The Baggios - Tupã-Rá

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Há cinco anos, o power trio sergipano The Baggios iniciava uma trilogia sócio-política reflexiva com o lançamento de Brutown. Passando pelo capítulo Vulcão, em 2018, esse enredo chega ao fim com o anúncio de Tupã-Rá, seu último verbete. Com o lançamento, o conjunto acumula, em sua discografia, um montante total de cinco álbuns de estúdio.


Um groove linear e bem marcado pelo baixo de Rafael Ramos inicia um ambiente que, com auxílio de uma sonoridade transcendental que sobrevoa a atmosfera, forma uma sonoridade cujas pitadas de psicodelia realçam os sabores melódicos ainda em formação. De outro lado, a guitarra de Julio Andrade traz uma ardência imersa em um suave azedume que contrasta com o veludo embriagante e groovado até então instaurado em hegemonia. É então que um vocal agridoce com notas de acidez entra em cena. É Andrade entregando, em A Chegança, um lirismo que despeja perseverança e resiliência a partir de um enredo naval que beira o lúdico. 


A psicodelia surge como um sopro repentino. O que se segue é um compasso cadenciado graças aos batuques dos elementos percussivos empregados por Gabriel Perninha. Com uma atmosfera tropical, Avia Menino! evolui para um canto indígena que beira um mantra por conta do coro uníssono que venera a benfeitoria da coletividade. Quando a canção entra em efeito fade out, a melodia ganha ares nordestinos com a execução de uma sonoridade baseada no baião, encerrando, assim, a faixa com brasilidade.


Uma explosão de cores vivas é proporcionada como fogos de artifício. O riff da guitarra entra com uma distorção azeda que casa com a sonoridade mista de indie rock e rock alternativo que é guiada, curiosamente, por um compasso de baião. Evoluindo para uma temática enérgica, Barra Pesada é uma canção que, liricamente, se divide entre rimas imperfeitas toantes e rimas perfeitas ao instalar um enredo que aborda a realidade capitalista do trabalho pelo dinheiro, do proletário ao mesmo tempo em que critica a ganância e o narcisismo como metáfora alusiva ao egoísmo. Uma faixa que une melodia e análise social que assume o posto de single de Tupã-Rá.


A guitarra distorcida, mas sem agressão, puxa a introdução de Cura Taio. A sonoridade por ela adotada assume até mesmo um parentesco com a afinação comumente utilizada por Jake Kiszka nas canções do Greta Van Fleet. De outro lado, o teclado que a acompanha oferece uma atmosfera embriagante e hipnotizante que encaminham o ouvinte para o primeiro verso da faixa. É esse o momento em que o lirismo se evidencia ao trazer mensagens leves e construtivistas do pensar no próximo e não apenas mirar o próprio umbigo. Com flertes ao rock progressivo, a canção ainda é um ensinamento da verdadeira forma de encarar o tempo, que, nas palavras do próprio Andrade, “o tempo é uma escola, não pago pra ir”.


O pandeiro traz, por si só, o brilho, a alegria e o swing do samba. Ao seu lado, a guitarra acompanha esse amanhecer sorridente com um riff que, apesar de distorcido, contém um ânimo homogêneo. É então que, surpreendentemente e repentinamente, os pelos se eriçam a partir da entrada explosiva e uníssona dos metais que caminham ao lado e sincronicamente com o compasso estipulado pela bateria. A união do trio saxofone-trompete-trombone proporcionada respectivamente pelos músicos Mario Augusto, André Lima e Jeovane Lima traz peso e vigor à melodia, que ainda é agraciada pelo adocicar esvoaçante da flauta trazida também por Augusto. Na entrada do primeiro verso é onde Espelho Negro definitivamente se firma como uma expoente do samba contagiante, fresco e atraente do Rio de Janeiro, o qual conta ainda com o apoio da sonoridade característica e marcante da cuíca trazida por Rodrigo Pacato. Apesar desse clima festivo, o que vem de conteúdo lírico é uma crítica política referente, exclusivamente, ao período pandêmico. O que nele de mais evidente é a cobiça, o vício em dinheiro, em lucro, ante o bem-estar social. Nesse sentido, inclusive, existe uma intrínseca menção ao evento ocorrido com os irmãos Eduardo e Fernando Parrillo e seu conglomerado de convênio médico Prevent Senior. Uma música com a dose necessária e equilibrada de agressividade, frescor, swing e alegria impressa principalmente com a mescla melódica do baião na transição entre o refrão e a ponte. Espelho Negro é a representação da dicotomia que é o Brasil: um país cuja alegria é um artifício naturalizado de lidar com a dor e a incredulidade para com os atos políticos. Um single indubitavelmente potente de Tupã-Rá.


Um princípio de reggae é pronunciado pela guitarra, que logo é acompanhada por um contraponto vindo pela condução acelerada da bateria. Eis que o baixo e o teclado completam a melodia imprimindo pitadas de progressivo à introdução de Clareia Trevas, uma faixa quase monossilábica que busca nada mais nada menos do que fugir da escuridão. Buscar a luz, a felicidade ante o mau. Um mantra pertinente para o momento vivido pelo Brasil e uma característica que faz com que a presente faixa seja considerada como uma continuação homogênea de Espelho Negro.


O swing não é trazido pela guitarra, mas sim pelo baixo. Esse instrumento, por sua vez, não traz o swing calcado na métrica hard rock, mas ousa em apresenta-la sob os moldes do funk. Conforme a música vai se desenvolvendo, Andrade traz um lirismo cantado de forma lúdica e atraente um enredo cuja história prende a atenção do espectador, que por vezes se esquece da melodia e se atém somente às palavras pronunciadas e à criação, na mente, das cenas descritas. Cheia de menções à cultura e realidade nordestina, o lirismo, em meio ao compasso swingado que agora flerta com o manguebeat, encontra um vocal de sotaque fortemente nordestino e de tom ameno. É Siba comandando a ponte de Baggios Encontra Siba, uma faixa que, melodicamente, aquece o sangue e estimula a dança.


O baixo, assim como na faixa anterior, puxa a introdução de Deixa Raiar. Com groove acentuado, o instrumento logo recebe a companhia do trompete, quem entrega mais cores quentes ao seu swing. Esse artifício é, inclusive, seguido pelo compasso da bateria, que traz consigo uma maciez e uma malemolência atraentemente estonteante. Quando os metais se apresentam em sua formação completa, a guitarra passa a trazer consigo pitadas de reggae singelas tal como aconteceu na faixa anterior, mas que chegam a dominar o ambiente. É curioso como, somente com o instrumental introdutório, se percebem gêneros como reggae, soul e samba caminhando juntos sob um mesmo Sol. Deixa Raiar é uma canção de melodia grandiosa e com um lirismo simples, mas cuja mensagem é clara: dar liberdade à voz do sentir. Ou, em outras palavras, aproveitar ao máximo os momentos que a vida proporciona.


Swing, pitadas de agressividade e malandragem se unem a um despertar melódico que flerta com o hard rock. A psicodelia progressiva é trazida pelo teclado que caminha despretensiosamente ao lado da guitarra vibrante e entusiasmada.  Contagiante e estimulante, a melodia de Senhor dos Passos acompanha a história de um homem cuja sabedoria o faz lidar atentamente com as malandragens da vida.  Pela estética lírica e a estrutura melódica, a presente faixa se une à Barra Pesada no time de singles de Tupã-Rá.


Um soul groovante é oferecido logo na introdução de Chuva. A união dos metais com o compasso da bateria traz mais que swing, traz uma alegria com traços psicodélicos que, aqui, são trazidos não apenas pelo teclado, mas também pela forma como a guitarra se pronuncia. Chuva é uma canção que conta parte da realidade do nordeste, que é a relação que sua população tem com a chuva. A água que cai do céu é aquela que irriga os plantios e que auxilia, consequentemente, com a alimentação da comunidade sertaneja. Isso faz com que a faixa assuma um parentesco direto com Oh! Chuva, single do Falamansa. Na presente canção, mais do que em qualquer outra do disco, a participação do baixo é decisiva e amplamente necessária para compor o groove. Por isso, ele é o exímio protagonista rítmico de Chuva.


É como a recriação da década de 70 e início da de 80. A ambiência ácida é redesenhada pela excessiva agudez e das sonoridades ondulantes das notas do teclado, algo que traz à mente do ouvinte as melodias propagadas por David Bowie e The Smiths. Líricamente, o que Digaê! oferece é uma mensagem que metaforiza o renascimento das cinzas como forma de analogia à superação dos sofrimentos. 


Progressivo e hard rock fundidos na introdução. É isso o que, de imediato, Sun Rá proporciona. Com flertes ao indie rock, a canção traz consigo pitadas de um sentimentalismo melancólico que é estimulado pelos “oohs” cantados em coro durante uma base rítmica macia. Essa melancolia, inclusive, casa com o conteúdo lírico que, trazido por Andrade, trata da busca da tranquilidade, da fuga da tensão e dos estímulos positivos que fazem os sentimentos negativos se esvaírem. A música, o rock e o Sol como sinônimos de superação do sofrimento. É isso que é Sun Rá.


Tupã-Rá, menção direta aos deuses do trovão e do Sol. A mensagem implícita e, em alguns momentos, explícita, da necessidade de luz, seja ela vinda de maneira agressiva ou não. Agressividade como forma de sacode, o ato extremo do chamar atenção. O brando como forma de abraço e aconchego.


Essa dicotomia das ações da luz é trazida pelo disco como uma representação do momento vivido pelo Brasil. Enquanto o programa de vacinação evolui, novos escândalos corruptivos relacionados à Covid-19 explodem. Enquanto os índios sofrem com o crescente desmatamento, o negro é afligido com o desvelar do preconceito, assuntos muito bem abordados em Vista Sua Armadura Mais Bonita.


De outro lado, Tupã-Rá traz a resiliência, a esperança e a alegria do povo brasileiro como antídotos saudáveis para com as adversidades vividas pelo país. Um antídoto bom para o coração e bom para a alma, mas cujo prazo de validade é incerto e depende única e exclusivamente da força interior de cada um.


Com instrumental vasto, o disco se apoia na mistura de ritmos pura e tipicamente brasileiros com outros globais para dar sonoridade a essa ambiência lírico-dramática. Em Tupã-Rá se percebe o rock alternativo, o indie rock, o rock progressivo, o rock psicodélico, o reggae, o hard rock, o soul conversando com o manguebeat, o baião e o samba.


Por serem tão diferentes entre si, coube a Leo Airplane a tarefa de mixá-los de maneira a não soarem destoantes e confusos. Seu exercício fez com que a união desses gêneros proporcionasse a Tupã-Rá uma sonoridade plural e, portanto, indefinível. Uma sonoridade única que une Brasil, Jamaica, Estados Unidos e Inglaterra.


Visualmente, o álbum é finalizado com uma arte de capa que, influenciada pelo título, segue a referência mitológica grega. Feita entre Andrade, Marcelinho Hora e Marlon Delano, ela traz os integrantes do The Baggios em esculturas de perfil cujos contornos de aparência propositalmente desgastada remonta ao Olimpo e as estátuas dos deuses gregos.


Lançado em 04 de novembro de 2021 via Toca Discos, Tupã-Rá é o Brasil musicado. Abordando o medo, a aflição, a incredulidade, mas também a alegria e o sorriso, ele é um disco que representa o brasileiro de hoje, de ontem e de amanhã.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.