NOTA DO CRÍTICO
Faz pouco mais de dois anos que o grupo se reuniu para anunciar um material de inéditas. E Silêncio Eterno, o EP sucessor de Pesadelo, trabalho de estreia do Betty Says Damn, representa o último capítulo, até o momento, do processo criativo do quarteto taubateano.
É como se o fogo viesse lentamente amedrontando uma pacata civilização ribeirinha. Na noite, o vermelho vivo das chamas assusta, amedronta, apavora. É uma beleza temerosa ver as faíscas dando cor à escuridão da noite, mas essa mesma beleza carrega certa morbidez repleta de agressão desmedida. Esse é o cenário nascente que o uníssono denso e tenso entre guitarras, baixo e bateria fornece ao ouvinte. Já comunicando uma interessante mistura entre metal alternativo e screamo, conforme vai evoluindo e tomando mais corpo a faixa-título reforça a visão do caos iminente e imparável. Quando um silêncio se forma de maneira brusca, vem o arrepio, as pupilas se dilatam com a injeção de adrenalina a partir das iniciativas espontâneas de atenção e cuidado. Os músculos se enrijecem como se prontos para um combate ou, simplesmente, espantar o medo que assola a insegurança penetrante e abundante no ambiente. Segundos depois, vem a definitiva explosão do caos, da desordem, da impulsividade e da intensidade. Com um grito rasgado visivelmente carregado de descontentamentos há muito tempo represados, Tom Oliveira ofusca a essência branda de seu timbre ao se pronunciar tal como abraçado por um desespero insistente. Interessante notar que, enquanto a guitarra solo baila pela superfície sonora de maneira melódica e amorfinada, o restante dos instrumentos faz uma base bruta e áspera criando a perfeita antítese da dor e do conforto. Do sofrimento e da redenção. Não por menos, a faixa-título, mesmo assustando os desavisados com sua potência brutal, traz consigo uma mensagem sensível, apaziguadora e motivacional. O não se deixar levar pelo falso conforto da escuridão e dos pensamentos negativistas e a não conformação da dor são ensinamentos frisados para que o ouvinte se sinta devidamente reenergizado para continuar lutando. Tudo sustentado pelo pilar da fé e da esperança de que sempre haverá um amanhecer belo e perfumado que espanta o breu.
Com uma levada de digestão mais branda cuja melodia vem apoiada no alicerce misto de hardcore e punk rock, Agora amanhece de maneira excitante e enérgica que tem como principal meio estimulador os incessantes e compassados golpes de Niko Teixeira executa nos tons em união ao preciso pedal duplo. Sob influência da roupagem melódica do Rise Against, a canção toma um corpo intenso que beira o melodramático enquanto o refrão assume uma postura marcante e curiosamente contagiante. Tratando da relação do perdão de atitudes tomadas, o viver o agora e a construção de um fim digno, Agora é uma canção com diversos versos em que existe o conceito de melodia que encanta e conquista o ouvinte a partir de sua melancolia. Um single comovente de Silêncio Eterno que chora pela saudade da memória de alguém que partiu.
É verdade que a base se configura, novamente, no hardcore. Contudo, diferente de Agora, aqui ele se mostra com intensa dramaticidade desde o início. Lembrando tanto a melodia de O Universo A Nosso Favor, single conjunto entre Charlie Brown Jr.. e For Fun, quanto aquela presente na introdução de Aces High, single do Iron Maiden, existe um lamento latente e evidente a cada esquina sonora pronunciada em seu despertar. Curiosamente, Lutar tem na mudança estrutural da sonoridade o próprio escudo contra o sofrimento. Afinal, da melodia chorosa ela passa para uma espécie de raiva azeda ao atingir o terreno do death metal. Entre urros guturais e versos melódicos, Lutar é uma canção que trata de manipulação por parte do sistema ao mesmo tempo em que motiva o ouvinte a não deixar de defender a própria essência. Se manter fiel à sua própria identidade mesmo perante as adversidades sociais é um desafio, mas um desafio que merece a batalha. Eis a principal mensagem de Lutar.
Apesar de ser a bateria, com seus repiques acelerados, que faz o Sol aparecer perante as nuvens, é o baixo de Denis Romanatto que, com suas linhas sequenciais, trazem a pressão necessária para que a introdução de O Erro atinja o devido corpo intenso e melancólico. Assumindo um hardcore que remete àquele construído pelo CPM 22, a canção reforça mais uma vez a temática lamentosa tão presente nas canções de Silêncio Eterno que, aqui, é reforçada pela sofrida guitarra solo que flutua entre os rios de lágrimas de sangue formado pela base rítmica. Trazendo um enredo simplesmente sobre o conceito de evolução, de crescimento interior, O Erro tem, nas guitarras de Felipe Moreira e Vinicius Gugliotta, o ingrediente ideal para levantar tanto o sabor azedo dos versos de ar quanto a dicotomia entre racionalidade e emoção na transição do refrão para a ponte.
Com groove e pressão, como o próprio nome da canção sugere, Novos Horizontes oferece ao ouvinte uma nova paisagem melódica. Por mais que ainda haja lamúria, a consistência rítmica é diferenciada durante a introdução, que, por meio da inserção pontual de força na melodia, vai desenhando um escopo emocional. “Nunca desista, sempre persista”, sugere, em um refrão energicamente contagiante e melodramático com grande densidade trazida pelo baixo, o eu-lírico motivacional vai destrinchando um enredo que trata de viver livre da culpa, do julgamento de terceiros e, ainda, longe de pensamentos negacionistas.
Ele é bruto, azedo, áspero e raivoso. Mas por traz de tanta ira existe a doçura e a vontade de ser amado, compreendido e acolhido. Silêncio Eterno é como a descrição de um indivíduo em um profundo processo de autoconhecimento e aprendizado no manejo das próprias emoções. Fugir da depressão, assumir a própria essência, conviver com a memória e enxergar sempre a possibilidade de mudança são questões que vivem em conflito no interior do personagem.
E como qualquer inconstância emocional, o que se sobressai é a melancolia, é o drama, é o desmedido sofrimento. Cada uma dessas emoções foi sensível e cuidadosamente interpretada pelos músicos da Betty Says Damn de maneira a oferecer ao ouvinte um cardápio preenchido por subgêneros como hardcore, punk, screamo, death metal e metal alternativo.
Eis que Rodolfo Bittencourt entra em cena com as funções de mixagem e produção. Sob o comando de tais exercícios, Bittencour elevou à máxima potência o melodrama. Fez com que o sofrimento transpassasse do som para o ouvinte e evidencia uma atmosfera que se usa da brutalidade para esconder a sensibilidade.
Finalizando o escopo que forma a totalidade de Silêncio Eterno vem a arte de capa. Feita por Moreira, ela traz o mesmo conceito do logo do The Winery Dogs devido à inclusão do nome da banda dentro de um círculo. Fora isso, a obra de Moreira comunica, a partir da composição de tons místicos e opostos, a existência do terreno progressivo tal como é observado na capa de MMXX, álbum do Sons Of Apollo e assinada por Thomas Ewerhard, e na capa de Evanescence, disco homônimo creditada à Amy Lee e Michelle Lukianiovich. Aquém das semelhanças, a capa de Silêncio Eterno representa o duelo entre morte e vida, esperança e ilusão, alegria e sofrimento. Luz e sombra. Alegria e tristeza.
Lançado em 16 de fevereiro de 2020 de maneira independente, Silêncio Eterno é a narrativa melodramática do caminho do indivíduo ruma à libertação da negatividade. É um EP que, mesmo vendido com um som brutal, traz uma sensibilidade que quer comunicar que os brutos também amam e sentem.