Crucifixion BR - Human Decay

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Comemorando 25 anos de carreira em 2021, um período que compreendeu mudança de ares, quase como um falso êxodo rural. Afinal, o quarteto rio-grandense viajou para Porto Alegre e só em 2016 se fixou na cidade de São Paulo. Cinco anos depois, o grupo Crucifixion BR anuncia Human Decay, seu segundo disco de estúdio.


O ambiente é sombrio e um tanto soturno. O chão é de terra batida e as paredes, de pedra. A iluminação é feita por rasas e raras colunas de fogo que proporcionam uma visão turva e a ilusória visão de vultos a partir das sombras formadas pela reflexão da luz sobre o teto. Afrente, uma porta de madeira cuja abóbada gótica toca o teto se abre e um cenário de tumultuosa lamúria é visto. Pessoas pedindo socorro, clemência, às lagrimas estendendo as mãos. É então que algo tira a normalidade do caos e faz com que as pessoas comecem a correr desordenadas. Um som indecifrável é ouvido. A ideia da chegada de alienígenas pode parecer algo plausível. Openning The Gates, Blasphemy Returns é o caos sonorizado.


Explosões. As rochas estão caindo sob a lama. Raiares de luz de fogo são vistas no horizonte escuro. O nebuloso é recriado a partir da brutalidade com que o groove denso, grave e intenso da bateria de Juliana Novo se pronuncia ao lado do riff de toques rasgados e igualmente grave da guitarra de Miller Borges. O black metal é enfim apresentado sob seus moldes confortavelmente agressivos e de toques soturnos. Eis que, de súbito, o ouvinte é levado para um primeiro verso acelerado, intenso e ríspido. Não mais é o black metal que rege a base rítmica, mas sim o death metal entoado pela levada em blast beat da bateria, a qual dá um efeito de metralhadora à canção. Ao lado dessa sonoridade carregada, um vocal gutural surge em urros de base no screamo. É Maxx Guterres que, entre excessos de pedais duplos e guitarras distorcidas em tons bastante baixos, traz um lirismo que, além de pôr em cheque a fé, discute intensamente a hipocrisia e a consciência de que nós somos os nossos próprios maiores inimigos. A sabedoria do autoconhecimento. Isso é a faixa-título.


O caos de Openning The Gates, Blasphemy Returns parece ter entrado em uma decrescente. Os seres indecifráveis agora estão em evidência, caminhando, observando, tocando, sentindo. Confirmed Execution 666 é um interlúdio sinistro que, como um medley, serve tal como uma introdução estendida de Annihilation and Victory, uma canção que se inicia com um uníssono sujo, linear, potente e em baixo volume que, curiosamente, é mais digerível que as canções anteriores. Sua melodia, mesmo bruta, possui formas mais brandas que a fazem audivelmente mais confortáveis, pois assume desenho inteiramente black metal. Com direito a solos heavy metalizados, Annihilation and Victory é uma canção que, abordando um cenário regido por mentiras institucionalizadas, quem não as segue, morre. Uma alusão ao conceito de extremismo que vai muito além do caráter político, mas que está adormecido e enraizado na cultura social de algumas civilizações, em especial a do Brasil, que teve no governo Bolsonaro um gatilho para se rebelar.


Um som quebrado ecoa solitário na atmosfera. É o prato china fazendo a vez de um instrumento de chamada de atenção ou mesmo de alerta. O efeito é o mesmo utilizado por Scott Phillips na introdução de Bleed it Dry, single do Alter Bridge. Com leves toques de sujeira e rispidez, a canção evolui para uma melodia áspera que recria a ambiência do thrash metal de maneira a emitir um estímulo extra ao ouvinte. Na passagem para o primeiro verso, o ecossistema ganha contornos de uma catedral, cuja sonoridade ecoante cria uma sinergia entre fé e perseverança. De súbito, Guterres entra com seu urro gutural cuja palavra pronunciada já diz muito do conteúdo lírico. Chaos Of Morality, como o próprio nome sugere, é mais uma canção que, ao lado da faixa-título segue analisando comportamentos sociais. Aqui, em especial, a moral sob a ótica bélica, uma alusão à rigidez, à ganância. É quase como a comparação do universo das redes sociais, que escondem a verdadeira vida enquanto cada indivíduo mostra a ilusória rotina perfeita. Chaos Of Morality: o devaneio de dogmas da sociedade moderna.


Curiosamente, em meio ao poderoso instrumental, gotas de melancolia são despejadas nessa melodia ainda em construção. Existe nela um drama misturado com uma ambiência épica que acaba proporcionando um sentimento de expectativa no ouvinte, que se percebe acompanhando instintivamente as ondulações rítmicas. Como já é costume no Crucifixion BR, o pedal duplo intenso é o artifício que cria o compasso sonoro, o qual é estranhamente agraciado por lampejos raivosos do prato china. Uma raiva que, na verdade, representa o instinto de rebeldia represado e adormecido no cerne de cada ser. A Few Lies Of Your Whole Light é uma música que, melodicamente, flerta, assim como Annihilation and Victory, com um viés brando do heavy metal que se finca nas entranhas do death metal. Uma música que reflete sobre o autoconhecimento a respeito dos próprios impulsos.


Uma dramaticidade tensa emerge. A bateria segue com uma brutalidade grave que já se mostra parte da assinatura sonora do Crucifixion BR e é acompanhada por uma guitarra que se infiltra na linearidade melódica na mesma intensidade a partir de uma distorção grave. Subitamente, um rugido rasgado traz para o ouvinte o retorno da temática death metal com uma melodia acelerada e áspera que é mesclada com uma repentina sutileza de um solo de guitarra melodicamente metalizado.  Into the Abyss é uma canção que deixa em evidência o lado ruim das pessoas novamente associado à comportamentos corruptivos e a necessidade de ajuda.


O riff executado pela guitarra nos primeiros instantes de My Savior traz singela semelhança com aquela estrutura trazida por K.K. Downing em Breaking the Law, single do Judas Priest. Como de costume, a aparente calmaria melódica se rompe e, aqui, dá passagem para uma sonoridade quase bélica devido à intensidade dos golpes sequenciais da bateria. Mesclando elementos do thrash metal, a canção traz em seu lirismo uma mistura de ocultismo e violência a partir de uma visão reflexiva e filosófica sobre o egoísmo em que um único indivíduo se vê digno da salvação do caos social.


O início replica a estrutura utilizada nos despertares de músicas como Into the Abyss e a faixa-título. Os golpes intensos no surdo criam uma atmosfera bruta, densa e sombria. A sonoridade azeda ao estilo metranca retoma o posto e abraça, em Bloody Fire Victory, um lirismo que traz, na guerra, a solução para a vitória contra o desapontamento social. 


Quando o ouvido do espectador já se encontrava saturado de tanta agressividade, intensidade e brutalidade, uma nova calmaria lhe proporciona um alento. Um alento que, assim como em Openning The Gates, Blasphemy Returns, é trazido a partir de um ambiente tenso pelo suspense que dele é exalado. Passage é como um descanso ativo para a mente e ouvidos, os quais já se encontram programados sincronicamente ao punch sonoro propagado pelo Crucifixion BR.


E por falar em punch, ele vem com doses extras e extravagantes em Insanidade Bestial, uma canção cuja melodia traz, consigo, uma noção raivosa, agressiva e explosiva em porções cavalares que são, inclusive, fomentadas pelo groove amplamente grave do baixo de Beto Factus. No que tange o lirismo, a faixa é mais uma canção de Human Decay que traz a humanidade como uma comunidade fadada ao fracasso, um conjunto de pessoas cujas almas se encontram perdidas e sem propósito.


Eis que chega The Final Chapter, um interlúdio cuja roupagem sonora representa uma continuidade linear às faixas divisoras Openning The Gates, Blasphemy Returns e Passage. O suspense, a tensão e o obscuro causam no ouvinte um desconforto nauseante penetrante durante a faixa que representa o encerramento definitivo de Human Decay.


É diferente de In The Shadows Of The Obscurity ou mesmo de War Against Christian Souls. No entanto, é indiscutível que existam pontes que liguem esses trabalhos anteriores a Human Decay. Afinal, o novo álbum do Crucifixion BR parece trazer elementos de seus discos anteriores, como uma sonoridade intensamente obscurantista e um lirismo que, exortando um cenário que mostra a decadência do ser humano, traz metáforas que circundam a religião e a fé.


Com intensidade e brutalidade em doses cavalares, o disco oferece um desconforto propositadamente contagiante ao ouvinte. O ouvido cansa, o estômago se embrulha. A sensação ilusória de náusea é apenas uma das motivações desconcertantes que Human Decay libera. Eis um grande feito quando se une elementos do death metal e do black metal. Não à toa que o Crucifixion BR é tido como referência nesse subgênero híbrido do heavy metal chamado blackened death metal.


Transitando por entre o heavy metal e seus filhos extremos, como os já citados death metal e o black metal, o disco ainda traz flertes com o thrash metal que entrega uma noção melódica peculiar às sonoridades construídas ao longo das canções. Um ambiente obscuro e sinistro que se completa com a parte visual.


Feita por Romulo Dias, a arte de capa representa bem o conceito de Human Decay ao trazer, em primeiro plano, um corpo feminino em evidente decomposição que se esgueira tentando segurar uma espécie de amuleto recheado de simbologias. Ao fundo, o Planeta Terra em chamas traz a noção do caos e decadência tão abordada por entre as 12 faixas do disco. Por fim, o símbolo do satanismo é colocado como um pingente e faz reverência à forte influência do death metal para a construção do black metal e no novato blackened death metal.


Lançado em 31 de outubro de 2021 via Shinigami Records, Human Decay é o caos musicado. A náusea mais persistente. É o desconforto em sua forma mais denotativa possível. Estômago é pouco para suportar a brutalidade obscurantista trazida no disco. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.