Isa Roth - Mais

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

É curioso observar que, no intervalo de dois meses, um município com pouco mais de seiscentos mil habitantes como Feira de Santana lançou dois nomes no mercado fonográfico nacional. Em julho foi Bié dos 8 Baixos com seu disco homônimo. E seguindo a mesma trilha, a cidade agora é palco da origem de Isa Roth, cantora que anuncia Mais, seu EP de estreia.


Um timbre doce, macio e reconfortante como voz de mãe se aproximando para abraçar o filho é ouvida na companhia do igualmente doce riff do ukulele. É Isa trazendo para o ouvinte um lirismo reflexivo sobre a pressa onipresente na vida cotidiana em cuja sociedade é movida por julgamentos insatisfeitos sobre a forma como as pessoas norteiam suas próprias vidas. Por meio de uma melodia regada a influências havaianas por conta do riff da guitarra de Jô Estrada e de um beat linear trazido por André T, Não Importa é uma música que é como uma carta de alforria para que todos os indivíduos tenham a liberdade total de gerir suas vidas da melhor forma que encontrarem. 


Tambores e o violão de riff espaçado dão o despertar de Âncora. O teclado surge logo em seguida e se posiciona na coxia melódica com suas notas entorpecentemente aveludadas que dão passagem para um vocal baixo, introspectivo e em tom de reflexão. Isa lança ao ar um lirismo sobre relacionamento abusivo. Dividida em fases, a canção segue sendo narrada por Lay, cuja voz aguda, melódica e doce se assemelha ao timbre de Mallu Magalhães e prossegue o desenho de um cenário repressivo, abusivo, machista e, consequentemente, femininamente omisso. No refrão é onde ocorre o ápice melódico em que os vocais de Lay e Isa se encontram dando ênfase ao absurdo normal anormal da sociedade brasileira com apoio de guitarra distorcida e uma cadência mais acentuada. No início da segunda estrofe, quem puxa o enredo dramático-crítico-social-cultural é Lio e sua voz homogeneamente suave, mas com um punch mais presente. Uma faixa melódica, mas de digestão lenta por conta do teor crítico-reflexivo.


Os repiques da bateriam chamam a introdução. O baixo segue com seu groove encorpado e estimulante servindo como um guia para uma melodia de ares sutilmente mais eletrônicos e guitarra cujo riff acompanha homogeneamente as linhas do baixo. Logo com seus primeiros sonares, é percebido que Vai Assim Mesmo é aquela faixa com forte candidatura para single de Mais, pois seu ritmo se mostra empolgante, cativante e melódico desde o início. Num misto de pop rock e synth-pop, o que Isa traz na faixa é um lirismo incentivador sobre aceitação e fuga de sentimentos obscuros como a depressão. Um lirismo que, ao mesmo tempo em que critica os padrões de beleza sociais, instiga a autoconfiança. E dando ênfase nesse recado está Danny Nascimento, quem, com sua voz aveludada e macia, é a responsável por guiar o ouvinte por entre a segunda estrofe da música. Definitivamente, Vai Assim Mesmo é uma faixa com apelo radiofônico indiscutível.


Uma melodia macia, morna e aconchegante, muito lembrando a sonoridade padrão de canções da Marisa Monte, se constrói e seduz o ouvinte com sua tranquilidade extasiante. Com protagonismo do beat bem marcado em compasso 4x4 e do riff suave da guitarra, Conversa vai desenhando uma estrutura mista de pop e MPB. De atmosfera romântica, a canção é a primeira de Mais em que o microfone é dominado exclusivamente por Isa. No entanto, quando entra um refrão de atmosfera dramática, o enredo se transforma e aquilo que era romântico se torna um desabafo sobre um relacionamento infrutífero. No que tange a melodia, ela transita entre maciez e explosão e conta com um solo de guitarra que, muito sutilmente, recorda aquele feito por Slash em I Hold On. Portanto, se Vai Assim Mesmo possui apelo radiofônico, a conjuntura de Conversa faz com que a presente faixa tenha apelo do público, sendo um single lado B.


Um som eletrônico acompanhado com um beat sequencial e cadenciado dá um movimento atraente à sonoridade que vai tomando forma. Com forte groove do baixo e um riff de guitarra o acompanhando no mesmo desenho melódico, Vou Fazer vai moldando uma atmosfera pop sedutora que explode em um synth-pop no refrão. Com apelo e desenho próprios de danceterias, a faixa possui um ritmo dançante e empolgante ao mesmo tempo em que possui um lirismo que aborda o empoderamento feminino, assunto que ganha peso com a dobradinha participativa de Danny Nascimento.


Melódico, harmônico e dançante. Crítico, radiofônico e macio. Algumas das características citadas podem parecer antagônicas, mas elas dividem o mesmo espaço na construção lírico-melódica. E é isso o que torna Mais um EP intrigante. Afinal, ao mesmo tempo em que se têm críticas ao machismo estrutural e a relacionamentos abusivos, se tem letras em prol do poder feminino combinadas com ritmos populares e cativantes.


Com sua voz doce e macia, Isa Roth conseguiu capturar o ouvinte para assuntos densos que ganharam ainda mais corpo com um time de cantoras de timbres semelhantes ao da anfitriã, o que criou uma melodia homogênea e simultaneamente diferenciada. Rodeadas por coros, todas as cinco canções de Mais são ouvidas de maneira a assustar o espectador quando finalizadas, afinal, são encantadoramente atraentes.


Misturando o pop, o synth-pop e o MPB na mesma medida, Mais possui uma arte de capa hipnotizante. Feita por Kevin Cabral, ela apresenta um degrade de cores quentes e frias que beiram tanto a atmosfera ácida dos anos 70 quanto a ambiência mais pop dos anos 80. Trazendo Isa ao centro se posicionando com ar imponente, o que a arte informa é que se trata do trabalho de uma cantora que chegou para ganhar.


Lançado em 27 de agosto de 2021 via Banana Atômica, Mais é um EP rodeado de timbres embriagantes e imerso em melodias macias e cativantes. Porém, por traz desse aconchego existem críticas estruturais fortes que, ao que parece, vão continuar existindo por muito tempo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.