Marenna - Voyager

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Desde 2015 que o grupo lança materiais cheios. Nesse ano, o Marenna anunciou My Unconditional Faith, seu EP de estreia. Dali em diante, o grupo lançou dois álbuns. Em 2022, depois de ter acumulado, também em sua discografia, um álbum ao vivo, a banda anunciou seu terceiro disco de estúdio. Intitulado Voyager, ele é o sucessor de Livin’ No Regrets, de 2018.


Uma voz de cunho radiofônico recebe o ouvinte naquilo que parece ser boas-vindas a um voo repleto de emoções. Gradativamente, essa voz vai se afastando e, de súbito, o espectador é deixado na companhia de uma estrutura rítmico-melódica hard rock tipicamente oitentista, mas com pitadas singelas de progressivo. Dando vasão a uma guitarra solo que, sob o comando de Edu Lersch, grita e entra em êxtase, enquanto o teclado de Luks Diesel vai desenhando uma cama acidamente gélida à sonoridade, a canção passa a ter seu escopo lírico preenchido por um vocalista de timbre afinado e bom alcance vocal. Rod Marenna, com seu tom grave e de toques rasgados, acaba dando ainda mais intensidade, a partir de sua interpretação vocal, à canção abre-alas de Voyager. Trazendo referências despropositadas de Joe Lynn Turner no campo vocal e do Sunstorm no campo rítmico-melódico, Breaking The Chains se mostra uma canção sensual em sua profundidade melódica, mas que, de primeiro momento, não consegue dar a voz necessária ao baixo. Ainda assim, à sua maneira, a bateria de Arthur Schavinski segura a base com uma levada simples, mas consistente. O que engrandece em demasia Breaking The Chains é seu conteúdo lírico. Motivacional, ele traz um conteúdo que visa a superação em meio à aquisição da autoconfiança e da autovalorização. Assim, a faixa se torna um produto grandiosamente estimulante que levanta a energia e o grau de autoaceitação no ouvinte, lhe conferindo uma dose necessária de ousadia e empoderamento para seguir o caminho da vida com determinação.


A paisagem é deserta. O calor é intenso. Não há vento, não há frescor. Somente a terra, o céu e a imensidão de areia consumindo a sola dos pés. Por entre as estradas que circundam as dunas, bolas de feno quase não se movimentam por falta de impulso. Ainda assim, o viajante se mantém firme em sua pose de andarilho. Inalterado, inabalável. Incontrolável. Conforme a guitarra solo de Mauro Caldart vai surgindo através de um riff melódico, mas enérgico em sua forma hard rock, a bateria vai montando uma frase que, junto às notas pontuais, mas consistentes em sua rigidez seca, mas simultaneamente aveludada do baixo de Bife, transpira uma postura provocante. É nesse momento em que Marenna entra em cena com uma interpretação lírica desafiadora. Com uma cama sonora adocicadamente ácida promovida pelo teclado, Out Of Line, além de mostrar o cantor se aventurando na experimentação de amplas extensões vocais, é uma canção de essência questionadora e, portanto, reflexiva. Por meio de sua estrutura rítmico-melódica sexy e intensa, ela tenta instigar o ouvinte a encontrar as próprias respostas sobre assuntos que vão de propósito à motivação, enquanto coloca em xeque a insegurança como fator de autossabotagem.


Seus sonares sintéticos estimulam a percepção de que o espectador, aos poucos, está entrando em um ambiente ilusório, maravilhoso. Utópico. Quando dentro desse ambiente, se percebe uma figura imponente, forte, de cabelos longos no topo de uma colina em pose de guardião. Conforme o vento sopra e seus fios capilares valsam, a face do poder e da imponência se tornam concretizadas. Eis então que, melodicamente, de um minimalismo quase folclórico estruturado pela guitarra acústica, a canção, por meio de golpes duplos e precisos da bateria, flui para uma estrutura rítmico-melódica de grande semelhança com aquela introdutória de You Give Love A Bad Name, single do Bon Jovi. Trazendo uma espécie de competição saudável entre teclado e guitarra, esse segundo instrumental introdutório encaminha o espectador ao primeiro verso oficial. De pose firme, estimulante e incentivadora, esse trecho da canção é responsável por ampliar a energia e a vivacidade do público. Dessa forma, assim que Gotta Be Strong encontra seu refrão, a plateia sente um ímpeto de energia e intensidade que lhe confere uma vontade simplesmente de sair e transpirar sua súbita autoconfiança. Não por acaso, o enredo de Gotta Be Strong incentiva a acessar a força interior para atravessar os momentos difíceis, ao mesmo tempo em que funciona como um mantra para fazer com que o indivíduo enfrente o destino, mas sem perder a própria essência. 


Trazendo um dulçor mais acentuado por parte do teclado, a introdução traz uma sinergia entre as guitarras, as quais se dividem entre frases graves e mais ásperas e outras agudas e suplicantes. Com frases 4x4 padrões, mas que não impedem de soar contagiante e atraente, a canção explode em um refrão suavemente dramático que é abraçado por uma melodia macia, mas delicadamente sintético por conta da contribuição das teclas. Sob essa arquitetura rítmico-melódica, Wait é uma canção que traz consigo um enredo em que o protagonista se declara à sua cara-metade. Aqui, ele expõe suas fragilidades com sinceridade, enquanto promete ser a companhia eterna ao seu amor. Tendo em vista tal lirismo, é possível colocar Wait como sendo a primeira balada indiscutivelmente romântica de Voyager. Por outro lado, a faixa também dá vasão à interpretação de que o personagem não quer conquistar, mas, sim, reatar seu relacionamento. E, por isso, evidencia certos erros e destaca algumas qualidades presentes em seu comportamento.


Seu despertar é macio e já causa uma percepção de frescor e, também, de romance. Com uma atmosfera nostálgica em meio a um cenário regido por um céu poente de verão, a canção explora uma diferente vertente de delicadeza estrutural. Serena em seu minimalismo quase acústico, ela tem nos ecos da guitarra o elemento que a deixa tocante e na interpretação lírica de Marenna o fator que a deixa emotiva com toques dramáticos. Assim que entra em uma crescente súbita, momento em que passa a ser ritmicamente guiada por uma bateria de verve suja, a música acaba demonstrando um deslize na sua mixagem por ter ofuscado a força necessárias para lhe conferir a consistência e a pressão nos níveis desejados para que as emoções passadas lírica e melodicamente fossem devidamente assimiladas pelo espectador. Ainda assim, o ouvinte consegue captar a visceralidade existente em I Ain’t Stranger To Love e, inclusive, sentir a dramaturgia das lágrimas ofertadas pelo solo choroso da guitarra. Não por menos, a faixa apresenta um indivíduo percebendo uma falha em seu processo de superação das dores de um antigo relacionamento por as estar remoendo e revivendo. Quando a solidão e a carência tangenciam com a saudade, as feridas pouco cicatrizadas voltam a sangrar. E é isso o que o protagonista está vivendo em I Ain’t Stranger To Love, a verdadeira balada de Voyager.


Pela forma como o teclado, a guitarra e a bateria se combinam, a introdução imediata da canção já fornece uma sonoridade capaz de comunicar uma influência direta na estética sonora do Journey. Doce, de toques transcendentais e com uma estrutura melódica chiclete, graças, principalmente, à contribuição do riff aveludado da guitarra solo de Bruno Pinheiro Machado, a canção não demora em fundir sensualidade e notas de aspereza em meio a uma ambiência pegajosa. Com uma cama gélida, espectral e suavemente fantasmagórica oferecida pelo teclado, Hold Me encontra sua força em um refrão de conjuntura consistente que atrai e conquista o ouvinte, mas sem ser apelativo. Flertando com a new wave, a faixa pode ser considerada um importante single de Voyager, ainda que tenha um enredo semelhante com aquele apresentado em Wait por tratar, também, de um indivíduo vivendo as dores da culpa de deixar seu amor se afastar.


A sirene de polícia se faz ouvir ganhando as ruas. Nesse exato momento, como um bandido à espreita aguardando o mento ideal para fuga, a distorção da guitarra se une ao perigo. Curiosamente, porém, apesar de seu riff áspero, a canção passa a ser guiada por uma estrutura rítmica amaciada graças à levada oferecida pela bateria. Mantendo o swing tradicional que preencheu as canções anteriores, apesar de seu refrão explosivo, Perfect Crime não encarna as mesmas forças de títulos como Out Of Line e Gotta Be Strong, mas consegue ser igualmente, ou até mais, contagiante. Com essa atmosfera, Perfect Crime convida o ouvinte a assumir uma vida intensa, ao mesmo tempo em que soa um encontro selvagem entre duas almas que se desejam.


O hard rock puro retoma a cena. O volante é dele e, aqui, o céu é o limite. Puxada por uma guitarra solo sexy, selvagem e áspera dominada por Rodrigo Flausino, a canção não demora em demonstrar uma semelhança estética para com a sonoridade criada por Micky Moody nas obras do Whitesnake. Junto a isso, o que faz a faixa-título soar ainda mais selvagem é a contribuição do teclado e seu viés progressivo intenso. Trazendo, ainda, notáveis requintes de glam rock, a obra consegue, com sua atmosfera oitentista, recuperar a potência que marcou as primeiras canções de Voyager. Casando com esse clima intenso, explosivo e flamejante, a faixa é outro produto que, no mesmo caminho de Perfect Crime, mas em doses cavalarmente superiores, instiga o ouvinte a viver intensamente a exemplo do protagonista, um indivíduo tão impulsivo que chega a ser imprudente em seu viés do aqui e agora.


O novo enredo é puxado pela bateria. Com um curto momento de protagonismo absoluto, ela demonstra certo grau de consistência até o momento em que a guitarra e o teclado entram, juntos, na melodia. Explorando ligeiras noções dramáticas, a canção se envereda por uma sonoridade com mais sonoridades sintéticas, o que cria um clima suavemente atmosférico à melodia. Com um refrão explosivo, momento em que os backing vocals cooperam na construção de uma harmonia diferenciada daquela fornecida majoritariamente pelo teclado, Too Young To Die, apesar de parecer, pelo título, mais uma obra a exortar uma vida de intensidades, é uma canção de cunho surpreendentemente motivacional que enrijece, a união de títulos como Breaking The Chains e Out Of Line pelo seu viés lírico. Na presente faixa, o Marenna incentiva o ouvinte a dar voz à liberdade, a não desvanecer perante aqueles cujas palavras ferem as motivações que regem as ações mais vívidas. Aqui, a banda não apenas apresenta um ambiente utópico que permite o máximo de independência, mas mostra ao espectador que é possível, sim, seguir a voz interior sem julgamentos e que, com uma postura mais imponente, existe a real possibilidade de superar as dores e mudar o destino.


O violão, solitário, fornece, aqui, uma atmosfera inovadora. Levemente folk em meio à sua movimentação amaciada e fresca, a introdução sofre, repentinamente, uma bruta mudança ao se tornar precisa em seu punch de aspereza e força uníssonas. Ainda assim, é, de fato, um intuito melódico sereno que pauta os versos de ar. Conforme vai tomando uma guinada crescente, porém, a canção consegue se tornar enérgica e capaz de estimular o ouvinte a assumir doses inquietantes de vivacidade. De refrão melódico e curiosamente tocante em sua atmosfera atraente, We Are United traz, em sua essência empoderada e excitante, um lirismo que instiga o senso de união a partir da percepção de que cabe a cada indivíduo a capacidade e a responsabilidade de fazer a diferença não apenas em suas próprias vidas, mas, no macro, na vida e em todo o ecossistema daqueles que o cercam. De certa forma, é até possível ver uma semelhança, ainda que singela, na mensagem de We Are United em relação às presentes na trinca Breaking The Chains-Out Of Line-To Young To Die.


Seu início já é potente e comunica certo grau de agressividade. Melodiosa a ponto de quase soar melosa, no entanto, a canção já se deleita em uma cama progressivo-psicodélica adocicada fornecida pelo teclado em sua delicadeza palpável. Fortalecendo, assim como fizeram Breaking The Chains, Out Of Line e a faixa-título, o nome do Marenna como um reduto hard rock oitentista, a presente faixa consegue dar, à atmosfera, singelos toques new waves. De base adocicada e gélida capaz de romper até mesmo a aspereza trazida pela guitarra, Wherever You Go é mais um título que, assim como Wait e Hold Me, traz um indivíduo com dificuldades em superar as dores de um amor passado, enquanto rememora as experiências em um ato sadomasoquista enganosamente prazeroso. Diferente das outras canções, porém, o protagonista de Wherever You Go chega a implorar por um reatar de forma a evidenciar não apenas a sua carência, mas, também sua fragilidade emocional.


Sua atmosfera fornece um dulçor que soa como a entrada de um ambiente maravilhoso, fantasioso, fantástico. Utópico. Ainda assim, o swing e um embrionário sinal de consistência já podem ser identificados. Forte e melódica a partir do punch melódico apresentado em sua segunda parte introdutória, a canção assume ares curiosamente românticos ao adentrar em seu primeiro verso. Diferente das canções anteriores, a presente obra não traz apenas o teclado como único elemento a auxiliar o baixo na base melódica. Aqui, há, também, o hammond com sua acidez adocicada particular fornecendo sua contribuição no espectro sonoro. So Close, faixa bônus presente apenas na versão física de Voyager, é uma obra bem equilibrada sonoramente e que apresenta um solo de guitarra capaz de representar todas as emoções transpassadas pelo vocalista através de suas palavras. Palavras essas pronunciadas com toques ligeiramente exagerados de sensualidade em meio às suas memórias de um primeiro amor adolescente. 


O hard rock pode ser entendido como um subgênero que serve como prato de entrada, aquele elemento de boas-vindas ao universo do rock n’ roll. Afinal, ele traz a agressividade, o cinismo, a sensualidade e a força do rock por meio de melodias contagiantes em sua essência. Ainda assim, para que essa tarefa se torne realidade, é preciso que esse rol sonoro seja bem feito. Com Voyager, o Marennna conseguiu tal feito.


Além de trazer o poder, a pressão, a sensualidade e a aspereza típicas do hard rock, o grupo fez com que seu mais recente álbum também soasse comercial, mas sem ser apelativo. Afinal, no meio da receita melódica existem também flertes do glam metal e da psicodelia, além de inserções pertinentes à new wave e ao rock progressivo.


Com essa roupagem, Voyager leva o ouvinte a uma viagem que pode ser tão intensa e vívida quanto melosa e pegajosa. Aqui, o Marenna fez uma boa divisão entre os assuntos a serem repercutidos nas faixas. Afinal, o álbum é capaz de fazer o ouvinte caminhar por terrenos energeticamente motivacionais com outros que representam as mais profundas dores do coração associadas a términos de relacionamento. 


Sabendo indicar ao ouvinte os caminhos para viver uma vida intensa, sem se abater com julgamentos alheios e conseguindo dar voz à suas luz e força interiores, o álbum também mostra como o amor, ou a falta dele, pode impactar a vida de uma pessoa. Nesse aspecto, o espectador fica sempre entre a melancolia e a máxima energia de libertação.


Assumindo a forma de experiências muito bem vividas no decorrer do álbum, elas também evidenciam uma importante fragilidade estrutural no trabalho como um todo. Ainda que sejam possíveis de se identificar a força, a precisão, a consistência e a pressão, esses atributos não são fornecidos na medida ideal para que o Voyager soe potente como deveria, mostrando um escorregão na atividade da mixagem assumida por Jonas Godoy.


Encerrando o escopo técnico do álbum, vem a arte de capa. Assinada por Tiago Medeiros, ela consiste no destaque de um volante com a inicial ‘M’, em seu centro. Rodeado por relâmpagos espalhados por colorações que vão de um verde-esmeralda a um vermelho sangue, ela consegue comunicar o mesmo grau de intensidade que, ao menos, se espera do álbum e pode ser encontrado, com certo louvor, em títulos como Breaking The Chains, Out Of Line, a faixa-título e Wherever You Go.


Lançado em 30 de setembro de 2022 via Lions Pride Music, Voyager é o equilíbrio entre intensidade e melodrama. Aqui, é onde a fragilidade encontra suas origens nas cicatrizes do coração e onde se aprende a viver uma vida leve a partir da libertação em relação aos julgamentos alheios. Pelas mãos do Marenna, Voyager é uma viagem sensualmente provocante que não tem volta.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.