Pat Metheny - Side-Eye NYC (V1.IV)

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Pode parecer que a chegada atingir 60 anos seja um tanto desanimadora. Porém, essa realidade muito presente na sociedade civil não parece guiar a rotina dos músicos. Afinal, nomes como Bruce Dickinson, Steven Tyler, Mick Jagger, David Coverdale e Paul McCartney se mantém produzindo músicas mesmo entrando na terceira idade. Este é também o caso de Pat Metheny, que aos 67 anos anuncia Side-Eye NYC (V1.IV), seu 47º álbum.


Um ambiente de atmosfera setentista se constrói afrente dos olhos do ouvinte. A new wave e um ar ácido dominam esse ecossistema cujas primeiras pinceladas fortes são dadas pelo sintetizador de notas entorpecidas e aveludadas. No quadro a ser pintado, as cores que entregam mais calor são introduzidas aos poucos, como o baixo firme e de linhas groovadas que, tocadas por Metheny, colocam os pés do espectador no chão ante a viagem oferecida inicialmente pelo sintetizador. Quando o órgão de James Francies começa a tomar fôlego e a bateria de Marcus Gilmore introduz uma cadência ligeiramente acentuada, percebe-se a imersão de It Starts When We Disappear no jazz. Com enaltecida maciez, a faixa oferece uma experiência tátil ao proporcionar ao espectador a sensação de diferentes texturas perambularem pelos seus poros. Porém, uma das situações brilhantemente conquistadas pela faixa é a recriação de uma ambiência típica de clubes de jazz e até mesmo salões de chá, especialmente daqueles existentes nos anos 1890 a 1910 nos Estados Unidos. Apesar dessa atmosfera clássica, It Starts When We Disappear também é fortemente marcada pela experimentação e pelo flerte com a música ambiente. Com direito a solo de piano acompanhado de golpes sequenciais na cúpula do prato de condução, a música apresenta uma qualidade harmônica alta especialmente por se tratar de algo gravado em performance ao vivo.


As palmas do público servem como uma primeira introdução, a qual dá liberdade para que a guitarra se apresente em um riff de tom aveludado e inicialmente tímido. Macio, ele faz com que a bateria siga seus passos e desenhe uma base igualmente suave, com uma condução exercida pela haste da caixa e um bumbo cuja participação é praticamente onipresente. Encantadora, a nova roupagem de Better Days Ahead tem mais swing, protagonismo absoluto da guitarra e uma atmosfera que remete, mesmo que vagamente, à MPB e à bossa nova.


A improvisação que Metheny executa na guitarra é uma maneira inovadora de introduzir Timeline. Aqui, o órgão tem grande participação na harmonia e traz uma ligeira ambiência católica à melodia, mas sem interferir o solo jazz já firmado em Side-Eye NYC (V1.IV). Assim como It Starts When We Disappear, Timeline encaminha o ouvinte para clubes de jazz em que apreciadores do gênero se sentam em suas poltronas e apreciam o som da banda em apresentação na companhia de charutos. Esse ar classicista é, inclusive, estimulado pelas linhas do baixo, as quais seguem uma metragem muito característica do jazz do início de 1900. Assim como Better Days Ahead, a presente faixa tem uma condução macia que, inclusive, é reconfortante e traz ares de improviso latentes proporcionados pelos solos da guitarra e do órgão.


Tal qual Better Days Ahead, são as palmas do público que introduzem a canção. Mais introspectiva e centrada, no que se refere à guitarra, Bright Size Life possui protagonismo indiscutível da bateria. Afinal, Gilmore desenhou, para a faixa, uma estrutura cuja cadência é mais acentuada e com mais explosões de som proporcionadas pela maior utilização dos tons e do prato de condução. Tercinas recheiam de maneira robusta o caminhar da condução enquanto o baixo e o piano fazem uma grande base melódica e a guitarra se sobressai em solos bem trabalhados.  Apesar de ter sido trazida do álbum homônimo de 1976, a performance de Bright Size Life coloca a faixa como um indiscutível, belo, bem executado e extremamente harmônico single de Side-Eye NYC (V1.IV).


Os ecos do bumbo pelo salão são os sons mais penetrantes. Com uma introdução minimalista, a bateria é a protagonista absoluta dominando solitariamente o cenário com uma levada lenta e espaçada. A guitarra entra em cena com um efeito que faz parecer que instrumentos de sopro foram incluídos no cenário, o que faz com que cores sólidas e vivas relampejassem por entre um ambiente sutilmente melancólico. Porém, a faixa merece uma justa ressalva. Enquanto Bright Size Life foi reciclada e apresentada em uma nova roupagem para o álbum, Lodger foi composta única e exclusivamente para Side-Eye NYC (V1.IV) e, devido à sua imersão no blues e a consequente caracterização e jazz fusion, ela é quem merece o título de single do álbum. Afinal, além de ousar na estética, é original, swingada e contagiante. De harmonia crescente e extasiante, a faixa tem direito de gritos do órgão por entre a melodia e solos de guitarra macios e embriagantes. Inclusive, de alguma maneira é possível enxergar muito de Pink Floyd na arquitetura de Lodger. Realmente um single swingado, groovado, e, como já dito, jazz fusion.


A guitarra surge mais introspectiva e tímida. Na companhia da condução precisa e sensata do baixo e bateria, ela segue com toques de veludo e ares de improvisação no decorrer de sua performance. Também trazida de Bright Size Life, Sirabhorn é a perfeita significação de jam session. Afinal, a improvisação está harmonicamente equilibrada com a química e o manejo feito pelos músicos em cada nota executada em seus respectivos instrumentos. 


Contagiante e alegre, Turnaround ressurge diretamente de 80/81, álbum datado de 1980. Com bateria calcada em tercinas, guitarra macia e de riffs intensamente dedilhados, ambiência de improvisação e participações precisas e necessárias das notas graves do piano, instrumento que ainda garante um solo rápido e de cores quentes, a presente faixa é empolgante e dramaticamente contagiante.


Notas florais que trazem o alvorecer de um dia ensolarado presenteado pelo canto dos pássaros. O trompete trazido por Metheny é um dos responsáveis pela criação desse cenário, o qual, junto com o piano e os pratos da bateria dando a impressão de chuva, consegue proporcionar uma ambiência em que o bailar das cores neutro-aveludadas paire harmonicamente diante dos olhos do ouvinte. De repente, Zenith Blue tem uma reviravolta temporal e assume uma cadência acelerada graças às quebradas rápidas executadas por Gilmore. De ares tropicais e groovantes, a canção, assim como It Starts When We Disappear, tem uma duração épica que oferece diferentes degustações rítmico-temporais ao espectador. Uma música experiente e multifacetada em que a maciez, o drama, o épico e o swing se convergem. 


É interessante notar que, mesmo depois de 45 anos do lançamento de Bright Size Life, seu primeiro álbum, o batizado Patrick Bruce Metheny ainda tem criatividade. Uma criatividade que supera as barreiras da imaginação, afinal, em Side-Eye NYC (V1.IV) o guitarrista não somente ofereceu novas roupagens para músicas clássicas de seu repertório, como também compôs novas fortes candidatas a futuras clássicas.


Dentre elas, os principais destaques vão para Lodger e a épica Zenith Blue. Sobre a primeira, seu mérito recai sobre a inserção do blues na melodia. Esse novo ingrediente além de entregar uma cadência diferenciada das demais, possui um efeito de atração forte. Já sobre a segunda, o tempo de execução pode parecer um dos fatores, mas o que realmente chama a atenção é a desenvoltura assumida por Pat Metheny na instrumentação do trompete. Esse detalhe engrandece consideravelmente a harmonia da faixa, que ainda possui uma das melhores performances de Marcus Gilmore em todo o álbum.


O interessante de notar é que, dias antes do lançamento de Side-Eye NYC (V1.IV), o guitarrista Billy Brandão fez um semelhante feito com seu álbum solo de estreia ao imergir no universo do jazz. Isso mostra que o gênero, um dos responsáveis pelo nascimento do rock, continua atraindo a atenção e maturando um considerável público ao redor do mundo.


Lançado em 10 de setembro de 2021 via Modern Recordings, Side-Eye NYC (V1.IV) é um disco de puro jazz. É uma perfeita viagem entre o fim do século XIX e início do século XX em que o ouvinte se percebe nitidamente em salões de chá ouvindo e apreciando o som do jazz sendo tocado ao vivo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.