Julia Wolf - Good Thing We Stayed

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No primeiro mês do ano um novo nome surge no circuito musical. Vinda do bairro nova-iorquino do Queens, Julia Wolf, nome artístico de Julia Capello, anuncia seu primeiro material. Intitulado Good Thing We Stayed, o material dará início à primeira sua primeira turnê nos Estados Unidos como headliner. 


É como o cintilar de uma peça de veludo no compasso da brisa. É como o amornar do Sol banhar o seio do rosto em uma manhã de outono. Ainda assim, por mais que haja uma súbita noção de conforto, a melancolia é algo que está intrínseca à melodia. Quando a voz grave e de boa dicção de Julia Wolf entra em cena, é ela quem dita o compasso rítmico da canção. Entre falsetes e versos pronunciados com proposital rouquidão, Now é uma canção embrionariamente rappeada que traz um diálogo autobiográfico sobre uma infância problemática, uma infância que serviu para criar uma personalidade forte, resistente, independente e autoconfiante que não teme os desafios da vida. O anonimato e o desprezo de antes hoje são a força que serve de base para a mulher em que a cantora se transformou. Por tudo isso, Now é uma canção pesada pelo que narra, mas que mostra a sensibilidade e a pureza de quem muito cedo teve que guardar a ingenuidade para construir seu próprio caminho.


Juntando o pop com o rap, Julia oferece uma canção cuja melodia tem nos subgraves a cadência rítmica. Por conta da forma como suas palavras são pronunciadas no pré-refrão, ela faz com que Get Off My tenha singela similaridade com a cadência lírico com que Chris Martin canta os versos do refrão em Magic, single do Coldplay. Continuando com o contexto autobiográfico, Get Off My é onde a cantora reflete sobre seus dias antes da fama, mas reafirma sua autoestima perante a sociedade e o próprio showbiz enquanto fala, inclusive, da falta de casa e de um lugar onde se sinta pertencente.


Flertando razoavelmente com a temática trap, a presente canção tem maior participação tanto dos subgraves quanto do chimbal sincopado. É aqui que os falsetes também atingem um primeiro ápice de qualidade de execução e onde o timbre de Julia acaba se parecendo, mesmo que de maneira sutil, ao de Justin Bieber. Com sobreposições vocais no refrão que dão um contexto propriamente melódico à sonoridade, Dracula é uma canção de cunho quase analítico em que Julia chega à conclusão de que as pessoas com quem se relacionava não possuem autoestima suficiente para aceitarem quem são. Ao mesmo tempo, Dracula é onde a vocalista mostra seu lado desconfiado em relação a terceiros, um reflexo de sua autocriação.


O violão melódico e macio de James Marino dá uma dose de nostalgia tão contagiante que acaba recriando, mesmo que por curtos momentos, a mesma ambiência ofertada por Myles Kennedy na base melódica de Watch Over You, single do Alter Bridge. Esse sabor nostálgico acaba acompanhando Gothic Babe Tendencies durante toda a sua execução minimalista. Saindo então da zona de conforto do pop rappeado, o que acontece na presente faixa é uma surpreendente imersão no campo do folk, um ambiente em que o ouvinte pode degustar de características mais sensíveis e emocionais de Julia. Contando com um beat na segunda metade da execução que confere à estética rítmica um contágio extra, Gothic Babe Tendencies tem na voz grave de blackbear, convidado que dá vida à ponte, um auxílio no relato sobre vivências não experienciadas, ou melhor dizendo, a saudade daquilo que não foi vivido. É uma canção que, mais que as anteriores, deixa claro que toda a carapuça autoconfiante e autossuficiente que Julia vende é para esconder que, no fundo, é bastante insegura. Insegura com relação aos outros. Insegura com relação ao afeto. Insegura com relação ao amor. Ainda assim, é um forte single de Good Thing We Stayed.


A guitarra vem com uma afinação que sugere uma levada pop punk, o que fica somente no imaginário. Afinal, aqui o rap-pop volta com mais força a partir de um beat que, ao lado do compasso rítmico, deixa a estrutura da faixa bastante contagiante. Interessante notar que, Hinge Boy, apesar de narrar um relacionamento abusivo e autoritário que dá vida ao machismo e à violência contra a mulher, consegue ter uma melodia contagiante ao ponto de lhe dar o título de single lado b do álbum.


Macia e nostálgica. Apesar de nascer de maneira tímida, a guitarra vem novamente com uma grande responsabilidade no oferecimento da energia que servirá de base emocional da canção. Misturando nostalgia e melancolia, Sad Too Young tem uma temática minimalista que traz um refrão grudento e amplamente contagiante que estimula a atração do público perante o diálogo sobre o afrouxar as rédeas para o amor, mas ao mesmo tempo estar dependendo da paciência do outro em relação ao seu tempo de entrega e de sinceridade. Ao contrário de Gothic Babe Tendencies, em Sad Too Young Julia dá chance ao amor enquanto explica a razão de parecer fria e desconfiada. Aqui, inclusive, ela desabafa sobre se sentir sufocada em relação às experiências do passado.


O som da guitarra, ao lado do beat, desenham uma melodia macia, mas não tão contagiante. É possível identificar, nesse espectro, uma mistura dosada de melancolia e dramaticidade. Podendo oferecer o gosto do arrependimento e da tristeza a partir de sua sonoridade, Virginity, curiosamente, narra de fato um evento que desencadeou o mais visceral e doloroso arrependimento. A narrativa em questão se desenrola sobre a primeira relação sexual, um momento que, no caso, foi regido pelo momento e pelo interesse fútil. É aí que a personagem lírica tem de lidar com suas próprias consciência e moral. Esse é o fator que desencadeia a dor, não necessariamente física, mas uma dor psíquica, de caráter.


Enquanto Dracula apenas flerta com o trap, Hot Killer é onde esse gênero ganha vida. Com um chimbal bastante sincopado e repetitivo, em adesão à forma como Julia desenha a cadência lírica, existem sabores sensuais e provocantes no desenrolar da canção. Nela, inclusive, o ouvinte é convidado inconsciente e instintivamente a fazer um headbanging em sintonia com a melodia. Hot Killer é onde Julia enaltece suas qualidades frívolas e interesseiras. É onde afirma sua intensidade, sua autenticidade e, principalmente, sua frieza. Com um refrão contagiante, Hot Killer consegue ficar, ao lado de Gothic Babe Tendencies, na lista de singles de Good Thing We Stayed.


O som agudo-opaco repetitivo do sintetizador é o que desenha a melodia que, mesmo com a adesão do beat, se mostra linear. Entre sobreposições vocais que aumentam sutilmente a harmonia em pontos específicos, Sorority Girl é a canção em que Julia dialoga sobre o impacto de sua crescente notoriedade no seu ciclo de amizade. Sua sede por atenção, poder e controle novamente postas em destaque. Sua autoestima no topo.


Uma maciez embriagante e nostálgica surge e, repentinamente, é acompanhada por rompantes de um beat que insere pitadas de intensa dramaticidade ao enredo introdutório. Sem qualquer virtuosismo, Rookie Of The Year é uma canção que prende o ouvinte somente pela melodia desenhada pela cadência lírica. É ela que mostra um diálogo curioso que ilustra o conforto de Julia em relação à sua confiança em sua zona de conforto nova-iorquina se mantendo também em sua chegada à Hollywood. Em Rookie Of The Year, Julia dialoga também sobre as novas possibilidades de estar no mercado da música e reflete sobre a decisão de nele pertencer.


Como o primeiro álbum da carreira, Julia Wolf conseguiu fazer o impensável em Good Thing We Stayed. No auge de seus 28 anos, a originária do Queens faz, com o álbum, uma verdadeira, visceral e, por vezes ácida, dissecação de sua própria vida. Muito mais que um diário, o disco de estreia surge como o som da autoafirmação da cantora.


No que tange tal conceito, o álbum de estreia de Julia oferece o mesmo viés enaltecedor e de boas-vindas que o primeiro disco de estúdio de Ajuliacosta. Trazendo cada uma suas vivências, as cantoras tentam se mostrar ao mundo ao mesmo tempo em que dissecam suas vidas de maneira desprendida.


Dialogando sobre seu passado e presente, Julia caminha por experiências de sua própria vida. Sem qualquer pudor ou moralismo, ela transita desde eventos aos quais se orgulha a outros que a causam decepção. A entrada para o mercado da música, a infância, a primeira transa, os conflitos morais e, principalmente, a busca por pertencimento e autoconhecimento.


Tendo em Jackson Foote como nome a lhe auxiliar na mixagem e produção, Julia desenhou, como trilha sonora de seus 10 capítulos de monologia, uma mistura entre pop, rap, trap e folk. Ainda assim, não qualquer tipo de virtuosismo melódico, apenas uma experimentação sonora que consegue representar as emoções que perpassam os lirismos.


Lançado em 13 de janeiro de 2023 via BMG, Good Thing We Stayed é um monólogo que, apesar de parecer ácido e vender a imagem de uma pessoa fria e insensível, apresenta ao mundo da música Julia Capello, uma jovem que, no fundo, é insegura e carente do sentido mais literal das palavras amor e afeto.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.