Giovanna Moraes - Toca Raul

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Em 21 de agosto de 1989, pouco menos de um mês depois de completar 44 anos, Raul Santos Seixas veio a falecer em decorrência de uma pancreatite aguda fulminante. Passados 32 anos de sua morte, Raul Seixas, também conhecido como Pai do Rock Brasileiro e Maluco Beleza, segue inspirando pessoas. Uma delas é Giovanna Moraes que, pouco mais de um mês após anunciar Baita Momento Peculiar, lança Toca Raul, um EP em homenagem ao soteropolitano.


Pode parecer que os repiques da bateria de Renato Lellis fossem introduzir D’yer Mak’er, single setentista do Led Zeppelin. Porém, essa levada traz para o ouvinte uma surpresa. Para começar a homenagem a Raul Seixas, Giovanna escolheu Sociedade Alternativa para fazer sua releitura. Com sonoridade de jam session, a canção apresenta, nas mãos dos guitarristas Lucas Trentin e Thommy Tannus, uma levada swingada e hard rock que, durante os hammer on e pull off, lembra o riff feito por Klaus Eichstadt no em She’s Already Gone, single do Ugly Kid Joe. Acompanhando essa atmosfera, o baixo de Pedro Dona vem com igual sede e apresenta um riff groovado e bem cadenciado. Eis então que um vocal entorpecido e aveludado invade a cena. É Giovanna trazendo as famosas frases líricas com uma interpretação impositiva e de ordem. Seu vocal traz bastante influência de Elis Regina e Rita Lee, fusão esta que culmina em um canto suave, folgado, mas ao mesmo tempo melódico e sensual em que as palavras são pronunciadas sem as últimas sílabas. Outro trunfo da cantora está no falsete. Afinal, o trecho icônico da ponte “faz o que tu queres, pois é tudo da lei” é pronunciado com um falsete crescente e afinado.


De melodia dramática e vocal abafado, é construída a introdução de Maluco Beleza. Porém, ao contrário da versão original, o primeiro verso é proferido com estrutura melódica minimalista e com participação massiva da guitarra. O interessante na presente interpretação é que, aparentemente, o forte sotaque paulistano de Giovanna insere certa rigidez no canto, ao passo que Seixas, com seu sotaque baiano, inseria maciez e, até de certa forma, malandragem em seu vocal.


Quilometricamente diferente da versão original, intimista, reflexiva e de tons baixos, Metamorfose Ambulante ganha ares explosivos nas mãos de Giovanna Moraes, cuja interpretação insere guitarras sujas e distorcidas ao estilo grunge que puxam a introdução com um ritmo cativante e acelerado. Assim como em Sociedade Alternativa, porém, é o hard rock que domina a melodia, mas com um importante diferencial: na presente faixa esse subgênero do rock se apresenta com estrutura mais radiofônica. É uma completa festa harmônico-melódica proporcionada pelos músicos. De outro lado, a interpretação vocal de Giovanna tirou, mesmo que sutilmente, o peso de crítica social e reflexiva ao qual Raul Seixas propôs para a canção. Ainda assim, a cantora merece completo crédito por transformá-la em algo ritmicamente excitante.


O mais interessante de Toca Raul, assim como aconteceu com Madu em Estudando Tom Zé, foi a seleção de canções que receberiam uma releitura para serem inseridas em seu set list. Transitando entre os álbuns Krig-ha, Bandolo!, O Dia em Que a Terra Parou e Raulzito e os Panteras, as três faixas que compõem o EP possuem lirismos fortes e reflexivos sobre a sociedade, mas cujos vários conceitos abordados seguem os mesmos mesmo após 31 anos.


Afinal, a questão da censura e da participação massiva do governo perante aspectos sociais, assunto retratado em Sociedade Alternativa, continua atual. Já Maluco Beleza é uma lição para o ato de assumir a verdadeira identidade, e gostos em uma direta crítica à sociedade conservadora antiliberal.  No mesmo caminho está Metamorfose Ambulante, canção que pega uma esquina rumo à crítica ao senso comum, ao pensamento rígido e imutável.


Triste ou não, muitas dessas questões ainda pautam a realidade do Brasil. Por isso, a escolha de Giovanna Moraes pelas músicas que receberiam releituras e entrariam em Toca Raul foi bastante assertiva.


E no que tange a melodia e a harmonia, o EP exala uma atmosfera ao vivo e de jam session proporcionada pela dupla de produção e mixagem. Feita entre Giovanna e Tannus, ela proporcionou a criação de um ambiente enérgico, sedutor, cativante e estimulante que extasia o ouvinte.


Para fechar o EP contemplativo a Raul Seixas, Giovanna Moraes recriou de maneira fidedigna a arte de capa de Krig-ha, Bandolo!. Porém, por ser uma releitura, é claro que existem modificações. No novo encarte, Giovanna se posiciona também de braços levantados, mas diferente da original, a feição assumida comunica rendição ao invés de ataque. Por fim, a inserção de várias raízes preenchendo o cenário trazem bem a ideia de rigidez, algo que Seixas criticou ao longo de suas músicas e, em especial, nas selecionadas para o EP.


Lançado em 30 de agosto de 2021 de maneira independente, Toca Raul é uma homenagem bem feita. Com mais punch sonoro, as canções ganham ares mais agressivos e enfáticos ao passo que as interpretações líricas inserem ares latentes de MPB.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.