Bayside Kings - Tempo

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Pouco menos de um ano depois de anunciar Existência, o Bayside Kings volta ao estúdio e entrega ao cenário musical brasileiro mais um material de inéditas. Intitulado Tempo, o novo EP é o terceiro extended play da discografia do quarteto e a segunda de quatro partes que montam o álbum #livrepratodos, que já se encontra no forno.


Grave, encorpado, brutal. Sem tempo ou disposição para se explicar, o baixo de Emanuel Filgueira vem potente desenhando uma base que beira a rispidez, o imediato e o urgente. Com um grito insano, rouco, rasgado, impaciente e com pitadas agudas, Milton Aguiar, na companhia do rompante crescente da bateria de David Gonzalez, deixa fluir um selvagem hardcore que serve de cama crítica para um enredo lírico que dialoga sobre fake news, fragilidade e, principalmente, sobre o desolamento social em relação às crenças idealistas que se pautam na verdade. A Consequência Da Verdade é uma canção que tem , a partir da guitarra de Matheus Santacruz, o caráter ríspido que denota uma espécie de levante contra uma postura política ludibriante. 


Existe melodia em meio ao caos, em meio à pressão. Enquanto a bateria desdenha golpes mais intensos, a guitarra se divide entre sobrevoos de um vulto melódico e quedas a ambientes de drástica imersão em um grave oscilante e estridente. Mesmo assumindo uma cadência rítmica mais amena que aquela da faixa anterior e mesmo tendo um caráter mais radiofônico, Todos Os Olhos Em Mim dialoga sobre intolerância, inveja e julgamentos desmedidos de maneira a imprimir gradativamente mais pressão. Todos Os Olhos Em Mim tem, inclusive, um ar sombrio que abraça toda a sua execução.


Com um misto de hardcore e punk, a pressão amanhece na maneira mais estrita da palavra. Entre uma bateria de groove quebrado e potente, o baixo aparece sorrateiro, cínico e sádico na coxia melódica enquanto a guitarra segue com a função de trazer o rasgado grave à sonoridade. O Que Você Procura Aqui?, apesar de ser a canção mais acelerada, enérgica e inquietante de Tempo, ela vem curiosamente com uma estética hardcore californiana interessante que parece fundir a estrutura sonora de nomes como Pennywise e Bad Religion. Falando sobre a aspiração por mudanças ao mesmo tempo em que o sonho por transformações é barrado pela prerrogativa da necessidade da conformação da realidade, O Que Você Procura Aqui? evoca a resistência e o senso de persistência.


É a guitarra, solitária, distorcida e aguda de maneira a refrescar na mente do ouvinte a sonoridade do Rise Against que puxa a nova introdução. Com uma frase repicada e de estrutura que remonta a estética rítmica do Charlie Brown Jr., a canção vai ganhando energia de maneira a assumir um caráter estimulante e excitante. Por trazer uma maturidade melódica mais macia em meio à pressão, #Livrepratodos vai se tornando a verdadeira balada de Tempo ao mesmo tempo que adquire a principal faixa no que tange o caráter de crítica política. Afinal, #Livrepratodos discute sobre o retrocesso social que o novo governo está proporcionando e ironiza, com seriedade, a visão conservadora de Bolsonaro como o verdadeiro salvador do país. No mais, #Livrepratodos ainda rechaça a opressão e estimula o ouvinte a lutar pela manutenção do direito de ir e vir.


Urgente, imediato, necessário. Com rispidez, brutalidade, pressão e melodia, o Bayside Kings volta à cena para convidar o ouvinte a, com Tempo, refletir sobre o presente, pensar a realidade do Brasil e suas condições político-sociais. Repleto de músicas intensas, o quarteto surge maduro, consciente de sua função de formador de opinião e respaldado pelo direito da liberdade de expressão.


Preenchido e imerso nas roupagens do punk e do hardcore, Tempo dá seguimento ao conceito de Existência, o EP anterior da discografia do quarteto, de pensar a sociedade. E nesse processo, novamente o Bayside Kings se resguardou o direito de se autoproduzir para garantir mais autenticidade e veracidade ao som construído. Um som limpo em sua agressividade graças à mixagem assinada pelo Estúdio TOTH.


Fechando o escopo do EP vem a arte de capa. Assinada por Gustavo Ikeda, ela evidencia o tempo no poder de decisão do futuro tanto daqueles cuja postura é inexpressiva quanto daqueles que fogem de sua massiva imponência. O curioso aqui é notar que até mesmo a caveira-mascote do Bayside Kings aparece com um olhar preenchido pela insegurança e o medo, feição muito diferente daquela teimosa e arteira de Existência por trazer, de maneira mais evidente, o efeito do presente brasileiro sobre o cotidiano social.


Lançado em 07 de julho de 2022 via Olga Music, Tempo é um EP que pensa a realidade brasileira de forma crítica, urgente e imediata. É um trabalho tenta evocar no ouvinte o senso pelos seus direitos constitucionais e estimula uma excitação pelo desejo de mudança ante o cenário político intolerante, impositivo e desagregador que rege aquele que se diz um país de todos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.