Emília Carmona - LaMachi

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Há pouco menos de uma semana, Santa Catarina teria mais um produto fonográfico lançado. Pegando essa proximidade temporal, Emília Carmona se une ao time catarinense composto por Pedro Casagrande, Fantástico Caramelo e Madu para se anunciar no mercado da música nacional com LaMachi, seu EP de estreia.


Um som tropical vai se formando gradativamente. É como se o ouvinte se visse em uma mata ouvindo ao fundo um som que desperta interesse e, assim que tira grandes folhas de bananeira da frente, a visão fica limpa e ele consegue enxergar o que está acontecendo. Com golpes certeiros da bateria, surge uma voz afinada e doce. É Emília Carmona imprimindo suavidade em uma estrutura melódica preenchida por notas de frevo proporcionadas pelo groove do baixo trazido pelo sintetizador de Mateus Romero. Estilisticamente, Dengo é uma música multifacetada, pois possui em seu DNA uma sonoridade mista de frevo e samba cujo swing é a base melódica. Animada e ao mesmo tempo sensual, a canção traz um lirismo preenchido por rimas toantes cuja mensagem é o blend de sentimentos que a proximidade causa ao eu-lírico, bem como a vontade de se sentir cortejado e desejado. Com direito a um solo de sax proporcionado por Nicolas Salazar, a canção ganha uma sensualidade propriamente brasileira cujas cores são de uma paleta de tons quentes-pasteis. Por outro lado, a contribuição da guitarra de Dani Postal em união ao teclado cria uma atmosfera pop disco tal qual aquele feito por Lulu Santos em Eu e Memê, Memê e Eu.


Sons não identificáveis criam um suspense incômodo no ar. É como caminhar sob um chão repleto limbo, sem claridade alguma e com texturas ásperas roçando a pele a cada passo dado. O suor gelado sai sem controle de cada poro corporal e escorre livremente por todo o corpo. Diferente de Dengo, aqui Emília surge com uma voz contida cujo tom expõe cautela, certo temor e a consequente timidez. Introspectivo, o som emitido por seu vocal é triste e contaminante. Enquanto o caxixi causa a impressão de chuva que cria um ar ainda mais entristecido, a canção ganha uma crescente dramática com as notas do teclado e uma sensação uteriana causada pela calmaria e o som das ondas recriando a sensibilidade do líquido uterino e o corpo maternal. Janainoyá é uma canção que mistura o torpor depressivo com desejos de uma entrega de amor, de uma paixão que ultrapassa o conjugal. O gestar, o ser, a dor, a solidão. O medo. A faixa é a perfeita ilustração dos devaneios inconstantes e conflitantes da maternidade.


O violão traz uma cadência estimulante que foge ligeiramente do torpor latente da canção anterior. Trazendo uma energia de tom reflexivo, o instrumento logo dá passagem para a entrada de Emília, que vem com um lirismo sobre perseverança, fé, esperança e honra a simplicidade da vida. Por entre versos cantados em espanhol, existem sobreposições vocais que amplificam uma espécie de swing latino que é estimulado pela guitarra. E nesse quesito, Postal traz em sua performance, além de flertes com o soft rock, influências visíveis de Santana. Porém, além da guitarra propriamente dita, o molejo presente em Encantaria é também proporcionado pelo beat de temática reggaeton, o que acaba entregando as cores quentes vindas de uma praia em dia ensolarado. 


Um vocal cuja leveza e doçura lembra a desenvoltura aconchegante do timbre de Marisa Monte. Ritmos plurais e entrosados que vão do frevo ao disco, do soft rock ao reggaeton. Na letra, o disco traz desde um monólogo expressivo-sentimental ao poder da atração. Isso é LaMachi.


Com instrumentação minimalista, o disco conseguiu soar amplo e, portanto, sem limite experimental pré-estabelecido. De outro lado, as inserções de sons promovidas pelo sintetizador foram essenciais para dar movimento e uma trajetória de altos e baixos que representa a instabilidade sentimental do ser humano. Tais quesitos foram perceptíveis a partir da atuação de Francis Pedemonte, quem proporcionou uma lapidada mixagem e que acabou por oferecer uma sonoridade clara e limpa ao ouvinte.


Instabilidade pode ser, inclusive, o mote da arte de capa. Feita em união entre Marcos D’Elboux e Emília, ela traz um misto de psicodelia e acidez que são traduzidas pelo eco corporal. Cada camada desse eco é como um estado de espírito denotado por cores que vão de tons quentes aos frios. É a união da tristeza entorpecida com o ânimo exacerbado que possui, no meio de tudo, uma personagem cujo olhar penetrante evoca a paralisia perante o incerto e à mudança, mas cujo espírito está sedento por mudanças. Na arte de capa existem ainda referências ao nordeste, em especial  Pernambuco a partir do objeto portado pela personagem, pela grafia do nome do EP e pela mistura de tons.


Lançado em 22 de outubro de 2021 de maneira independente, LaMachi é mais um feliz lançamento que mostra, acima de tudo, a versatilidade da música brasileira e a desenvoltura desimpedida de seus representantes. Um EP calorosamente tropical e convidativamente analítico.

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1 Comentários

Esse album é uma delícia pros sentidos! Grande trabalho da Emilia - nossa Machi curandeira

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.