NOTA DO CRÍTICO
Depois de 45 anos como frontman do Saxon, o inglês Biff Byford decidiu arriscar em carreira solo. É assim que o septuagenário decide anunciar Red Brick City, o disco de estreia de Heavy Water, seu mais novo projeto, o qual conta ainda com a parceria de seu filho, Seb Byford.
É uma sonoridade metalizada, com toques soturnos sutis. É como o alvorecer dos anos 70, momento em que o auge do heavy metal era representado por bandas inglesas como Black Sabbath, Judas Priest, Iron Maiden e a própria Saxon. Esta é a atmosfera sugerida como entrada no cardápio de Solution. Sob melodias macias, mas preenchidas por uma guitarra de riff grave, a faixa acaba abraçando sutilmente a caracterização da obscuridade nas linhas rítmicas ainda em construção. Na passagem para a segunda etapa introdutória, Solution passa a possuir uma espécie de swing agressivo, sujo e áspero que muito se assemelha àquele presente na melodia de Killing In The Name, single do Rage Against The Machine. É então que pai e filho surgem preenchendo a estrutura sonora com suas vozes, sendo Biff trazendo sua voz aguda e rasgada como protagonista, e Seb assumindo os backing vocals com seu tom mais grosso. Cheia de rimas perfeitas, a letra que abraça a sonoridade da faixa aborda assuntos como maturidade, insegurança e falta de rumo. É a história de alguém que quer ajuda para seguir pelo caminho certo.
Apesar de a guitarra surgir solitária e com um riff aparentemente ameno, a energia que ela exala é sombria o suficiente para causar sensações adversas de ansiedade e um medo reconfortante. Essa ambiência entra em uma momentânea pausa quando Tom Witts entra em cena com uma bateria de golpes crescentes que encaminham Turn to Black a uma nova divisão. Nessa segunda parte da introdução, o suspense é amplificado e a narrativa melódica enaltece, a partir das notas do teclado de Dave Kemp, a construção de um ambiente sem luz e de terreno rochoso cuja estética sonora é soturna. Nesse ínterim, a letra entra com uma sincronia harmônica desconfortável por retratar um diálogo entre o eu-lírico e Deus, conversa essa que é recheada de pedidos de perdão, perdão sobre pensamentos extremos de insanidade e obscuridade. Assim como na faixa anterior, mas com uma súplica ainda maior, o personagem pede ajuda para se desvirtuar da divisão da escuridão e da luz. Pede ajuda para que todas as ideias ruins a deixem.
É curioso como, mesmo acompanhado da guitarra, o grito inicial do baixo se sobressaia. Afinal, é ele quem puxa as notas sujas e graves da introdução da faixa-título. Apesar de linear, a melodia é groovada e soturna, com notas ácidas e cuja pressão extasiante perambula, inclusive, pelo campo do rock alternativo. De vocal mais enérgico e com presença maciça do drive, Biff apresenta uma letra que retrata o resultado do ilusório sonho americano: infelicidade e insatisfação pela mesmice e pelo comodismo. Esse é o cenário vivenciado pelos habitantes dessa cidade de tijolos vermelhos. No que tange a questão melódica, ainda, é possível notar influências do Velvet Revolver na estruturação do solo, momento em que a sonoridade muito se assemelha àquela introdutória de She Builds Quick Machines.
Notas entorpecidas de um exoterismo catedral preenchem os primeiros sonares. Macia, melódica e com uma exortação de positivismo, a melodia, com o auxílio do riff limpo e agridoce da guitarra, funciona como um raiar da luz solar rompendo as nuvens e banhando um campo de gramas verdes. Emocional e com flertes melancólicos, Tree in the Wind possui, na passagem do primeiro verso ao pré-refrão, uma semelhança melódico-estrutural com a sonoridade criada na introdução de Burn It Down, single do Alter Bridge. Construtivista, a canção possui um lirismo que reflete sobre a fluidez e a beleza da vida. Uma canção pura e simplesmente sobre gratidão que, indiscutivelmente, é uma grande candidata, ao lado da faixa-título, de single de Red Brick City. Porém, ela possui outro agravante: além de características de single, ela é a primeira balada do álbum.
Elétrica, pra cima, excitante e crescente. Além de contagiante, Revolution é uma música que traz notas modernas à sua melodia por ter uma mistura de hard rock, post grunge e rock alternativo. E nesse ambiente, vozes em tom sarcástico e provocativo invadem a cena se rebelando contra a censura e o descaso governamentais com um adendo: aqui é Seb quem assume o posto de vocalista principal, enquanto seu pai fica nos backing vocals. Mais curioso ainda é que a dinâmica e a harmonia proporcionada entre músicos e cantores recria a ambiência melódico-estrutural criada pelo Velvet Revolver por nela conter sarcasmo e uma sensualidade áspera. Um single lado b de peso.
Ares californianos pairam pela a atmosfera. A praia, o mar, a areia branca, o clima jovial e descontraído moldam um ecossistema ainda inexplorado pelo Heavy Water, afinal, aqui não existe densidade, obscuridade ou negatividade. Existe leveza, existe swing, existe melodia. Existe um hard rock com uma levada mais popular que tangencia a estrutura sonora introdutória de Closing Time, single do Supersonic. De groove 4x4, Personal Issue No. 1 é uma canção que aborda o peso na consciência e a vontade de reparar erros passados.
Ácida e com uma aspereza entorpecida. É isso o que faz com que a melodia introdutória de Medicine Man transite livremente por entre os campos do indie rock e do rock alternativo. O mais surpreendente é que a música possui divisões rítmicas bem definidas que proporcionam ambiências melódicas diferenciadas. Afinal, enquanto na introdução, apesar de ser baseada em vertentes recentes do rock, existe um ar setentista, o primeiro verso assume uma levada cheia de groove, mais bluesada e swingada que possui, ainda uma imersão no folk. No aspecto lírico, Medicine Man é uma canção que fala sobre a vontade de se esquecer dos problemas da vida e a necessidade de encontrar um meio para fazê-lo. No caso da canção, o eu-lírico pede metaforicamente por um remédio. No que tange a modernidade do rock, ainda é possível notar semelhanças com o som feito pelo Dirty Honey.
Tranquila, macia e com um despertar indie, Follow this Moment possui protagonismo do baixo na estrutura melódica. De notas graves e com groove contagiante, o instrumento entrega corpulência à estrutura rítmica, a qual é preenchida por uma dupla vocálica que insere um lirismo de exortação à vida. Nesse sentido, os versos “live for this moment” e “follow your dreams” hipnotizam positivamente o ouvinte, quem fica energizado pela energia estimulante que a canção proporciona. Melodicamente, a calmaria entorpecente é rompida com um grito de saxofone que se desenvolve em um solo harmônico que abraça a finalização da faixa com uma harmonia até então inexplorada em Follow this Moment.
Novamente assumindo os vocais principais, Seb apresenta ao ouvinte uma música que, pelo despertar, parece ser uma expoente de melodia mista de folk, blues e hard rock. Aqui, inclusive, a voz do cantor assume um tom agudo e rasgado que muito se assemelha tanto ao estilo de canto quanto ao timbre de Jared Leto, cantor do Thirty Seconds to Mars. Assim como foi com Personal Issue No. 1, Now I’m Home possui uma maciez californiana que abraça confortavelmente o ouvinte de maneira que, tal como fez Ozzy Osbourne em Mama, I’m Coming Home, traz o lar como um lugar de proteção e aconchego. Um lugar que simboliza o começo de tudo, que simboliza a possibilidade de reestruturação da vida. Um lugar de paz.
Estimulante e com uma melodia mista entre hard rock e funk. Esta é Faith, uma canção swingada e groovada que possui um ar descompromissado. Mais do que isso. Existe aqui influências latentes de B. B. King e Jimi Hendrix tanto na pronúncia e cadência vocais quanto nos riffs retirados da guitarra. Com sensualidade e malandragem, o personagem da faixa parece estar entorpecidamente ansioso por um momento recreativo de seu dia. Assim como Follow this Moment contou com um solo peculiar, Faith também oferece ao público um solo blues e ácido de teclado que remonta a sonoridade do Deep Purple.
São 47 anos que separam duas gerações. E nessas duas distintas fases, influências igualmente diferentes se constroem. E no caso de Red Brick City isso ficou evidente. Afinal, do lado do septuagenário Biff Byford existe o heavy metal, o metal, o funk e o hard rock. Já do lado do vintenário Seb Byford existe o rock alternativo, o folk, o indie rock e o funk.
São gêneros e subgêneros que foram muito bem distribuídos por entre as 10 faixas do álbum. Afinal, de Solution a Revolution a tendência foi a criação de melodias mais densas, pesadas e com uma roupagem mais setentista. Por outro lado, a partir de Personal Issue No. 1 a leveza passou a tomar conta da harmonia, que foi dominada por subgêneros mais amenos do rock.
Não à toa que Red Brick City é preenchido por músicas que, tendo em vista as melodias adotadas, parecem vir de trabalhos diferentes. Exemplos comparativos disso estão faixas como Solution e Personal Issue No. 1, Turn to Black e Medicine Man, Revolution e Faith.
Uma das coisas mais importantes do disco é que, mesmo plural por conter, em um mesmo ecossistema, blues, heavy metal, metal, hard rock, grunge, funk, folk, indie rock e rock alternativo, ele possui uma lista corpulenta de fortes faixas de caráter radiofônico ou não. E elas são a Solution, Turn to Black, faixa-título, Tree in the Wind, Personal Issue No. 1, Revolution e Now I’m Home.
Necessário dizer que, em diversos momentos, as construções melódicas e vocálicas reconstruíram os ambientes soturnos tão característicos das músicas do Alice in Chains. De outro lado, também houveram momentos de grande assimilação sonora com as roupagens adotadas pelo The Strokes ou mesmo o Stone Temple Pilots.
Essa mistura também foi capturada pela arte de capa. Feita entre Enrique Zabala e Steph Byford, ela consegue, a partir da fotografia aérea de parte de uma cidade, captar o denso e o obscuro ao mesmo tempo em que apresenta movimento e vida por meio do destaque das cores vermelha e laranja vindas das ruas, avenidas e janelas dos apartamentos.
Lançado em 23 de julho de 2021 via Silver Lining Music, Red Brick City é um disco de encontro de gerações. Mais do que uma parceria entre pai e filho, o trabalho é um potente híbrido melódico. As diferentes influências dispostas entre suas 10 faixas fazem dele um trabalho não rotulável. É o rock em todo o seu cardápio degustativo.