Bayside Kings - Existência

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Praia, areia branca, maresia. É curioso como esses ingredientes podem se confundir com o concreto, a fumaça e a intensa circulação de pessoas. Essa é a realidade de Santos (SP), cidade-berço do hardcore brasileiro por ter lançado grupos como Charlie Brown Jr., Superbrava e Bayside Kings. Esta última chega, inclusive, com o primeiro registro cantado em português depois de 10 anos. Intitulado Existência, o trabalho consiste no primeiro EP do quarteto.


A calma e ingênua respiração do ouvinte é pega de supetão e, de súbito, tem sua velocidade drasticamente aumentada. A partir de repiques acelerados na bateria, o estado ofegante domina o espectador, que se percebe com as pupilas dilatadas e com uma sensação de euforia crescendo de maneira gradativa. É isso o que os primeiros instantes da faixa-título oferecem. Eis então que uma guitarra de riff áspero e levemente grave se posiciona em cena até que os golpes firmes e explosivos feitos por David Gonzalez introduzem o primeiro verso, momento em que, graças à voz aguda e rasgada de Milton Aguiar e da velocidade peculiar da melodia, a música assume características mistas de hardcore com flertes no death metal. Trazendo elementos do screamo em sua interpretação lírica, Aguiar apresenta um conteúdo sobre autoafirmação, autoconhecimento e a coragem de assumir a própria identidade. Contando ainda com críticas às influências culturais na construção da personalidade, a música atinge seu auge com uma melodia que, de maneira madura, informa ser uma expoente do crossover thrash.


A guitarra lança lágrimas ácidas sobre a sonoridade em desenvolvimento. É nesse momento que um som grave emerge e entrega notas de corpulência à melodia. É Emanuel Filgueira imprimindo com seu baixo uma cadência que, em comparação com a faixa-título, é predominada por um hardcore mais melódico. Isso faz com que, inclusive, o ouvinte perceba semelhanças harmônicas com aquelas criadas nas canções do Charlie Brown Jr., pois apesar da agressividade, existe na atmosfera uma abundância de frescor que torna Miragem mais digerível e atraente. Com punch, explosão e precisão, o que é apresentado liricamente é um conteúdo sentimental sobre a sensação de solidão e a necessidade de buscar o aconchego do pertencimento. 


Com uma levada hardcore californiana, Ronin é apresentada ao ouvinte. Afinal, na melodia introdutória se nota uma fusão de Bad Religion com Pennywise que dá uma mistura enérgica de velocidade e agressividade. No quesito lírico, pode se dizer que Ronin é a faixa mais densa de Existência, pois ao metaforizar os ídolos como detentores da verdade, o Bayside Kings questiona não apenas a má-fé religiosa, mas também o negacionismo e a cegueira presente em grande parte da sociedade eleitoral brasileira. A idolatria de um falso ídolo, a mitificação de um falso mito e a adoração de um falso humilde são situações descontroladamente vividas em um Brasil politicamente polarizado. Como o próprio Aguiar grita a plenos pulmões: “falsos ídolos cairão”.


Com um início mais lento e melódico, Alpha e Omega serve como uma injeção de ansiedade e adrenalina em saber como a canção se desenvolverá. Eis que a faixa acaba por apresentar o groove mais macio de todo Existência, afinal, apesar da guitarra de Matheus Santacruz soarem agressivas, ásperas e sujas, as linhas da bateria acabam por desenhar uma base rítmica mais radiofônica, o que torna Alpha e Omega o single do EP. Com um lirismo que trata nada mais nada menos que a força do destino, a música enfatiza a máxima proferida por Francisco Cândido Xavier que diz: “embora ninguém possa voltar e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.


Existência é um EP indiscutivelmente enérgico. Áspero e metalizado, as melodias que preenchem suas quatro faixas ainda caminham por campos sonoros do universo do punk como o hardcore, o death metal e o crossover thrash. Esses ingredientes combinados com o frescor das praias de Santos facilmente perceptível por entre as linhas rítmicas, fazem do EP um produto musicalmente misto em energias.


Porém, apesar desse frescor latente, Existência é um trabalho liricamente denso que, como o próprio nome já diz, aborda questões inerentes à existência social. Sentimentos como solidão, necessidade de acolhimento, autoafirmação e coragem são, ao lado da busca pela própria personalidade, os temas que marcam os conteúdos líricos do EP.


Todos eles trazidos por Milton Aguiar, um cantor que, com seu timbre agudo e rasgado muito possui de semelhança com o vocal de Joel O'Keeffe, frontman do Airbourne. De outro lado, a pronúncia e a cadência que Aguiar coloca em suas frases faz com que haja, também, uma semelhança com o estilo de canto de Badauí, vocalista do CPM 22.


Produzido e mixado por Danilo de Souza e Fernando Uehara, Existência é um EP que captou bem o espírito de desconforto compartilhado pelos integrantes do Bayside Kings, algo que também foi muito bem retratado na arte de capa.


Com um desenho caricaturesco feito por Nanda Bond, a arte de capa comunica por meio dos cartazes grudados na parede a falta de liberdade. De outro lado, as latas de tinta dispostas por entre o chão passam a ideia de uma realidade irreal, tal como a máxima de que os ídolos cairão. É a negação se comunicando com a realidade da incoerência, que aqui é personificada por uma caveira de ar sínico.


Lançado em 24 de setembro de 2021 via Olga Music, Existência é um EP forte em melodia e contestador em lirismo. É o encontro da incredulidade com a insatisfação. O desconforto com a negação. É um grito de socorro que não se é ouvido pela sociedade mergulhada em sua cega zona de conforto.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.