NOTA DO CRÍTICO
Dois anos depois de seu último álbum. Após uma reviravolta que fez com que três músicos passassem pela responsabilidade de assumir a bateria até achar um ideal. Esse é o enredo que antecede o anúncio de Supercharged, o 11º álbum de estúdio do The Offspring e sucessor de Let The Bad Times Roll. O álbum, inclusive, apresenta oficialmente a figura de Brandon Pertzborn no comando das baquetas.
Um sonar estridente e insistente é ouvido nas profundezas assumindo gradativa presença até que o teclado de Jamie Muhoberac e Adam Greeenholtz é ouvido pelo espectador em seu tom agudo, mas de essência gélida. Pela maneira com que se movimenta, ele, na forma do primeiro elemento a atingir protagonismo durante a introdução, acaba, de maneira singela, proporcionando uma semelhança estrutural em relação àquela melodia feita por Eddie Van Halen no amanhecer de Right Now, single do Van Halen. Fora essa ligeira igualdade melódica, que se esvai na primeira brisa, o presente alvorecer é embebido em uma atmosfera sinistra, mas ao mesmo tempo entorpecente e enigmática. Instantes depois, a guitarra elétrica de Noodles entra em cena acompanhada de uma voz masculina aguda e de toques rasgados. Vinda de Dexter Holland, ela começa a inserir o enredo lírico de forma a torná-lo, sem demora, energicamente estimulante. Ainda que acompanhada pelos tilintares agudo-gélidos do teclado, ela é capaz de deixar o ouvinte em alerta até o instante em que a canção, finalmente, engata em uma crescente rumo ao refrão. Se tornando, então, uma mistura esteticamente interessante entre pop punk e hardcore, algo perceptível graças à levada precisa e consistente desenhada pela bateria de Josh Freese, Looking Out For #1 é onde o The Offspring dialoga sobre a necessidade de se mostrar útil e, principalmente, capaz aos olhos dos outros como uma medida desesperada de surrupiar o vício do assédio moral figurado na forma de bullying e rejeição.
Um som tilintante e opaco recebe o ouvinte a partir do encontro das baquetas promovendo a contagem do tempo. Inicialmente lento, ele sofre uma aceleração súbita até que a guitarra estimule um turning point explosivo que faz nascer, de imediato, o primeiro verso. De melodia áspera e bem cadenciada em seu ritmo mid-tempo ofertado principalmente pela desenvoltura de Brandon Pertzborn na bateria, a canção vem calcada em uma estruturação rítmica de estética hardcore. Precisa em sua bateria suja e ríspida através de sua guitarra de riff trotante, Light Up é uma canção excitante que flui livremente para um refrão explosivo. Com auxílio de versos-chicletes, tal trecho da canção faz dela uma típica obra de viés radiofônico em cujo desenho rítmico-melódico atende aos mais variados ouvidos. Com harmonia desenhada pura e simplesmente com o auxílio de um backing vocal monossilábico que, certamente, será entoado a plenos pulmões pela plateia quando tal canção for apresentada ao vivo, Light It Up é uma faixa denotativamente enérgica que fala de resiliência, determinação e certo grau de autoconfiança. Tudo misturado com rebeldia e pitadas de sadismo.
As guitarras, combinadas harmoniosamente nessa nova empreitada nascente, constroem uma atmosfera capaz de soar, interessantemente, sombria e melancólica simultâneamente. Contudo, assim que a bateria entra em cena por meio de golpes crescentes na caixa, a canção entra em uma ascendência até que acessa um primeiro verso sincopado e esteticamente minimalista em que os protagonistas acabam sendo voz e bateria. Dividindo os espaços a partir da elaboração de uma cadência levemente acelerada, tais elementos, na presença de relâmpagos pontuais fornecidos pela guitarra em sua contribuição ácida, fazem desse recorte melódico-narrativo um perfeito prato de entrada que antecede o refrão. Afinal, o ápice de The Fall Guy tem toda a sua energia proferida pela interpretação lírica assumida por Holland, uma vez que a estética rítmico-melódica se mantém linear em sua estrutura mid-tempo. Com tal receia, The Fall Guy apresenta um enredo que traz um personagem imbuído em seu processo de autoconhecimento. De percepção de suas capacidades, limitações e fraquezas. Do entendimento da sua autovalorização ante seu rebaixamento para se parecer com o outro. Uma música que ensina a assumição da identidade, sem medo da rejeição e pronto para se ver livre de competições autoimpostas.
Ela começa com um beat aparentemente eletrônico cuja levada rememora aquela mesma estrutura adotada por Dave Rowntree em Song 2, single do Blur. Rápida e surpreendentemente, o que se ouve é uma voz feminina. Vinda de Rebecca Shoichet, ela surge em uma interpretação, talvez, despropositadamente sensual que destaca os toques agudos em meio a raspas de um grave delicado que pronuncia “all I want to do is to fly away with you”, o verso que puxa a melodia introdutória. Daí em diante, estimulada, por um duplo golpe da caixa da bateria, a sonoridade se apresenta completa em sua atmosfera fresca, jovial, melódica, macia e veranista. É então que Holland entra em cena com seu timbre agudo típico que, com evidente força vocal, começa a desenhar, de fato, o enredo lírico da canção. Acompanhado por um instrumental formado por um baixo de linhas estridentes dominado por Todd Morse e uma dupla de guitarras no comando de Noodles e Jonah Nimoy, o vocalista vai dando embasamento para que a sonoridade vá se maturando na forma de um pop punk que revive a atmosfera dos anos 2000. De refrão meloso e chiclete, mas contagiante por meio de seus versos onomatopeicos e duossilábicos, Make It All Right é uma faixa que reconstrói e, de certa forma, até serve como uma homenagem a Americana, mas, principalmente, ao seu single Pretty Fly (For A White Guy). Com essa atmosfera, a música traz um enredo que abraça um relacionamento indeciso calcado no deboche, no descompromisso, na suavidade, na zoeira, na rebeldia e na ânsia por liberdade de forma a reviver a essência leve do pop punk não apenas dos anos 2000, mas, também, daquele galgado do meio ao fim dos anos 90.
Aqui, o grupo oferece uma paisagem diferenciada. Afinal, enquanto a guitarra entra em cena por entre suspiros amaciados e breves, Holland faz com que o enredo lírico seja notado sob uma cadência mais acelerada, oferecendo, assim, um contraponto rítmico, no mínimo, interessante. Felizmente, assim que entra no pré-refrão, a canção entra em um processo de crescimento gradativo a partir da inserção dos golpes do bumbo que incita certo grau de excitação no ouvinte. Quando a guitarra solo assume seu posto dando embasamento e força à melodia, é quando o refrão finalmente encontra a luz e disseca sua essência fresca, entorpecente e curiosamente delicada. Na forma de uma balada pegajosa e contagiante, Ok, But This Is The Last Time garante para si uma arquitetura geral de caráter indiscutivelmente radiofônico. Não apenas pelo seu viés rítmico-melódico, a canção atinge tal caracterização a partir de seu conteúdo lírico, que trata uma desavença amorosa, o término da relação e a vontade de trocar os papéis para que o protagonista se veja como o rejeitador e não como o rejeitado. Para ele se ver, de alguma forma, no controle de uma situação inevitável e, ao menos, tentar espantar o sofrimento de um coração partido.
O início já é um verdadeiro punch em si. Trazendo única e exclusivamente uma levada rítmico-melódica calcada em uma paisagem inteiramente hardcore, tal amanhecer acaba funcionando como uma generosa injeção intravenosa de adrenalina. Assim que entra em seu primeiro verso, a canção permite, pela primeira vez até o momento, que o espectador deguste de maneira cristalina a contribuição do baixo no espectro melódico. Sob a manipulação de Morse, o instrumento se apresenta com um sonar ligeiramente estridente em seu tom grave entregando à melodia um corpo que flerta com a paisagem do stoner rock, ainda que, mais precisamente, fortaleça a atmosfera hardcore. De refrão explosivo, excitante e, acima de tudo, enérgico, Truth In Fiction presenteia o ouvinte com uma harmonia vocal melodiosa construída pela sinergia entre Holland, Bob Rock, Greenholtz e Adam Garrett.
Seu despertar é, no mínimo, surpreendente. Afinal, ele vem forte, preciso, denso e na forma de punchs sonoros uníssonos concisos. Assim que a bateria, sozinha, executa um golpe entre bumbo e caixa, cujo sonar ecoa ligeiramente pelo cenário inóspito, a canção entra em uma segunda parte introdutória que vem quase como uma espécie de veneração, ou, mesmo, adoração, por meio da interpretação monossilábica de Holland. Nesse ínterim, enquanto a guitarra base mantém uma acidez rascante, a guitarra solo grita e agoniza em uma espécie de êxtase incontrolável. Trazendo, a partir daí, uma segunda quebra rítmica, a canção passa a ser formada por uma base rítmico-melódica trotante com base na estética de um punk cru. Contudo, no momento em que Holland inicia, de fato, os versos líricos, a estrutura sonora se matura como um completo hardcore. Composta por rimas pobres de forma a deixar o enredo facilmente penetrante no inconsciente do ouvinte, Come To Brazil é onde o The Offspring não apenas descreve um comportamento fanático do brasileiro, mas enaltece a imagem de sua base de fãs do país como sendo a melhor do mundo. A adoração, o fanatismo. São duas das qualidades colocadas de forma transparente no enredo. Porém, o que ele, de fato, salienta, é o grau de receptividade do povo tupiniquim. Sempre caloroso, amistoso e anfitrião, ele faz de tudo para agradar seus visitantes. Dando destaque para o costume carioca de se cumprimentar com dois beijos no rosto e a cultura do churrasco, Come To Brazil ainda conta com a tradicional onomatopeia cantada em jogos ou em shows: o famoso ‘olê, olê, olê, olê’.
Um barulho seco e repentino é produzido pela bateria, enquanto a guitarra fornece, através de um sinal de distorção, um zumbido na base melódica que soa como uma espécie de prelúdio para uma transformação estrutural. Não demora muito para que tal constatação se torne realidade e a atmosfera seja tomada por uma sonoridade pulsante e groovada com grande participação do baixo. Embebida em um riff de guitarra enérgico e provocante associado a uma bateria que assume uma levada hardcore, a canção se transforma em algo sensual e ardente que é capaz de, inclusive, incitar sensos de libido no ouvinte. Com essa receita, que ainda dá direito a um pré-refrão chiclete e a um refrão de postura imponente, Get Some é uma canção que até no lirismo a intensidade é um detalhe iminente no enredo que abraça o personagem. Com esse comportamento, a canção acompanha o protagonista em uma vida acelerada e repleta de apostas.
Intensa, áspera e explosiva, a canção já nasce de sangue quente. Explorando uma atmosfera rítmico-melódica em que todos os instrumentos são percebidos individualmente e em coletividade, a obra tem uma introdução de base sonora consistente e de ritmo preciso. Seguindo para um primeiro verso cuja estrutura parece ter sido construída com o intuito de contar com o apoio das palmas do público quando for performada ao vivo em virtude do bumbo sequencial, a obra é ainda agraciada por frases hardcores ideais para a mosh pit. Contagiante e abrangida por um refrão de temática curiosamente dramática em seu viés explosivo, Hanging By A Thread, mais ainda que The Fall Guy, é, curiosamente, a obra mais significativa no quesito lírico em todo Supercharged. Afinal, aqui o The Offspring apresenta um indivíduo na ânsia e na iminência de se libertar de todos aqueles sentimentos depreciativos que são capazes de tirar todo o brilho e todo o senso de vivacidade. Dessa forma, a canção vem como uma aula que, acima de tudo, incentiva o ouvinte a se libertar de todas as ideias erradas e de toda a emoção que traz a tristeza e a melancolia ante a alegria e a felicidade.
A guitarra, com seu efeito wah-wah, é o elemento responsável por, sozinho, construir o despertar da presente música. Ainda que introspectiva e de caráter melancolicamente dramático, assim que a paisagem nascente é agraciada por todo o contexto sonoro ela passa a oferecer uma ligeira semelhança para com o despertar de Slim Pickens Does The Right Thing And Rides The Bomb To Hell, faixa creditada também ao The Offspring. Audivelmente mais lenta, porém, a presente composição traz consigo certo grau de visceralidade estrutural que a torna marcante. Na forma de uma balada introspectiva, You Can’t Get There From Here é como uma espécie de irmã, uma continuação linear de Hanging By A Thread por apresentar um enredo generosamente parecido. Mais sombria, no entanto, a presente faixa traz um indivíduo que, visivelmente, está refém de uma voz interior que o manipula em prol de sua própria desvalorização e desumanização. Uma voz que, além de destruir seu brilho, evidencia a realidade de que seu emocional está completamente consumido pela dor e pelo ódio. Tais sensações não transformam o dia em noite. Elas conseguem tirar o senso de lucidez e fazer com que o indivíduo execute atos violentos contra si que podem não ter meios de serem cicatrizados.
Eis aqui um material que traz a atitude e o deboche. Que traz a consciência e o riso. Que é capaz de energizar e excitar até o corpo não ter mais água para transpirar, mas também de incitar sérias reflexões. Supercharged é um álbum que traz um perfeito equilíbrio entre diversão e convites reflexivos.
Embebido na atitude do rock e na intensidade do hardcore, o material também consegue ser contagiantemente chiclete em virtude de sua base essencial pop punk. A batida, a guitarra e o baixo se tornam importantes elementos nesse processo de imponência e comicidade, ao passo que as camadas líricas, por meio das interpretações assumidas, trazem o elemento-chave da alma da obra.
Por meio do juizado do produtor Rock, Supercharged traz canções indiscutivelmente indicadas para performances ao vivo, como Light It Up, Make It All Right, Come To Brazil e Get Some, em virtude de suas estruturas intensas, consistentes e explosivas.
Ao mesmo tempo, o álbum também sabe a hora de convidar o ouvinte para uma discussão atenta que envolve a máxima sensibilidade e consciência, como acontece, em ordem crescente de seriedade, Looking Out For #1, The Fall Guy, Hanging By A Thread e You Can’t Get There From Here. Nessas últimas faixas é onde o lirismo impera como protagonista absoluto de maneira indiscutível.
Claro que, sem um instrumental equilibrado, o próprio conteúdo lírico não adquire o impacto desejado. Por isso é que se percebe um bom trabalho feito por Rock e Greenholtz. Os profissionais fizeram com que o álbum soasse consistente e maduro ao ponto de que toda a pressão e a intensidade fossem facilmente assimiladas pelo ouvinte.
Encerrando a parte técnica, vem a arte de capa. Assinada por Deveed Benito, ela consiste em uma ilustração que mostra o esqueleto de um indivíduo recebendo agressivas doses de raios que sugerem a injeção de energia e adrenalina. Tal composição comunica o ouvinte de que o material consiste em uma coleção de canções intensas, agressivas, imponentes e, acima de tudo, enérgicas, o que é algo indiscutível.
Lançado em 11 de outubro de 2024 via Concord Records, Supercharged é um álbum que traz o pop punk em sua máxima essência. Imbuído no contágio do pop e na atitude do punk, o material consegue ser diversão e entretenimento, mas também socio-analítico e consciente. Apesar de não defender estritamente a ideia de ser a obra mais metalizada do The Offspring, o álbum surpreende pela sua potência sonora e maturidade lírica.