The Giant Void - Thought Insertion

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Ainda não completou nem um ano de idade. Ainda assim, essa nova banda do circuito do rock nacional não perdeu tempo em produzir seu primeiro material cheio. Formada pelo músico e produtor musical Felipe Colenci, a The Giant Void se apresenta oficialmente com Thought Insertion, seu disco de estreia.


Uma explosão de cores que transitam pelos tons amenos e quentes. A maciez com que a guitarra caminha pela escala de notas traz em si uma clara referência à atuação de Adrian Smith durante os primeiros instantes de Taking My Chances, single do Smith/Kotzen. A única e grande diferença entre as duas canções é que, em Voidwalker, a estrutura melódica da guitarra é executada com mais rapidez por Colenci, o que entrega pitadas salientes de agressividade. Os explosivos golpes da bateria, em união uníssono da guitarra base, já comunica que a canção sofrerá uma crescente sonora. Em meio a um caminhar pela delicada divisa entre o hard rock e o heavy metal, o que acontece é que a sonoridade dá um pequeno salto para algo que beira um progressivo metalizado a partir do uníssono grave entre a bateria de Michael Ehré e a guitarra base que segue com uma agressividade de toques mais sinistros. Esse verso, inclusive, remete na memória do ouvinte aquele executado por Mike Portnoy e Ron “Bunblefoot” Thal em Goodbye Definity, single do Sons of Apollo. O curioso é que, mesmo não havendo uma explosão declarada, essa crescente melódica linear cria no ouvinte uma expectativa de grandeza, de ansiedade e, imaginativamente, é como se, afrente de seus olhos, houvesse um cenário de chão rochoso que, brevemente, presenciaria um levante. Quando o primeiro verso enfim se inicia, uma atmosfera sonora densa, grave, acelerada e nos moldes do metal, se instaura. É como se fosse a inserção de ainda mais grave e peso na melodia introdutória de Cry of Achilles, single do Alter Bridge. É então que, após devaneios sonoros, uma voz rasgada e de timbre mediano surge no horizonte. É Hugo Rafael oferecendo mais de si em uma faceta vocal. É curioso como, nos momentos de maior extensão vocal, existem nuances que assemelham seu canto ao de Serj Tankian. É esse vocal que conta uma breve passagem de um personagem vazio, mas que busca por uma motivação caminhando pelas esferas da Terra e flertando com o mal. O enredo de Voidwalker é completo ainda por inclinações sonoras singelas ao thrash metal, fazendo dela uma canção que tem uma agressão com um swing áspero e, de certa forma, quase imperceptível por estar escondido por entre as entranhas ásperas da canção.


Aspereza e acidez. O efeito da guitarra simula rasantes de avião. Ao mesmo tempo, existe no riff uma referência ao hard rock setentista do Van Halen. É então que essa semelhança, já muito frágil, desmorona ante um alicerce mais rígido e firme do metal regado em riffs graves e lentos que flertam de maneira superficial com o doom metal. No entanto, sua melodia mais branda permite uma entrada mais abundante de luz, o tornando mais digestível e sonoramente agradável, mesmo que seja estruturado sob uma base mais densa. É em Bite the Bullet que Ehré desfila sua sabedoria e precisão para com o bumbo duplo, efeito que é apresentado em demasia, mas sem se tornar enjoativo. Até porque, é ele quem entrega parte do peso da canção. Essa tensão, nebulosidade e suspense entregues pela melodia caminha ao lado da narrativa de um alguém que se diz ser a melhor versão do eu-lírico, que ainda assim, é tida como sem bênção no céu. Eis que, em partes do pré-refrão e do refrão, o lirismo sai do idioma inglês e assume o espanhol. Bite the Bullet é uma canção que, além de ter um baixo bastante presente a partir do refrão, traz a participação de Adrian Barilari dando suporte a Rafael nos backing vocals. Em se tratando da melodia, por fim, a faixa traz um parentesco sutil, mas perceptível, com a sonoridade executada pelo Dr. Sin.


É como a combinação da densidade e obscuridade da década de 70 com a força dos raios de luz espantando a poeira na década de 80. Dead End Job já se apresenta como um hard rock metalizado, o que o faz assumir uma ambiência europeia mais latente ante a swingada dos Estados Unidos. É verdade, no entanto, que o compasso da bateria, apesar de pesado e preciso, sugere um movimento mais macio ante a agressividade e aspereza empregadas pela guitarra. É ao mesmo tempo curioso observar que, durante o caminhar melódico, entre tamanha pressão exista ingredientes soltos ao acaso que comunicam flertes com o power metal e com um hard rock mais melódico e sexualizado como o executado por grupos como Steel Panther, Poison ou o Guns and Roses no início de carreira. Essa ambiência mista de tensão e maciez, brilho e escuridão servem de base para um lirismo que encarna o caráter denso, afinal, o enredo lírico trata de um personagem que se encontra em uma batalha consigo mesmo, com seus instintos mais primários. O duelo do id e do ego em que a morte é a única solução. Solução como consequência de uma alma perdida.


O início, preciso, rasgado e com elevada pressão traz consigo uma notável influência com o heavy metal executado pelo Black Sabbath, pois existe, nas frases da guitarra, um ar sombrio e soturno. O movimento da canção é como um desenho. Um desenho que se personifica no imaginário do ouvinte. Um cenário funesto, como se todos ali presentes estivessem apenas esperando o momento da morte. Com grave, densidade e toques sombrios, o baixo entra como um instrumento que, subitamente e repentinamente, assume o protagonismo melódico entregando, com seu groove, ainda mais tensão. Essa cenografia sonora acaba se tornando uma construção sob medida para um lirismo que relata situações semelhantes ao Holocausto. A escravização, a brutalidade, a desvalorização, a humilhação, a escravidão. A maldade. Porém, é impressionante como um acontecimento com início em 1939 ainda seja vivido nos dias de hoje, claro que guardadas as devidas proporções. Preconceito étnico-racial. Desvalorização dos menos afortunados. O esquecimento consciente por parte de políticas públicas para com aqueles que precisam de auxílio. A ganância ante o bem-estar. A mentira ante a verdade. O cinismo ante a honestidade. Ordinary Men fala de um passado recente. Mas o presente vive situações semelhantes. A faixa mostra que, como seres humanos, não houve evolução, apenas um ofuscamento. Uma sólida blindagem.


Pelo início melódico, mas com toques mais sólidos, é criado um hard rock mais gélido. Uma melodia que faz com que Beltalowda pudesse facilmente ser incluída no track list de álbuns do Pink Cream 69. Com temática mais pop que as demais, o ritmo é facilmente digerido por conter um compasso amaciado e um refrão de estrutura lírico-melódica chiclete. Essas características fazem com que Beltalowda assuma a posição de single radiofônico de Thought Insertion


Um misto crescente de power metal e hard rock se forma. Estouros de cores são inevitáveis. O calor, o êxtase, o ânimo, a expectativa. Uma conjuntura de sentimentos que borbulha enquanto um uníssono potente, linear e explosivo vai sendo desenhado. No recorte, assim como aconteceu em Ordinary Men, o baixo assume de maneira repentina um protagonismo sonoro. Necessário, é ele que, com sua raiva adormecida, insere uma ponte ácida e áspera entre a introdução e o primeiro verso de Pale Blue Dot (Meant To Last). Transitando por entre melodias de tons pastéis para outras em tons mais frios e gélidos, a canção oferece um lirismo que visa refletir os verdadeiros papel e peso do ser humano. Devaneios que questionam se somos presente do destino ou arrependimento da natureza são fatores que levam a pensamentos que recobram nossos atos. Se estamos sendo auto sabotadores, ingênuos ou negligentes são outras traduções de reflexão que a música oferece. Afinal, desde a Revolução Industrial, o ser humano assumiu uma decrescente comportamental em que o respeito com o meio ambiente foi perdendo valor e, hoje, estamos colhendo o fruto desse ato irresponsável. Como o próprio eu-lírico se questiona, “are we just a speck across all the centuries?”. Pelo conteúdo lírico-melódico, Pale Blue Dot (Meant To Last) é uma grande candidata para single lado b do álbum.


Se Pale Blue Dot (Meant To Last) possui um início desenhado pela métrica power metal, a introdução de Rotten Souls possui uma inclinação para a temática do metalcore que muito recria a sonoridade consagrada por Dee Snider em For The Love Of Metal e Leave a Scar, seus dois últimos discos solo. Trazendo pitadas sutis de hardcore, a canção acaba ganhando uma cadência mais estimulante e de sabor mais presente. Tratando sobre a cultura enraizada da corrupção, algo muitas vezes tido erroneamente como um comportamento natural de tão comum, Rotten Souls ainda faz alusões à popularidade infeliz das fake news. As pessoas se hipnotizam pelas falsas verdades ditas em campanhas eleitorais, em discursos políticos. A fragilidade do ser humano mais uma vez posta à prova como algo facilmente ludibriável. A sede por soluções formam brilhos oculares que respondem a falsos textos decorados que servem apenas para alcançar altos postos políticos. Uma lavagem cerebral irreversível. Apesar da densidade lírica, o conjunto da obra em Rotten Souls faz da faixa outra música que, ao lado de Beltalowda, um forte single de Thought Insertion.


O metalcore continua sendo um importante guia melódico na introdução. Seu peso e melodia mais introspectiva dão um ar mais sombrio que, por pouco, não beira o melancólico. O que acaba sobressaindo é uma raiva controlada, mas cujos riffs rasgados e ásperos da guitarra a carregam como forma de desabafo. Trazendo um misto rítmico de speed metal com metal, a faixa-título continua a trajetória de faixas como Ordinary Men, Pale Blue Dot (Meant To Last) e Rotten Souls no que diz respeito a uma análise social profunda. Aqui, especificamente, existe a reflexão sobre o medo inconsciente da sociedade, a busca frequente por algum tipo de alento. Existe ainda no lirismo uma alusão da política como uma fé em que não se enxerga o que é feito, mas se acredita nas promessas e palavras de aceitação inconsciente. 


O som é de alerta. Não há nem tempo hábil para o temor se concretizar nas entranhas do ouvinte, pois a melodia faz, por si, esse trabalho. Pressa unida com o desespero e destruição. Uma perfeita alusão à máxima ‘salve-se quem puder’. Nesse comunicado existe o heavy metal flertando com o metal, o hardcore, o metalcore e traços de extrema sutileza do punk. Surpreendentemente, no cerne de Chernobyl, um vocal que beira o gutural pelos urros do screamo surge enquanto a sonoridade vai se solidificando como uma expoente mais branda do death metal. É Renan Roveran proporcionando um perfeito ecossistema cujas palavras cantadas recriam o cenário político-social da Guerra Fria e da icônica Cortina de Ferro.


Difícil uma banda lançar um disco potente. Mais difícil ainda é uma banda ser lançada no mercado com um disco de estreia de peso. O feito foi alcançado por grupos como Guns and Roses, Iron Maiden, Whitesnake, dentre tantas outras internacionais. No âmbito nacional, as detentoras do ato já são mais escassas.  Os mais lembrados e icônicos são Revoluções por Minuto, que lançou a RPM, e Nós Vamos Invadir Sua Praia, que anunciou a chegada do Ultraje a Rigor. Desse time agora integra também Thought Insertion que rapidamente divulgou o power trio teuto-brasileiro The Giant Void.


Com amplitude de subgêneros do universo do rock, o disco tem sua base fincada na divisa estreita entre o hard rock e o heavy metal. Mas ainda assim, nele se percebe nuances de hardcore, punk, power metal, speed metal, death metal, thrash metal, metalcore e doom metal.


Essas ambiências melódicas comunicam por si só que a atmosfera do disco é densa e sombria. Ao mesmo tempo, ela traz lampejos de luz com um swing mais comportado e uma sexualização um tanto mais tímida do que a presente em grupos estadunidenses e provindos da América Latina.


O que o The Giant Void entrega é um disco realmente denso, mas um peso que não visa o incômodo pelo incômodo. Ela busca o incômodo da reflexão. Do olhar para si e refletir sobre questões de cunho social, político, humanitário e até mesmo colaborativo. Faz com que o ouvinte revisite o passado e repense o presente. Estimula a construção de um futuro sem rigidez ou preestabelecido. Algo novo, palpável e harmônico para todos.


É um disco que, pela sua história por traz dos holofotes, recria a realidade vivida pela banda franco-brasileira Sunroad em Walking The Hemispheres. Tanto na Sunroad quanto na The Giant Void houve a contratação de um estrangeiro para compor o time de músicos. Enquanto em uma foi o cantor, na outra, foi o baterista.


E no caso de Thought Insertion, Michael Ehré imprimiu muito de sua versatilidade metalizada. Seus grooves guiavam a melodia por entre esferas que iam do metal mais brando, como o heavy metal e o próprio thrash metal, para ambientes metalizados mais sombrios, como o death e o doom. O fato é que ele se saiu bem inclusive na interpretação de hard rocks mais swingados, mesmo que ainda imersos em uma base mais metalizada.


E nesse aspecto, Hugo Rafael também usou seus dotes de flexibilidade e versatilidade adquiridos durante sua estada no Sambô para incluir vocais abertos, agudos, mas que também contivessem rispidez, acidez e notas rasgadas. Essa mescla de autoconhecimento vocal fez com que ele emitisse sons vocálicos que o assemelhassem tanto ao timbre de Serj Tankian quanto ao de Joel O’Keeffe ou mesmo  de Sebastian Bach.


Completando a conjuntura do álbum, vem o artifício visual: a arte de capa. Feita por Carlos Fides, ela traz uma mistura de influências que vão do desenho feito por Hipgnosis em Dark Side Of The Moon, do Pink Floyd, e pela obra de Nello Dell'Omo usada como a capa de Edge Of Tomorrow, do Sunstorm. Enquanto o triângulo remete a um prisma que funciona tal qual uma passagem interplanetária que chega a comunicar até mesmo algo transcendental, as cores quentes e o ambiente rochoso representado no plano de fundo deduzem o caos ou um evento póstumo a ele.


Lançado em 28 de outubro de 2021 de forma independente, Thought Insertion é um disco que, melodicamente, tem qualidade internacional. Liricamente, porém, é um disco que pede estômago para afunilar os conceitos para que a reflexão flua de maneira positiva. Afinal, este é um trabalho de pura análise político-social que foi brilhantemente musicado.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.