Giovanna Moraes - Baita Momento Peculiar

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Enquanto o frio é o clima que domina grande parte do país, que, assim como o resto do mundo, inaugura a segunda metade de 2021, a cantora e compositora paulistana Giovanna Moraes aquece o mercado fonográfico nacional com o anúncio de Baita Momento Peculiar. EP é o sucessor de III e capta Giovanna em performance durante pocket show feito no BarraCo // WeSampa.


Um som azedo surge como sopro e como tal, passa em um instante. É o ressoar da distorção em aquecimento que logo migra para um ambiente macio e ameno, recheado de doçura e sensualidade em notas blues. Essa comunicação entre as guitarras de Lucas Trentin e Thommy Tannus é acompanhada por uma participação pontual e precisa das notas do baixo de Pedro Dona. Quando ocorre a entrada do vocal, é completada a ambiência sonora que transita entre o ácido e a new wave dos anos 70 e o swing bluesado dos anos 80. Opaca e aguda, os contornos vocálicos de Giovanna possuem toques guturais que cooperam para a criação de uma energia psicodélica em Baile de Máscaras. Tratando sobre o poder de influência que algumas pessoas exercem sobre as outras, a canção é bem definida melodicamente, com pré-refrões divididos de maneira agradável e refrões sedutores e contagiantes. Como um todo, a sonoridade da canção é bem explorada e traz traços mistos de progressivo, post-grunge e a própria new wave.


Golpes solitários e certeiros da bateria de Renato Lellis dão a impressão de trovoadas. Essa explosão libera as lágrimas do céu traduzidas através de linhas dedilhadas e melancólicas das guitarras. Enquanto o baixo assume a função do instrumento que oferece alento à tristeza, caminhando sempre como um antagonista, seu groove é o que entrega a cadência de Rosalía. Passada a introdução, de antagonista o baixo passa para protagonista, afinal, seu peso, concisão e o groove propriamente dito passam a definir o andamento rítmico, o qual se vê preenchido pelos instrumentos de base e recebe apenas espirros das guitarras. Misturando elementos do indie, do rock alternativo, do misto de reggae e ska em divisões bem definidas, a canção possui musicalidade estonteante e um lirismo imersivo que aborda a insegurança de uma personagem cuja vida lhe ensinou a não ter confiança em si mesma. Essa é Rosalía.


Repiques. Golpes graves. A bateria por si só já cria, com sua desenvoltura, uma comunicação sonora sombria que, com a chegada do riff das guitarras, recebe temperos ásperos e azedos que evoluem para um uníssono cadenciado e sutilmente acelerado. A métrica do hard rock é quem assume as rédeas da base rítmica com sua mistura de swing na melodia e sensualidade no canto. Porém, a sensualidade lírica é combativa e não apenas no cru sentido do sexo. Aqui esse quesito assume a forma de algo hipnotizante, ardente e empoderado. É o resultado de uma química indiscutível entre os elementos sonoros presentes na canção. Guitarras, baixo e bateria, por meio de seus intérpretes respectivos Trentin, Tannus, Dona e Lellis, mostram precisão, ritmo e uma estrutura que não apenas exala qualidade, mas que mostra a coerência e a harmonia existente entre em um groove complexo e perigosamente sedutor.  Poucas é uma música que, liricamente, pode em primeiro momento parecer uma crítica debochada aos governantes, mas assume caráteres de defesa do empoderamento feminino e da luta por igualdade de gênero. Um bom primeiro single original de Baita Momento Peculiar.


Sem rodeios, Espaço já começa com o primeiro verso. O swing, mesmo que em doses cavalarmente menores em relação à música anterior, segue presente e com o auxílio do caminhar encorpado das linhas do baixo. Sem raiva ou agressividade na voz, Giovanna surge com uma interpretação lírica recheada de falsetes que beira o cansaço na tentativa de adquirir o que o eu-lírico deseja: liberdade. Ainda assim, existe, por parte do personagem, força em se desvincular da possessão e do egoísmo de seu par. O enredo da faixa é de fato um grito em prol do livre arbítrio, mas com toques de crítica de uma sociedade mimada que visa seus próprios benefícios, algo derivado da meritocracia e que rege muito do conceito capitalista. É inegável que Espaço, assim como Poucas, tem força de atração e um groove hipnotizador, mas aqui, existe um detalhe adicional: o refrão-chiclete.


Macia como a brisa do vento soprada por uma manhã de outono, It’s Not Faire / Injusta começa de maneira tranquila e amena, com um ritmo que beira um mantra tamanha a calmaria e sutileza que ele entrega ao ouvinte. Após a introdução, a canção caminha para um pré-refrão de melodia mais concisa em que a guitarra base, apesar de emanar notas repetitivas, possui mais peso do que os hammer on e pull off realizados pela guitarra solo. Se dividindo entre o inglês e o português, Giovanna apresenta um vocal misto com imersões no campo do soul e do blues que entregam notas florais e agridoces à canção. É interessante como a canção apresenta um clima áspero, mórbido e melancólico ao mesmo tempo. Essa impressão é tão latente que, por vezes, faz parecer que a métrica da faixa foi baseada na estrutura de composição melódica do Oasis.


Baita Momento Peculiar é um trabalho que possui diferentes ramificações para análise. O primeiro ponto é a sonoridade, que é a superfície que conquista o ouvinte. Nesse quesito, o time de músicos recrutado por Giovanna Moraes apresenta competência e conhecimento musical, conseguindo transitar por diferentes ambientes sem deixar de mostrar entrosamento e química.


O segundo aspecto é o vocal. Giovanna se mostrou uma cantora que, assim como os músicos, caminha por diferentes ambientes e tem conhecimento corporal. Consegue se movimentar por diferentes técnicas sem desafinar e ainda consegue imprimir sentimento e assinaturas próprias no decorrer das canções.


Por ser um EP ao vivo, o trabalho para conseguir captar a banda como um todo em sua melhor pose fica mais difícil. Mas a mixagem de Thommy Tannus foi capaz de capturar a desenvoltura da banda sem deixar a alma de uma performance in loco morrer. É possível notar nuances vocais, estridência instrumental e transmitir a sensação de presenciar um show ao vivo.


Assim como fez Fábio Cardelli em seu disco ao vivo 5 Anos de Palavra, Baita Momento Peculiar visa reascender o espírito de interação e relembrar as energias e vivências proporcionadas por apresentações ao vivo, as quais foram drasticamente atingidas pela crise global da Covid-19.


Como último ponto de análise, mas aquele que salta aos olhos e assume a função de primeira conquista, vem a arte de capa. Feita por Lucas Trentin, ela se baseia em sobreposições fotográficas que criam uma impressão fantasmagórica que nada amedrontam o ouvinte. Recheada de cores em tons tão vivos que quase estouram a paleta de cores, a arte possui um caráter ácido que muito lembra a atmosfera setentista.


Lançado em 27 de julho de 2021 de maneira independente, Baita Momento Peculiar é um produto que apresenta uma banda no auge de sua performance. Bem trabalhado, o EP serve para mostrar que o independente também é sinônimo de qualidade. Todos podem fazer bem feito, basta saber fazer. E o time de Giovanna Moraes mostrou que sabe.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.