NOTA DO CRÍTICO
Ele marca os 40 anos de carreira do Bon Jovi. Além disso, também é o primeiro do grupo depois que Jon Bon Jovi foi submetido a uma cirurgia das cordas vocais. Forever, o 16º disco de estúdio da banda de Nova Jersey, é vendido como aquele que retoma a energia dos primeiros anos do grupo.
É como vislumbrar o Sol nascendo no horizonte. A grama ainda úmida do sereno vai amornando sua temperatura crepuscular, enquanto a brisa e a luz ainda embrionária da manhã vai fazendo a vida acontecer e o escampado ganhar cor. Com delicado frescor e um aconchegante senso bucólico, o violão vai desenhando os primeiros instantes introdutórios até que o ouvinte esteja preparado para imergir em uma melodia de cunho espirituoso, almofadado e contagiante que se forma na segunda metade do amanhecer da canção ainda em desenvolvimento. Trazendo a bateria de Tico Torres em movimentos macios, mas de golpes rígidos, esse recorte melódico dá ênfase à energia nostálgica promovida pela melodia presente nos primeiros instantes da composição. Daí em diante, o ouvinte tem acesso ao timbre familiar de Jon Bon Jovi, que se mostra afinado, mas sem aquela virilidade dos tempos áureos. Junto de um baixo de linhas consistentes e encorpadas trazido por Hugh McDonald e os golpes compassados do bumbo como forma de definir a cadência rítmica, o cantor vai inserindo, com fluidez, os versos líricos que começam a desenhar o enredo de Legendary. Agora com a presença das delicadas e refrescantes teclas do teclado de David Bryan, a canção tem amplificada sua noção de contágio, bem como a aquisição de doses de veludo que passam a ser inseridas em sua base melódica. Explodindo em um refrão atraente em sua maciez agradavelmente folk, mas com grande imersão no campo do pop, Legendary assume uma harmonia ligeiramente tocante, enquanto oferece um diálogo calmo, mas ao mesmo tempo enfático sobre dar valor e aproveitar o que há de simples na vida. Ser grato pelo que se tem e viver livre das amarras da burocracia trabalhista convencional são alguns dos remédios apresentados pelo personagem para manter a lucidez, a vitalidade e uma mente extasiantemente leve.
O violão é, novamente, aquele elemento que serve como abre-alas. Surgindo fresco, mas menos bucólico como a forma como ressoou na canção anterior, ele cativa com seu embrionário ar bucólico e melancólico. Ao lado do bumbo sendo golpeado de maneira a fornecer a cadência rítmica, o instrumento passa a ter uma energia mais alegre que vai despertando, gradativamente, o sorriso no ouvinte. Explodindo em um refrão demasiadamente delicado, floral e até mesmo de caráter transcendental, We Made It Look Easy explora as harmonias a partir das combinações de timbres dos backing vocals. De bateria estimulante em seus golpes certeiros no início da segunda metade, a canção, nesse momento, já tem o ouvinte ao seu lado imerso em um êxtase curiosamente aconchegante. Reforçado por um enredo de cunho saudoso e memorável de estrutura autobiográfica, o estado emocional do espectador fica ainda mais tocante conforme We Made It Look Easy se mostra um processo de reflexão e revisitação do trajeto feito pelo Bon Jovi até então. O mais belo do enredo é a percepção de que, da juventude à maturidade, os integrantes da banda continuam os mesmos, interpretação reforçada principalmente através do verso “same today as it was, been a hell of a ride”. A partir daí, o ouvinte pode, claramente, identificar uma familiaridade entre o enredo da presente canção e aquele de títulos como The Rope, single do Semisonic, e Wanting And Waiting, single do The Black Crowes.
A guitarra base de John Shanks vem em um riff distorcido ácido e, curiosamente, amaciado e vivaz ao mesmo tempo. Com notável swing oferecido por meio de um bem-vindo hard rock na métrica tradicional do Bon Jovi, a canção ainda dá direito à utilização do talkbox pela guitarra solo de Phil X como forma de agregar um efeito sintético que coopera, à sua maneira, com a construção da camada harmônica. De bateria precisa em sua cadência 4x4, traz um refrão levemente contagiante, mas sem aquela força para torná-lo grande e chiclete. Com essa estrutura hard rock folkeada, Living Proof oferece um diálogo sobre fé, sobre esperança, mas, acima de tudo, de herança e de legado.
O cenário é pura esperança. É como um céu tormentoso sendo vencido por aquilo que começou como um feixe de luz perante a densa escuridão das nuvens. É como o desabrochar de uma flor nascida em um terreno incendioso. Como um sorriso natural escapando de um rosto em sofrimento. O riff aveludado trazido pela guitarra solo, em contato com os dedilhares ondulantes das notas doces e sintéticas do teclado, causa esse visual imagético. O interessante é que, a partir desse momento, a canção entra em uma crescente a partir do punch gradativo entre guitarra e bateria, que cria uma injeção de adrenalina como resposta a uma expectativa prestes a entrar em ebulição. Surpreendentemente, aquilo que se esperava ser uma explosão instrumental se torna uma macia e contagiante frase efetuada entre guitarra acústica e elétrica. Ainda que nesse formato, os versos melódicos que seguem são capazes de atrair a atenção do ouvinte em vista de sua harmonia curiosamente tocante e de cunho reflexivo. De refrão melódico e chiclete com direito a uma guitarra aveludadamente uivante, Waves se torna, indiscutivelmente, a primeira balada declarada de Forever. Apesar de ser categorizada como tal, a canção é forte e bem estruturada, de tal forma que o enredo lírico, em sua mensagem de superação da dor do luto, cria uma sinergia visceral com a melodia que se desenvolve de forma a oferecer uma mistura sentimental e sofrida de melancolia e nostalgia.
Seu início traz uma similaridade estética rápida com aquela oferecida pela melodia de Suddenly I See, single de KT Tunstall. Isso por conta do som que a guitarra pronuncia, mas em virtude da cadência oferecida pela bateria, essa impressão logo se esvai. Depois de uma explosão aparentemente controlada na introdução, a canção se encaminha para versos de melodias lineares, mas que, conforme vão se encaminhando ao refrão, vão recebendo outros elementos sonoros que ampliam sua harmonia. De viés espirituoso e levemente instigante, Seeds é uma canção que dialoga sobre a necessidade da busca por pertencimento, sobre evolução, sobre amadurecimento. Aqui é onde o Bon Jovi ajuda o ouvinte a perceber que o sofrimento também é algo bom e que as lágrimas, consequentemente, são elementos que nos ajudam a ficar emocionalmente mais fortes e a crescer internamente.
Apenas a presença do piano e violão já informa o que é necessário. A maciez, a delicadeza e os toques nostálgico-melancólicos vão moldando, sem qualquer esforço, um enredo sonoro profundamente emotivo. Minimalista e aromaticamente romântica, com direito até mesmo a valsas serenas e afáveis de violinos, Kiss The Bridge, sem esforço, pega para si em definitivo o título de primeira balada de Forever, deixando Waves com o título de single lado b. Floral, fresca e suave, a canção traz o charme familiar do vocalista, enquanto este vai inserindo um enredo de amor, mas não aquele libidinoso e, sim, aquele fraternal regado a orgulho. Afinal, aqui o protagonista se vê na incumbência de levar a filha rumo ao mundo adulto e a dois. É a mais bela e encantadora carta musicada de amor de um pai para a filha.
A guitarra vem gradativa, mas sem agressão ou distorção exacerbada. Quando atinge seu ápice, ela dá passagem para uma melodia levemente swingada com grande presença do teclado, mas com protagonismo indiscutível dos elementos percussivos. Do bongô ao atabaque, os itens ministrados por Everett Bradley dão à linha rítmica um charme irresistível à malemolência estética já declarada. O curioso é que, a tal maciez e o movimento sincrônico entre bateria e teclado criam uma essência similar àquela criada nos versos de ar de Keep The Faith, single creditado também ao Bon Jovi. De refrão aromático, harmônico e fresco, The People’s House surge como uma canção altruísta de cunho densamente religioso. Quase como uma obra cristã, o grupo se usa da faixa para falar de fé, de amor, de senso de união e comunidade, sempre com um ar religioso. De cerne esperançoso e por tangenciar com o viés de evolução, The People’s House acaba, ainda, soando como uma continuação linear de Seeds.
Seu início já é estimulante, animado, convidativo, sorridente. Festivo. Construído por um coro vocal formado pelos integrantes na companhia do compasso rítmico desenhado pela bateria, o despertar da canção vem como um convite para que, quando tocada ao vivo, toda a plateia participasse cantando os versos primeiros. Fluindo para uma melodia folkeada e com aromas densamente sertanejos, a canção vai se mostrando um produto agradavelmente macio até a entrada de seu verso inicial. Nele, o contexto rítmico-melódico se torna trotante, com uma guitarra distorcida em riffs pronunciados em duplo toque. Aqui, inclusive, é onde o vocalista explora mais seus extensos alcances vocais, mas em frases-supetão, sem a consistência ideal para continuar ressoando. Com a presença de elementos percussivos abrilhantando a base rítmica, Walls Of Jericho surge como uma canção que segue o intuito já explorado por Bon Jovi em Forever. Com mensagem que busca estimular o senso de união, mas, principalmente, de empoderamento, a canção tenta esquivar o ouvinte do medo, da insegurança e da censura, o levando para um lugar regido pela liberdade e onde a principal arma é a voz existente em cada indivíduo.
O piano surge doce, delicado, suave e educado. Macio em sua essência, ele já é capaz de conferir à canção energias que vão do nostálgico a uma embrionária melancolia. Contagiante em seu veludo entorpecido, ela traz consigo sutis notas de frescor em meio ao seu minimalismo estético. Emocional e romântica, I Wrote You A Song se une a Kiss The Bridge no time de baladas melosas de Forever. Regida unicamente pela sincronia entre voz-violão-piano, a canção tem um cunho visceral, tocante e surpreendentemente autobiográfico. Afinal, aqui, o cantor abre seu coração e dialoga sobre seu problema com as cordas vocais e com o medo de nunca mais poder cantar. Não é de se espantar, portanto, que exista muita emoção nos versos a ponto de, sem esforço, a canção fazer os ouvintes mais sensíveis ficarem com os olhos marejados. A exemplo disso, estão linhas como “when these hands won't strum and I can't find the chords, and my voice don't wanna sing”, “I wrote you a song, almost afraid to sing it” e “I did the only thing I know how to do: I wrote you a song”.
Estimulante, harmoniosa e até mesmo espirituosa, a melodia que abre o novo ambiente é de um contágio tão forte que é como se pudesse distribuir esperança aos quatro cantos do globo. Crescendo gradativamente em elementos rítmicos, quando a bateria entra em cena, o compasso já está formado. Levemente acelerado e suavemente trotante, a canção explode em um refrão melódico, harmônico e convidativo em que existem versos cantados a mais de uma voz para criar certa grandeza estrutural. De certa forma, a sonoridade criada no ápice traz uma familiaridade estética para com aquela presente em Beautiful Day, single do U2. A verdade, porém, é que Living In Paradise apresenta um enredo que incita não apenas a esperança, mas também a perseverança e a persistência ao estimular a viver a vida da melhor forma e aproveitando cada experiência.
A guitarra acústica, junto com a levada amaciada e acústica da bateria, cria um clima aveludado, mas, ao mesmo tempo, com traços estimulantes. Enquanto, ao fundo, se ouve a acidez adocicada do hammond começando a construir o espectro harmônico da obra, a canção acompanha o vocalista desenvolvendo o enredo lírico até que, quando atinge o refrão, se percebe uma grande referência e influência nas palavras escolhidas para a continuidade do diálogo. “I’m in love with my first guitar”, ele assume. Anos antes, em 1975, Roger Taylor já bradava “I’m in love with my car” no ápice da faixa de mesmo nome creditada ao Queen. Fora essa semelhança, a faixa de Bon Jovi traz uma sensualidade diferenciada pela sua delicadeza estética. Se destacando pelas suas harmonias bem trabalhadas sem a necessidade de grandiosismo, My First Guitar é a faixa em que o vocalista consegue reviver as emoções sentidas na presença de sua primeira guitarra. O poder, a eletricidade, a sensualidade, mas, principalmente, a confidência que se cria entre um jovem aspirante a rock star e as possibilidades que o instrumento pode ofertar.
O horizonte vai acontecendo aos poucos, conforme o Sol vai surgindo atrás das colinas. Pintando o céu com tonalidades roxeadas e rosadas de forma crepuscular, a estrela de fogo traz consigo o frescor da manhã e o calor aconchegantemente reenergizante dos primeiros instantes do dia. Sonorizando essa paisagem, uma melodia macia, de harmonia simples, mas densamente tocante, começa a preencher o peito do ouvinte. Fazendo os pelos se arrepiarem e os olhos marejarem timidamente, a canção vai evoluindo para uma estrutura tipicamente folk e deliciosamente sensitiva. Calcada na união entre voz, violão e guitarras até a segunda repetição do pré-refrão, Hollow Man, pela pronúncia do vocalista nesse recorte, causa uma ligeira semelhança para com a melodia lírica do ápice de These Days, single creditado ao próprio Bon Jovi. De levada mansa e energia acústica, serena, Hollow Man é a descrição da vida e da frieza de um homem vazio. Vazio no coração. Vazio no calor que outrora correra em suas veias. Vazio no olhar, cujo brilho foi apagado. É a história de um homem sem propósito, mas que almeja encontrá-lo como forma de achar um alento ao seu sofrimento inquietantemente entorpecente.
Não é um disco de brilhantismo, virtuosismo ou grandiosismo. Ele é, sim, um material sincero e honesto dentro das limitações de seu líder. Ainda assim, Forever é um produto que, de fato, funciona como uma grata, alegre e feliz comemoração de 40 anos de estrada de uma das bandas de hard rock mais significativas dos anos 80: o Bon Jovi.
É verdade que, no presente material, não existem novos hinos que se equiparem a títulos como Livin’ On A Prayer, Always, Keep The Faith, Wanted Dead Or Alive, Blaze Of Glory ou mesmo It’s My Life, mas existem canções que, certamente, entrarão no circuito de novos clássicos da banda.
Por ser o primeiro álbum a ser composto após o procedimento cirúrgico das cordas vocais do vocalista, o álbum transborda um clima de saudosismo, gratidão e melancolia. A partir daí, canções como We Made It Look Easy, I Wrote You A Song, Kiss The Bridge e até mesmo My First Guitar, acabam se destacando. Entre o comercial e o romantismo, porém, outras canções ganham evidência. É a vez de Waves e Kiss The Bridge.
O que é de chamar a atenção em Forever é seu tom espirituoso, bondoso e puro. É quase como o coração de uma criança, pois nele não há maldade, não há libido. Não há qualquer sinal de malandragem. É apenas um homem dialogando sobre a esperança, fé e evolução. Tais provas estão nas canções Living Proof, Waves, Living In Paradise, The People’s House e Seeds.
Para sintetizar toda essa conjuntura lírica, o Bon Jovi se aliou a Joe Rubel no trabalho de mixagem. Foi aí que o profissional transformou Forever em um produto não apenas de interesse às massas, mas de entendesse, de alguma forma, às expectativas dos fãs do grupo.
Soando maduro e consistente em sua camada mais minimalista e contida, o álbum explora não apenas as camadas do hard rock, mas, principalmente, o folk como a base de todos os enredos melódicos. Até nisso, o material é honroso, pois venera Nova Jersey e sua cultura musical.
Lançado em 07 de junho de 2024 via Island Records, Forever é um disco honesto, sincero e justo. É um material tocante pelas limitações e pelos esforços, grande pelo sentimentalismo e pela coragem. É aqui que a gratidão se une à espiritualidade, à bondade, à esperança e ao romantismo com generosos toques autobiográficos.