Apto Vulgar - Sabotagem

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Com 10 anos de vida, o Apto Vulgar poderia muito bem ser considerado uma criança em rito de passagem para a pré-adolescência. Contudo, sua discografia de um álbum de estúdio e um EP já mostra certo grau elevado de maturidade. Fomentando essa rotulagem, o quarteto jacareiense anuncia Sabotagem, segundo disco da carreira e cuja gravação ocorreu no intervalo de um ano no 1100 Estúdio, em Diadema (SP).


Áspera e com uma brutalidade nascente. A sonoridade que se instaura nos primeiros instantes, puxada unicamente pela distorção grave da guitarra de Dorgs, funciona como o despertar do caos, mas ainda com dúvidas de sua ferocidade. Eis que o aparente hardcore flui, com a entrada de Luciano Leres imputando golpes na bateria que soam como uma metralhadora lenta e com o baixo de linhas graves e estridentes de Rafael “Mortão”, para uma roupagem mais agressiva que, mesmo se mantendo sob uma base mais controlada, flerta com o thrash metal e o death metal. Assumindo uma agudez ríspida, a melodia que se instaura no primeiro verso é como um metal alternativo mais feroz que recebe a camada superficial da sonoridade. Com timbre rasgado e afinado, Bonzo invade o cenário turbulento com um surpreendente lirismo calcado no seu idioma natal, o português. Rápida e irreverente, Estado Da Mente é como o estímulo de um levante contra o conservadorismo social ao mesmo tempo em que ilustra o individualismo regido por famintos sensos de personalismo e egocentrismo. Por outro lado, Estado Da Mente também discute a impulsividade do indivíduo, um atributo que muitas vezes se encontra adormecido no subconsciente, mas que possui um fácil despertar.


Acelerada, a introdução é puxada por um sequencial golpe na caixa da bateria que introduz uma levada compassada com base na estética do hardcore. Lembrando a sonoridade de nomes como Pennywise e Pantera, Cicatrizes traz um lirismo que narra o famoso conceito de mundo cão. Dialogando com a frustração, desânimo e um leve deprimir, sentimentos que são comumente vivenciados perante uma rotina movida por uma intensa falta de propósito, Cicatrizes é uma canção que apresenta um leve imergir no campo do screamo e cuja estrutura é fortemente marcada pelo compasso do baixo que, aqui, recebe visibilidade diferenciada.


Grave e estridente. É como se seu rosto estivesse franzido, com os olhos serrados e a boca firmemente fechada. Sua pose é provocativa e sua energia, agressiva. O baixo que puxa a introdução já comunica, mesmo solitário, que a presente canção é agraciada por doses extras de rispidez. Lembrando a ambiência densa, bruta e áspera de I Am The Hurricane, single de Dee Snider, Não Estamos A Sós imprime em sua estrutura uma base puramente metal com pinceladas de metalcore. Liricamente, a música funciona como uma cusparada insana de todos os defeitos da sociedade. Miséria, ganância, descaso. Tudo encoberto por uma sensação visceral de desamparo, de uma fé sem propósito ou motivação. 


Apesar do grito rasgado e imponente, o groove quebrado da bateria muito lembra a levada base das canções do Charlie Brown Jr. de maneira a imprimir um compasso curiosamente contagiante. Fazendo menção ao estado comportamental inconsciente do julgamento misturado com a necessidade do se sentir pertencente a uma comunidade mesmo que isso signifique abrir mão da essência do indivíduo, Bonzo instaura a melodia até então mais pesada já apresentada em Apto Vulgar. Com uma base regida pelo mais agressivo hardcore, Tempo E Espaço é uma canção em que a bateria é quem faz a função da marcação do tempo de forma precisa enquanto as linhas líricas recebem o reforço de Milton Aguiar na função de backing vocal. 


Estridente, nauseante e linear. A guitarra introdutória funciona como um grito regido por um enjoo de profundo incômodo que, curiosamente, lembra a melodia sonorizada pela guitarra de Billy Idol em seu single Dancing With Myself. Novamente com pitadas generosas de metal, o Apto Vulgar apresenta Muros Privilegiados, uma música que critica a censura endêmica sob a ótica da falta de investimento em educação.


Aqui, a guitarra azeda insere flertes singelos com o campo do death metal enquanto a bateria vai desenhando, gradativamente, uma base hardcore. Proporcionando leves lembranças da sonoridade do The Offspring, Controle As Rédeas é intensa e vivaz ao discutir a falta de autoconfiança causada por um senso desmedido de ganância. Surpreendente é observar que, na ponte, Mortão desenha linhas fortemente baseadas na estética funk, o que acaba proporcionando um curioso swing ante a brutalidade da canção.


Enérgica e estimulante, a melodia se inicia como trovões seguidos de raios estridentes. Curiosamente, a forma como a guitarra e a bateria se pronunciam remete à melodia de The Dirt (Est. 1981), single do Mötley Crüe. Impressão é apenas momentânea, pois a faixa evolui para um intenso metalcore que, surpreendentemente, possui uma base rítmica popular, tornando Nós Queremos Mais um possível single radiofônico de Sabotagem. Discutindo novamente sobre a ganância, mas também sobre a sensação da pressão social e a falta do senso de justiça, a faixa é outro produto do álbum que possui forte influência do campo do death metal.


Apesar de não estar sozinho, o baixo é peça de destaque na introdução. Grave e sinistro, seu groove é acompanhado por uma bateria quase onipresente que serve como base para uma música que aparenta trazer uma estética diferenciada. Seguida por um vocal ouvido em um segundo plano, O Outro Lado evolui para um áspero hardcore que é abraçado por um lirismo que exala a falta de esperança na melhoria dos problemas cotidianos.


É como a luz do Sol banhando um cenário de iminente batalha. O confronto é inevitável. O combate, imparável. A adrenalina, irreversível. Misturando ambiências do metal, do thrash metal e do metalcore, Revolução é uma canção que facilmente serve de estopim para a criação da roda Mosh. Apressada e tropeça, a música apresenta um curioso lirismo que traz o cenário de uma revolução sem sucesso e vencida pelo medo e desilusão fomentados pela ambição do sistema.


A guitarra vem solitária e trepidante como o típico thrash metal. Eis que a bateria surge promovendo um uníssono grave que empodera o som até então minimalista. Agressiva e em base hardcore, Seja Como For é uma música que narra o descontentamento perante o modelo político-econômico regido no Brasil e dialoga sobre a marginalização de parcelas trabalhistas sob a ótica da decepção.


Socialmente consciente, mas não conformado com a realidade da rotina atual. Sabotagem não é apenas um trabalho de protesto político-social, é um álbum que exala uma visão descontente e refém tanto da falta de pertencimento quanto de representatividade e amparo sentida pelo brasileiro frente às esferas política, econômica e social.


Visceral, áspero e bruto, o trabalho é de execução rápida, mas de melodia marcante que é imersa em diversos campos do espectro punk. Em Sabotagem, o Apto Vulgar desenhou toda a base sonora na estética do hardcore, mas ao mesmo tempo, inseriu nuances de death metal e thrash metal. Além deles, são perceptíveis linhas rítmicas tanto do metal e do metalcore quanto do metal alternativo e, inclusive, do funk.


Sintetizando esse caldeirão de influências está Vinícius Buchecha. Sua atuação na mixagem de Sabotagem criou relevância audível tanto para o baixo quanto para a bateria, instrumentos indispensáveis para a criação do peso sonoro pretendido para o álbum.


Já na função de produtor, Buchecha priorizou o suor causado pela raiva e pela sensação de decepção para com o sistema e a forma como ele sana as mazelas sociais brasileiras. Com isso, Sabotagem foi concebido exalando agressividade, imponência e representatividade.


Dessa combinação de orientações, saíram diversas músicas fortes e de melodias intensamente marcantes. Estado Da Mente, Não Estamos A Sós, Controle As Rédeas, Nós Queremos Mais e Revolução são grandes exemplos disso. Não à toa que seus ritmos ficam ressoando na memória do ouvinte mesmo depois de encerradas.


Fechando o escopo que compõe Sabotagem vem a arte de capa. Formada por uma fotografia de qualidade feita por Leres, ela traz um cenário urbano crepuscular em que, no primeiro plano, um indivíduo parece se preparar para um ato ilegal ou, como o próprio nome do álbum sugere, fazer uma sabotagem. 


Lançado em 24 de março de 2022 de maneira independente, Sabotagem é a representatividade daqueles desamparados pela política socioeconômica vigente no Brasil. É o grito de desgosto e o desabafar de uma inconformidade há muito entorpecida.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.