Duran Duran - Future Past

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Foram seis anos desde Paper Gods, seu último lançamento. Porém, seu novo trabalho não é contabilizado apenas por esse intervalo, pois ele marca também o aniversário de 40 anos do anúncio do álbum autointitulado e que lançou a banda no mercado musical mundial. Future Past assume, portanto, o posto de 15º álbum de estúdio do quinteto inglês Duran Duran.


A guitarra entra rasgando a textura de veludo como um sopro. Logo em seguida, porém, o sintetizador já vai proporcionando gradativamente uma atmosfera new wave à canção em construção. Curiosamente, a cadência da base rítmica que abraça o primeiro verso traz na memória do ouvinte a sonoridade introdutória de Smooth Criminal, single de Michael Jackson. É essa ambiência mista de funk e disco music se soma à new wave proporcionando ao ouvinte uma experiência completa de swing. Nesse aspecto, a voz de Simon Le Bon, que começa com um sussurro já empregando um tom sensual, auxilia bastante. Mas apesar de seu timbre ser característico pela agudez e uma textura de veludo, Le Bon teve forte apoio de Erol Alkan, cuja atuação no sintetizador foi precisa na construção dessa ambiência dançante e ao mesmo tempo ácida, algo alcançado com apoio do teclado de Nick Rhodes. No quesito funk e acentuação rítmica, o mérito fica por conta das linhas de baixo proporcionadas por John Taylor. Apesar dessas fusões estilísticas, Invisible possui um conteúdo lírico que carrega forte crítica político-social que aborda o ato de ignorar, a censura, fatores esses que levam Le Bon a se questionar “and have I became invisible?”.


O groove já surge exaltado pelo baixo nos primeiros raiares de luz. Trazendo um funk acentuado na base rítmica, o instrumento leva o ouvinte para um saguão ainda mais dançante do que aquele visitado na canção anterior. O synth-pop domina o espectro sonoro enquanto o vocalista se debruça por uma interpretação lírica sutilmente mais selvagem e com direito a notas vocálicas rasgadas. Se em Invisible, o duo sintetizador-teclado foi o responsável por criar um ambiente dançante, aqui é o beat da bateria de Roger Taylor quem oferece um enaltecimento dessa característica. All Of You, como o próprio nome sugere, é uma canção cujo lirismo é pura sensualidade. O ato físico do encontro dos corpos, os sentimentos por ele proporcionados, a sabedoria da conquista, da atração. Uma canção já levada para a lista de singles de Future Past.


De um som ácido como óleo fervente, uma doçura emerge na superfície. É fato que, nessa mesma doçura existe notas de um veludo entorpecido cuja roupagem é perfeitamente cabível em um ambiente eletrônico. Com pouco, Tove Lo já mostra muito de si e muda visivelmente a expectativa do ouvinte mesmo se encaixando no synth-pop já estruturado pela canção anterior. Nesse aspecto, o sintetizador casa com a batida da bateria ao mesmo tempo em que o teclado, com suas notas confortavelmente aveludadas, acompanha Tove na maciez. Curiosamente, quando Le Bon entra em cena ele acaba oferecendo um sabor nauseante que contrapõe o cenário como um sabor azedo e embriagante. Surpreendentemente, no refrão o vocalista se livra de tais amarras e entra em uma crescente cuja a afinação é posta à prova durante a execução de falsetes extensos durante o refrão, mas sem perder a pose. Give It All Up é uma canção de bastante ânimo cujo lirismo exorta a vida de maneira exotérica. A noite como símbolo de êxtase e de lazer. Ao mesmo tempo, a faixa oferece uma segunda interpretação. Menos alegre, ela sugere as tentativas do eu-lírico de tirar o coadjuvante de um estado depressivo. De todas as formas, o que Give It All Up busca é o foco no amanhã como um incentivo pela persistência na vida tal como Le Bon diz no trecho “know that we are heading for tomorrow today”.


Apesar de uma sonoridade limpidamente eletrônica, suspense é a palavra que define a introdução. Essa impressão prossegue, mas agora, com o baixo trazendo o groove tão característico do Duran Duran, que aqui traz muito parentesco às linhas feitas por Tim Staffell no despertar de Another One Bites The Dust, single do Queen. Ao lado do compasso da bateria, o instrumento dá passagem para a entrada de um teclado de notas ácidas que dá início ao primeiro verso. Estimulante, crescente e pra cima, o trecho tem uma energia positiva cujo ânimo é legitimamente despertado no ouvinte. Esse ânimo é exacerbado a partir das onomatopeias ditas por Le Bon na passagem do pré-refrão ao refrão. Com direito a sobreposições vocais, o refrão é enérgico tal como a celebração do início de um novo ciclo. Acompanhando esse cenário, o lirismo de Anniversary vem com uma alegria estonteante que busca, precisamente, festejar. E no caso do quinteto, festejar 40 anos de união, descobertas e 207 músicas compostas ao longo da carreira.


Um som docemente angelical é oferecido pelo teclado. Esses sonares oferecem ao ouvinte sensações de aconchego, conforto e até mesmo proteção. Com um vocal grave e aberto, Le Bon traz consigo um ar de reflexão à canção, que caminha por entre uma melodia minimalista durante o primeiro verso, um minimalismo que vem com referências sutis ao som construído pelo B-52’s. Como uma valsa recheada de psicodelia, a faixa-título traz em sua estrutura uma dramaticidade latente que é proporcionada pela aparição dupla de teclados feita entre Rhodes e Joshua Blair. Com um tom de sofrimento, o que vem de lirismo é um conteúdo que aborda a dor e o pesar do término de relacionamento. É uma metáfora sobre expectativas nunca vivenciadas e sequências nunca continuadas. De outro lado, a canção estimula pelo aproveitamento do presente para não haver lamentos nostálgicos.


É curioso como de um ânimo extasiante o Duran Duran caminha para algo introspectivo e sofrido. Mas para sair da energia de dor, a festa retorna com destreza em Beautiful Lies. Acelerada e com base rítmica no synth-pop, ela é mais uma música de Future Past que é puxada pelo espirro de um baixo cortante. O teclado traz consigo um tom catedrálico que curiosamente casa com o ânimo estonteante da canção. Com direito ao backing vocal de BARLI, a faixa entra no refrão em uma semelhança melódica evidente com aquela estruturada no ápice de California Dreamin’, single do The Mamas & The Papas. Beautiful Lies é uma canção que, liricamente, fala sobre pertencimento, sobre falsas verdades em uma clara alusão às fake news e, inclusive, sobre a falsidade estrutural. De toda a forma, apesar do teor lírico, Beautiful Lies se une a Anniversary e Give It All Up no time de singles de Future Past.


O synth-pop continua em dominância ao lado da disco music. Com o baixo trazendo um compasso cadenciado, a canção adquire um movimento atraente e levemente dançante. Como uma marca do Duran Duran, a dupla teclado-sintetizador é enaltecida pela melodia que possui semelhança com aquela estruturada pelo The Cure, especialmente no quesito de ambientar a canção na década de 70 e imprimir um som nauseante e embriagante. Assim como na faixa-título, aqui também existe uma amplitude de teclados proporcionada pela dupla Rhodes e Giorgio Moroder. No entanto, ao contrário da primeira, em Tonight United o efeito causado não foi a dramatização e sim um tempero extra de new wave. De outro lado, assim como em Anniversary a presente faixa também se utiliza de versos onomatopeicos que se tornam chiclete na mente do ouvinte, o que facilita sua memorização e a incluindo na equipe de singles de Future Past. Não por acaso, o lirismo é animador e estimula as pessoas a pensarem diferente e ansiar por mudanças de modo a convergir o conservadorismo com o liberal.


Com uma introdução diferenciada, é dada a chance de Graham Coxon enfim ter seu protagonismo. Imprimindo uma guitarra de riff ameno acompanhada de um teclado de notas entorpecidamente ácidas, Coxon proporciona a mistura entre psicodelia, new wave e rock alternativo no despertar da faixa. Porém, mesmo com a inserção de uma segunda guitarra oferecida por Mark Ronson, o dramático e o melancólico ainda ficam evidentes em Wing, uma música que narra um trágico assassinato movido pelo ciúme e que desmontou a imagem de família perfeita.


É como o coração batendo. O beat singelo da bateria acaba por cooperar com o teclado de notas épico-psicodélicas na criação de um ambiente positivista. Com direito a um backing vocal feminino inserido por Saffron Le Bon no refrão, a canção tem leves contornos de soul e é imergida de maneira fluída no campo do rock alternativo. Nothing Less é uma canção que trata sobre a fluidez dos relacionamentos.


Teclado e sintetizador puxam a introdução misturando o eletrônico com a disco music. É quando Le Bon recebe novamente o auxílio de Saffron e BARLI que a canção ganha contornos de soul e que, ao entrar no refrão, imerge, pelo baixo, no campo do funk a partir das pitadas de groove e swing colocadas na mesma medida. Hammerhead é uma música sobre um alguém que busca pelo autoconhecimento e se questiona sobre sua própria identidade. Nesse ínterim, a canção possui ainda uma ponte estruturada sob a métrica rap que contou com a participação Ivorian Doll.


Um beat pop. Vozes femininas em idioma japonês ouvidas ao fundo graças à participação do quarteto Chai. Uma singela semelhança com a melodia de She’s Madonna, single colaborativo entre Robbie Williams e Pet Shop Boys, a partir da cadência vocal de Le Bon nas passagens ao primeiro instrumental e ao refrão. Com notas do funk colocadas de maneira a apenas realçar o sabor sonoro, More Joy! é uma canção que não fala apenas sobre alegria, mas assim como All Of You, fala da atração, do impulso, do instinto.


Uma surpresa. Não é teclado, sintetizador ou baixo que puxa a introdução e sim o grave-agudo, o drama e o clássico das notas do piano de Mike Garson. Com um único instrumento, notas florais, dramáticas, reflexivas e densas bailam pelo ar em uma sincronia deslumbrante que capturam o ouvinte. Acompanhando esse cenário, Le Bon se apresenta com um vocal visceral, sensitivo e com lampejos de sofrimento. Falling é um drama de roupagem minimalista que aborda a necessidade do amor recíproco de maneira que metaforiza com a função paterna de cuidado e proteção. 


Com membros ainda transitando da segunda para a terceira idade, o Duran Duran mostrou ainda ter fôlego e criatividade. Conforme o tempo passa, novas possibilidades experimentais vão sendo possibilitadas pela música e foi isso o que seus cinco membros mostraram em Future Past.


Afinal, não somente a zona de conforto new wave e disco music foi abordada no álbum. Ao lado dos ingleses, há também a participação de celebridades da internet e uma série de músicos que inserem suas características de maneira a proporcionar um ecossistema heterogêneo. Eis que se vê o funk, o clássico, o rap, o alternativo, o psicodélico, o pop e o synth-pop juntos da new wave e da disco music em um mesmo ambiente e ocasionando uma sonoridade única.


Mas existem participações que merecem atenção. Saffron Le Bon dá um ar familiar tal como fizeram Salvador Santana e Stella Santana em Blessings and Miracles. Graham Coxom, apesar de vir do Blur, uma banda que flertava com o grunge e misturava elementos alternativos e britpops, foi o responsável por dar um tempero noventista e propriamente alternativo ao álbum. No entanto, é inquestionável que a parceria mais inusitada se deu com Chai. Formada em Nagoya por quatro mulheres, a banda de dance pop traz um estilo de canto peculiar e uma cadência propriamente oriental.



Lançado em 22 de outubro de 2021 via Tape Modern, Future Past é um disco que mistura sonoridades de um passado recente com a de um presente passado. É a fusão de ritmos unida com a mistura de sensações e texturas. É a velha guarda se mantendo ativa e mostrando que a música é plural e um bem imaterial da sociedade. É um disco que dispensa apresentações por trazer um Duran Duran coeso, preciso, sincronizado e cheio de swing.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.