Ugly Kid Joe - Rad Wings Of Destiny

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Depois de sete anos, o segundo maior hiato entre lançamentos da discografia do quinteto californiano, um novo material de inéditas enfim é lançado. Rad Wings Of Destiny é o quinto álbum de estúdio do Ugly Kid Joe e sucede Uglier Than They Used Ta Be, disco que marcou o retorno do grupo após uma pausa de nove anos.


Um respiro vindo do chimbal de Shannon Larkin puxa um riff hard rock que faz as pupilas do ouvinte se dilatarem e os pelos se eriçarem. Dave Fortman não apenas inicia um riff cheio de swing e provocativo, mas, ao lado da guitarra solo de Klaus Eichstadt, constrói uma melodia típica do AC/DC. Apesar disso, o que impressiona já na introdução é a interpretação lírica de Whitfield Crane que, com um vocal rasgado e levemente metalizado, relembra o icônico timbre de Bon Scott. É a partir da segunda estrofe que That Ain’t Living ganha mais corpo e uma dose extra de concisão pela forma como Cordell Crockett desenha as linhas de baixo. Com auxílio da terceira guitarra empregada por JJ Curran, a faixa transpira sensualidade, provocação e um toque de imponência. Interessante notar que, no que tange o lirismo, That Ain’t Living é uma canção que dialoga sobre o desperdício de tempo e a falta de persistência na conquista dos objetivos. E como o próprio Crane versa, “‘cause that ain’t living”.


Contagiante, enérgica e com um grande apelo popular com sua atmosfera introdutória pop punk a partir do compasso da bateria, ela é marcada por um baixo presente e guitarras melodicamente ásperas que dão uma textura mais saborosa. Linear, mas com um pré-refrão suavizante, Not Like The Other consegue flertar com as ambiências rítmicas do Barão Vermelho enquanto dialoga sobre seguir o fluxo social ante lutar pelo próprio sucesso. É uma faixa que estimula o ouvinte a sair do marasmo da rotina e procurar por coisas que ampliem os horizontes para, como o próprio título sugere, se diferenciar dos outros.


Um folk amaciado e reconfortante com aroma de sertão. É isso o que o violão introdutório de Everything’s Changing oferece ao ouvinte. De sabor nostálgico e aroma floral, ela impressiona em conseguir, pela simplicidade, construir uma harmonia que seja puramente comovente. Quando a guitarra entra, existe uma ampliação nos sabores que, junto à bateria de Larkin, cuja levada informa uma despropositada conexão com a base rítmica comumente construída por Scott Phillips em suas canções no Alter Bridge, cria um movimento ainda mais macio. De caráter emocional e lacrimal, o refrão encaminha o ouvinte para uma segunda metade ainda mais comovente e penetrante graças às notas do piano que aumentam demasiadamente a questão nostálgica que chega a lançar mais comoção pela sua contribuição na harmonia. Everything’s Changing definitivamente é uma balada puramente emocional que oferece um enredo de alguém perdido em seu sofrimento, um alguém que lembra os dias passados e enxerga o amanhã como uma nova oportunidade. Tal chance é a de superar uma espécie de luto por uma pessoa que não mais frequenta a mesma realidade.


Melancólica a tal ponto que consegue sonorizar as lágrimas de decepção e arrependimento correndo sob o seio da face, a melodia que se inicia traz consigo um horizonte de céu cinza e vento gelado. Tendo na bateria o fator que imputa movimento, mesmo que linear, Kill The Pain apresenta um refrão não apenas sofrido, mas que derrama consideráveis doses de desespero e angústia em sua explosão simultaneamente introspectiva. Fora do habitual do Ugly Kid Joe, Kill The Pain apresenta um lirismo que dialoga sobre a batalha contra o vício, seja ele em álcool ou outras drogas. É a perfeita dicotomia entre o caminho fácil e instantâneo de fugir da dor e do sofrimento que assola a vida em alguns momentos e a dificuldade de se independer desse mesmo artifício que um dia foi fonte de prazer. Com versos de impacto como “helpless are the dreams” e a provocantemente sínica “let me be the reason you falling again”, Kill The Pain é sentimental, visceral e representa todo o desespero daqueles que buscam alternativas para lidar com suas próprias dores.


A guitarra base curiosamente insere uma temática melancólica aos primeiros instantes da canção. Contudo, a partir da união dos dedilhares de Krane, há a inserção de ingredientes que misturam o country com o folk na construção de um ambiente de velho-oeste. É interessante notar que, entre ligeiros flertes com o folk amaciado e floral do Greta Van Fleet, o Ugly Kid Joe consegue fundir seu humor reverenciado pelo single Everything About You com o humor de cunho sexual e escrachado do Steel Panther. Como uma balada romântica, Lola tem um caráter lírico cômico que relata a atração do personagem por uma mulher amplamente masculinizada, o que leva o ouvinte a interpretá-la como uma travesti. Lola, portanto, é uma balada-single extremamente divertida que prende facilmente o espectador por seu enredo solto, despretensioso e atraente.


O hard rock retoma sua forma mais clássica. Sexy, contagiante e swingada, a introdução oferece uma estrutura bem cadenciada dominada, novamente, entre bateria e guitarra. Com um vocal novamente fundido na técnica do drive, Crane traz uma voz rasgada que apimenta o enredo lírico da faixa. Flertando com o blues rock de Sharp Dressed Man, single do ZZ Top, Dead Friends Play é uma música sobre intensidade, imprudência e a relação do rock com seus expoentes já falecidos. Um produto que contagia pela sua simplicidade estética e que redescobre o brilho do hard rock do quinteto californiano.


Misturando referências despropositadas de Sweet Home Alabama, single do Lynird Skynyrd, e Mais Uma Vez, single do Jota Quest, o swing introdutório é executado sob um contágio mais sisudo, mas ainda assim, atraente. Entre sobreposições vocais limpas e em falsetes sob um sotaque levemente britanizado, Crane introduz Up To The City, uma canção de temática linear, mas com um tímido e atraente swing. Tornando a melodia mais harmônica e, em certa medida, grandiosa, o refrão auxilia o ouvinte na companhia de uma personagem que tenta se desvincular do ambiente predatório da cidade grande. Ao mesmo tempo, de maneira mais sensível e filosófica, o Ugly Kid Joe relata a perda de brilho e vivacidade da personagem, o que fica claro na linha lírica “she, I’ve been looking in her eyes. Something is dead, she’s already dead”. Up To The City ainda surpreende o ouvinte ao apresentar um solo amaciado e contagiante de maneira a trazer uma atmosfera reconfortante que flerta, inclusive, com a ambiência de Simple Man, outro single do Lynyrd Skynyrd, ao mesmo tempo em que oferece uma cadência melódica que recria a estrutura do refrão de Feel The Quit River Rage, single do Live.


O puro folk é construído a partir de um violão cujo swing emana um aroma agradavelmente sertanejo. Com auxílio do caxixi, do banjo e do adocicar do piano, a canção assume, inclusive, flertes com uma roupagem blues rock representada pelo Creedence Clearwater Revival. Drinkin’ & Drivin’ é uma canção que consegue misturar o cômico e o dramático ao relatar, como o próprio título sugere, misturar bebida e direção. Com risadas audivelmente bêbadas como se estivessem participando da mesma roda de conversa de bar, a canção cria um suavizar proposital ao tema delicado da direção alcoolizada.


Com um horizonte ensolarado, uma maciez estonteante e aromas frescos revitalizantes e tipicamente californianos, o amanhecer do novo cenário reintroduz uma ambiência hard rock ao estilo AC/DC assim como o Ugly Kid Joe fez em That Ain’t Living. Macia em sua melodia energizante, a sonoridade consegue criar uma base contagiante mesmo não tendo ainda chegado ao seu máximo ponto de maturação. Swingada e incontrolavelmente excitante, Failure se vende com um verso simples em sua métrica 4x4, mas ganha peso com um refrão chiclete e ainda mais atraente. Cômica ao ponto de formar sorrisos tolos involuntários no rosto do ouvinte, a canção narra, com o máximo de descontração e deboche, a história de um personagem sem sorte e perdedor. Tudo o que toca ou tudo o que sonha dá errado. Apesar disso, Failure, com seu solo provocante e desleixado e, traz, em algumas de suas linhas líricas que por vezes até passam despercebidas, a motivação para que o personagem - e o ouvinte - acredite em si próprio. Esse é o remédio para o sucesso na vida, algo que sempre passou distante de qualquer horizonte vislumbrado pelo azarado interlocutor.


É possível sentir o aroma da folha das árvores cintilando entre as brisas do entardecer. Com um Sol poente, se consegue ouvir o canto dos pássaros a caminho do ninho enquanto se é abraçado por uma energia confortavelmente bucólica. Macia e envolvente, a melodia introdutória vai caminhando de maneira madura sob uma sonoridade folk que encanta pela leveza e pela sensibilidade harmônica. Esse contexto enérgico-sonoro-sensorial é a base para que o enredo lírico de Long Road seja recebido e assimilado corretamente. Como uma obra que fala da não desistência, a música estimula um senso de empoderamento emocional no ouvinte que rompe qualquer barreira depreciativa que por ventura assola seu íntimo. Long Road é uma faixa que traz uma visão construtiva tanto dos dias chuvosos quanto dos ensolarados, afinal, ela reforça que todos são importantes no processo do amadurecimento. Quase como uma continuação mais branda de Kill The Pain,  Long Road é a motivação para a vivência da vida com postura ereta e confiante. Uma verdadeira balada reenergizante.


Demorou, é verdade. Porém, assim como foi com Uglier Than They Used Ta Be, o Ugly Kid Joe voltou com toda a energia. Afinal, mais do que divulgar a forte influência do hard rock do AC/DC sofrida pelo grupo, Rad Wings Of Destiny veio com um grandioso frescor e com melodias amplamente contagiantes.


Como um trabalho focado no hard rock, o álbum é recheado de sensualidade e swing enquanto transita por temas líricos nostálgicos, melancólicos, saudosos e, surpreendentemente, motivacionais. Longe de ser um trabalho triste, porém, o álbum vem com fortes enredos cômicos que são capazes de arrancar sorrisos tolos até dos ouvintes mais sisudos.


Títulos como Lola, That Ain’t Living e Failure são grandes exemplos da hilaries tipicamente californiana do quarteto. Por outro lado, Everything’s Changing,  Kill The Pain, Long Road e até mesmo Up To The City mostram que até mesmo os debochados possuem alto grau de sensibilidade. E é isso o que mostra a versatilidade lírica que o Ugly Kid Joe imprimiu em Rad Wings Of Destiny graças à competência do produtor Mark Dodson


Para abrilhantar e dividir bem esses contrapontos, o álbum foi repleto de uma miscelânea de subgêneros do rock com outras fusões. Além do já citado hard rock, o disco contém ainda folk, blues rock e pop punk, estilos que facilmente encarnam a assinatura rítmica do Ugly Kid Joe.


Lançado em 21 de outubro de 2022 via UKJ Records, Rad Wings Of Destiny é um trabalho denotativamente fresco e swingado. Cheio de hilaries, ele é um álbum que, mesmo intensamente divertido e atraente, consegue caminhar por temas delicados que mostram que, mesmo aqueles de caráter mais debochado, possuem alta dose de sensibilidade. E, por isso, o Ugly Kid Joe alcançou o objetivo de, com o presente disco, lançar o material mais versátil da carreira sem perder a leveza que fez seu nome.
















Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.