole e aveludado executado por Pedro Canhetti é orgânica e rapidamente decorado pelo ouvinte devido à sua força melódica e harmônica. Em Ejection, A. Canhetti se apresenta com um vocal igualmente aveludado cujas palavras retratam a liquidez da vida, a busca por evolução e a fuga das mentiras, aqui claramente direcionada às fake news, conteúdos que ganharam tanta notoriedade durante a pandemia da Covid-19. De instrumental melodicamente potente, a faixa surpreende pelo groove. Sendo a primeira música produzida exclusivamente para The Sounds of the Universe, Ejection sai com um inquestionável título de single.


Guitarra grave, ecoante. Seu riff e a forma como se pronuncia remetem ao ouvinte a introdução marcante de Hells Bells feita por Angus Young. Aqui, porém, os traços do hard rock se fundem ao progressivo e ao psicodélico, criando uma atmosfera sensorialmente ampla. Porém, a cadência de The Tusk só é evidenciada e devidamente perceptível a partir do groove executado pela bateria de Gabriel Santiago. Quando ela assume posição, todos os outros instrumentos a seguem em perfeita sintonia. Melodicamente macia, a canção parece retratar única e exclusivamente a viagem astral oferecida pelo consumo de entorpecentes. Ou, de outro ponto de vista, de uma viagem transcendental. O que importa é que, com um lirismo de duplas interpretações e um instrumental metalizado responsável por um solo sensualmente selvagem, The Tusk envolve, intriga e excita o ouvinte.


Um groove macio. Riffs melódicos e aveludados que carregam consigo lampejos de melancolia. O blues é identificado como base, mas não como norteador da harmonia. Quando a distorção invade a guitarra como em um processo de incorporação, Nebula Haze ganha contornos agressivos, flertando com o heavy metal e ao mesmo tempo vislumbrando ambientes mais sujos e modernos, como o stoner. Há ainda, a partir do andamento lento, uma identificação, mesmo que sutil, do doom metal sobrevoando os ares harmônicos desse instrumental que, assim como Ejection, foi produzido para The Sounds of the Universe. Um ponto importante de Nebula Haze é a liberdade oferecida a Santiago, quem garantiu um momento de solo para expor seu malabarismo groovante com as baquetas.


Distorção, peso, aspereza. Esses ingredientes são todos encontrados na medida certa durante a execução. Pela melodia, se percebe ares de revolta, se percebe raiva e perplexidade. A segunda parte do abre-alas concede à Black Apples uma cadência mais sedutora, facilmente digerível e organicamente contagiante. Com versos dominados pelo grave andamento do baixo, a canção parece possuir um lirismo de interpretação de Data Limite, livro escrito por Juliano Pozati Rebeca Casagrande. Afinal, traz um cenário em que parece ter havido uma chance e esta foi desperdiçada.


Notas de raiva e uma aceleração inquietante já podem ser percebidas apenas pelo movimentar ansioso do baixo. Quando o uníssono instrumental se forma, um peso toma conta da melodia. Notas graves dos instrumentos de corda se confundem por entre uma batida lenta, mas elétrica da bateria. Apesar disso, existe uma única palavra que caracteriza toda a faixa, que é groove. Dimensionaut é uma faixa que carrega o groove como essência, como DNA. Um groove pesado, sombrio e amplamente grave que faz com que a melodia tangencie aquela que serve de base para muitas das canções de Fortress, álbum do Alter Bridge. Outro ponto que chama a atenção de Dimensionaut é a eletricidade e as subdivisões bem marcadas e estruturadas. Inclusive, o final da segunda estrofe possui notas de um hard rock-bluesado-progressivo tal como emana o Greta Van Fleet em suas músicas. Esse detalhe, na faixa do Gods & Punks é de mérito das notas docemente entorpecidas do teclado de Adrien Noren. Definitivamente, Dimensionaut se coloca ao lado de Ejection como outro forte single do disco.


O movimento executado pelas notas do baixo remetem à melodia de Simple Man, single do Lynyrd Skynyrd. Com sua afinação grave, mas swingada, ela faz como se uma luz rompesse as nuvens densas e banhasse um gramado de um verde límpido. De melodia linear e minimalista, o baixo caminha por entre uma companhia tímida das guitarras durante o primeiro verso. Porém, a ponte que encaminha o ouvinte ao segundo verso não só surpreende, mas faz com que os pelos do corpo se ericem descontroladamente. Afinal, o que se percebe no trecho é uma estrutura extremamente irrigada com um misto de veludo e drama, swing e aspereza. É um instrumental que impressiona pela harmonia no sentido mais puro da palavra. Esta é Universe, uma faixa que mistura Alter Bridge, Black Sabbath, Lynyrd Skynyrd e Blind Guardian em uma atmosfera harmônico-melódica ampla e de elevada textura sensorial que possui ainda o auxílio do vocal agudo, macio e sedutor de Mariam.


Uma melodia de estrutura linear e sinistra é o que é oferecido ao ouvinte em All Systems Fail, um instrumental minimalista em elementos que possui, como protagonista absoluto, o baixo. Porém, a faixa guarda também um atraente punch. Melódico, ele apresenta uma guitarra solo que grita, uma bateria rebelde e um compasso extasiante responsável por tirar o ouvinte do eixo. Um instrumental que mistura o hard rock, o psicodélico, o progressivo e o stoner.


Andamento lento. Distorção. Riff azedo. Existe, desde seu despertar, suculência e promessa de uma aceleração rítmica inesperada. Enquanto a guitarra base se pronuncia como se estivesse entoando gritos de ordem, toques psicodélicos são introduzidos na melodia a partir das notas astrais, afinadas e aveludadas do teclado que fazem sobrevoos onipresentes pela atmosfera em formação. Enérgica, excitante e estimulante, Gravity possui subdivisões que transitam entre a psicodelia, o progressivo e o heavy metal. Todas unidas por uma letra sensualmente crítica sobre as religiões que ludibriam os fiéis a partir de fés cegas pautadas na pura obtenção de lucro a custa dos mais fracos.


Impressionante notar a evolução do Gods & Punks desde a dobradinha Ceremony of Damnation. Em The Sounds of the Universe fica claro que o quinteto carioca amadureceu. Amadureceu musicalmente, liricamente e estruturalmente. Seu som é mais firme e ecoa uma originalidade antes longe de ser identificada.


Ao mesmo tempo, não se pode deixar de pontuar na tamanha similaridade de estilo existente entre a conjuntura do álbum e aquela proferida pelo Black Sabbath. Não apenas o instrumental traz respingos de influência com a banda inglesa, mas também o vocalista com seu timbre, dicção e cadência de pronúncia.


Com peso e transitando por diferentes campos do universo do rock, o que o disco oferece é uma banda cuja sintonia entre os integrantes é percebida em cada nota, cada virada, cada overdub. É importante notar que, entre as nove faixas, cada músico teve seu momento de destaque de maneira fluida e suave.


O resultado final de The Sounds of the Universe é um álbum com som limpo, nítido e bem equalizado a partir do trabalho de Kleber Mariano e André Leal. Além de captar a essência do Gods & Punks, a dupla capturou o ponto alto do quinteto, que é o ápice da maturidade rítmica.


Porém, um ponto que traz, indiscutivelmente, a assinatura do quinteto é a arte de capa. Feita por Cristiano Suarez e Bruno Kros, ela traz consigo o mesmo perfil das capas dos discos anteriores, como uma grafia gorda que comunica o clássico unido com o alucinógeno. As cores em tons no limite entre o pastel e o opaco, informam não só a psicodelia existente nas músicas, mas também temperos progressivos.


Lançado em 01 de julho de 2021 via Abraxas Records, The Sounds of the Universe é amplo em melodia, profundo em harmonia e intenso no lirismo. A forma como o disco foi construído oferece ao ouvinte surpresas enérgicas a cada crepúsculo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.