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NOTA DO CRÍTICO
Depois de anunciar sucessivos singles entre os anos de 2023 e 2024, o grupo mineiro Gypsy Tears enfim ousou dar um passo além em sua carreira. Apenas três meses após o último lançamento, Blue Bird, seu primeiro álbum de estúdio, enfim viu a luz do dia. Material apresenta, além das músicas apresentadas, outras nove inéditas.
É como se o Sol fosse um verdadeiro chamado em forma de energia. Como se a paisagem clara e nascente do dia fosse o cenário ideal para que a intensidade assumisse o controle de toda a atividade. Como se o calor e o senso de liberdade, juntos, despertassem uma vontade insana de viver. Através de um rompante uníssono e encorpado produzido entre a bateria de David Augusi, a guitarra de Thiago Valle e o baixo de Cleiton Hipólito, a sonoridade já se mostra em sua plena forma. Provocante, mostrando embrionárias noções de sensualidade e ardência, ela incita a independência. Marcada pela aspereza da guitarra e pelo groove bojudo do baixo, elemento que dá à melodia a consistência e a precisão que resultam em uma potência quase extravagante, a canção vai mostrando, cada vez mais, a sua personificação sínica, atrevida e livre. Através de um rugido que rasga a esfera sonora, o prelúdio do primeiro verso é percebido. E nesse mesmo instante, a guitarra base vai desenvolvendo um riff quase libidinoso em sua fusão entre hard rock e folk. Surpreendentemente, no instante em que a faixa recebe a guitarra solo e passa a oferecer uma melodia definitivamente mais madura, existe, em sua natureza, uma similaridade estética em relação a Born To Be Wild, single do Steppenwolf, evidenciando, assim, a influência do grupo perante o som do Gypsy Tears. Quando a voz de John Laporte é ouvida através de um grito crescente e urrante, o que se percebe é uma agudez rasgada que permite ao ouvinte a recordação de timbres como o de Vince Neil, Axl Rose, mas também de outro cantor por Rose influenciado, o Marc Labelle. Com uma levada rítmico-melódica calcada na cadência em 4x4, Get The Vibe é uma canção intensa e excitante que trata não apenas de liberdade. A canção, em suas entrelinhas líricas, aborda questões como superação, mas, principalmente, a aquisição de um senso de destino que leva a uma percepção de pertencimento.
O calor aqui é mais intenso. Talvez seja em virtude do deserto que abriga uma aridez quase perversa. Sensorialmente percebida através da adoção do lap steel, esse cenário sertanejo vai sendo arregimentado conforme a guitarra vai se sintonizando com o chimbal sujo que a bateria se permite introduzir na cenografia rítmica. Nesse ínterim, é interessante perceber como a guitarra base, com sua aspereza linear, acaba criando uma espécie de base melódico-narrativa lúcida frente a regozijante desenvoltura da guitarra solo. Sensual e suja em sua essência, Walking Alone apresenta Laporte em meio ao extravasar de sua voz em seu tom mais limpo, o que permite uma degustação mais profunda de suas camadas por parte do ouvinte. De caráter doce em meio de sua natureza aguda, ela acaba entregando, aqui, excêntricos toques de delicadeza que auxiliam na máxima experimentação dos sabores ofertados na conjuntura da obra. Esteticamente contagiante, Walking Alone destaca um indivíduo em uma viagem autoimposta rumo ao seu próprio encontro. Não é necessariamente uma obra somente sobre autoconhecimento, mas uma canção que mergulha nesse aspecto para se aprofundar nas questões de motivação e superação. A superação em relação às suas próprias culpas dilacerantes.
É como a reciclagem daquela energia lexicalmente excitante experienciada durante Get The Vibe. Porém, aqui a sensualidade se mostra mais afiada em sua vertente bluesada. Absorvendo uma intensidade grave e soturna que beira as paisagens do grunge e até mesmo do doom, a canção se apresenta sob um andamento lento que permite até mesmo uma assimilação mais detalhada e, de certa forma, até mais visceral dos entornos sensoriais ofertados pelas camadas sonoras. Durante seu desenvolvimento, Laporte é visto sob um drive mais consistente a ponto de lembrar aquele domínio técnico pertencente ao saudoso Steve Lee. Experimentando tomadas lírico-interpretativas que despertam uma noção de angústia, o vocalista parece estar no limiar das sombras enquanto dá vida à letra da composição. E o interessante é que Taste Of Rain de fato é enraizada sob uma essência melancólico-visceral. Afinal, ela trata do doroso, intenso e visceral processo de superação, de redenção, questões bloqueadas pela ausência da capacidade do ouvinte em sair da zona de conforto da lamúria. Em sua máxima instância, Taste Of Rain é o relato de um personagem órfão da permissão de se perdoar.
Rompendo o silêncio inebriante, a guitarra solo surge sob uma postura aparentemente debochada e libidinosamente provocativa. Se tornando ardente através de seus movimentos rebolantes, o instrumento vai experimentando uma sensualidade acentuada que dá, ao ouvinte, a capacidade de perceber a imersão estética da introdução no campo de um hard rock bluesado. O interessante é perceber que, sozinha, a guitarra ainda consegue, além de transpirar uma essência swingada, conferir à atmosfera notas de um suspense marcante que chama a atenção do ouvinte e o deixa minimamente inseguro. É como uma espécie de prazer sadomasoquista, ao passo que, imerso em um senso de vulnerabilidade, o espectador se percebe na ânsia de descobrir os próximos passos do enredo sonoro. Assim que a bateria e a guitarra solo entram em cena, a canção vai sendo dominada por punchs ocos que lhe dão uma estrutura de rito de ordem. Adornada por uivos ecoantes fornecidos pelo reverberar da distorção, a faixa, através de um rompante trovejante de protagonismo do groove grave acentuado do baixo rasgando os espaços livres da base melódica, escorrega para uma paisagem de base rítmica curiosamente folkeada que lhe confere uma cadência trotante e fluida. Quando entra, finalmente, em seu primeiro verso, a faixa é agraciada pelo preenchimento das linhas líricas feito por uma voz masculina de timbre afinado em seu tom agridoce. É nesse instante que ela adquire um formato fabulesco que, pela sua forma narrativa, vai gradativamente prendendo a atenção do ouvinte. Atingindo o refrão sob uma paisagem densa, mas sem perder a sensualidade, Carcará consegue explorar, no ouvinte, o senso de vulnerabilidade e insegurança a tal ponto que, assim como o conto da Cuca, é capaz de transformar a fantasia em algo real. Esse é, portanto, um dos grandes trunfos da composição. O outro é o fato de que o enredo lírico é cantado na língua original do grupo, o português. Porém, o principal marco da obra é a história abordada na letra. Enaltecendo a cultura regional de Minas Gerais, a faixa explora a figura do carcará e o mito que a rodeia. Em terras mineiras, essa ave de rapina morde a nuca de todos aqueles que contam mentiras ou boatos. Aqui, o Gypsy Tears acaba, também, criticando a futilidade e a falta de limites de algumas pessoas perante seu ímpeto de chamar atenção pela disseminação de histórias falsas.
A bateria é o elemento responsável por, a partir de uma frase repicada, promover o despertar da introdução. Antes mesmo que o ouvinte se ambiente em relação à energia que a sonoridade propõe, a guitarra solo, como fator protagonista no trecho, desfila uma movimentação que despeja sob a sensibilidade da audiência um senso de intensa angústia. Uma agonia que, talvez, felizmente, seja envolta em um torpor que lhe impeça de sorver toda a dor acumulada por algo ainda enigmático. Enquanto isso, a guitarra base, com seu tom áspero, ao lado da bateria, cuja contribuição entrega uma textura suja, faz com que o espectador fique entre a alucinação e súbitos de consciência, os quais são bem representados pelo baixo que, propositadamente, é engolido pela massa instrumental pegajosamente desesperada em meio ao seu próprio estado de agonia. Tudo isso parece fomentar as emoções extravasadas pelo personagem do enredo. Afinal, por meio de sua representação assumida através da interpretação lírica proposta pelo vocalista, ele tem suas vísceras expostas, ao passo que evidencia não apenas um senso desmedido de desesperança envolta em melancolia. Ainda que esses detalhes realmente existam e sejam bem explorados por Laporte e seu tom rasgado, o personagem lírico de O Rio Da Vida é ainda alvo de comentários ruidosos acerca de sua ideologia um tanto utópica de perseverança. Cada julgamento de sua positividade é um exemplo da inveja daqueles que nem mesmo forças tem para sair da inércia da zona de conforto da comodidade e da sua melhor amiga, a depressão. Por isso, colocar um sonhador no mesmo lugar de um sofredor é um ato que confere ao segundo a confirmação de sua força de persuasão e convencimento. Profunda, dramática e até mesmo capaz de causar sinceros incômodos no espectador, O Rio Da Vida é uma obra que, envolta em um rock alternativo áspero e ruidoso em sua essência lancinante, trata da relação com o tempo, da noção de pertencimento, do senso de motivação e, também, de superação. Ainda assim, a faixa não traz redenção, finalizando de maneira reflexiva que deixa cada palavra proferida pelo vocalista, ressoando sem parar no inconsciente do ouvinte, enquanto este busca respostas para questões nunca antes dadas como importantes.
A slide guitar, tal como aconteceu com a adoção do efeito lap steel em Walking Alone, confere à paisagem nascente da nova obra um caráter bucólico marcante. Por meio de seu sonar ligeiramente áspero, mas embebido em uma sensualidade atraente, o instrumento faz com que a melodia, totalmente centrada em sua figura, desenvolva uma essência amaciada de fácil penetração no inconsciente do espectador. Assim que a bateria entra em cena desenhando o escopo rítmico com uma levada trotante, a faixa acaba desdenhando um caráter southern rock marcante que faz com que a audiência rememore a estética sonora de nomes como ZZ Top. Suja, mas densamente cativante em sua silhueta conjuntural, a faixa se permite experimentar interessantes nuances de luz e sombra por meio da união sonora ofertada pelas guitarras. Uma capacidade melódico-narrativa que, de certa forma, acaba casando com o enredo lírico. Sob esse escopo completo, Devil’s Train conta a história de um indivíduo que desistiu da vida e se vendeu ao mais profundo senso de desesperança. Sem qualquer tipo de motivação que o faça lutar pela sua própria existência, o protagonista se vê sob o efeito de sua própria ação em relação ao desperdício do tempo.
A guitarra segue sua ardência através de seu mergulho no uso do efeito slide. Mantendo, então, sua essência southern, o instrumento, o presente cenário, é rapidamente acompanhado não apenas pelos pulsos da bateria, mas, também, dos lampejos bojudamente encorpados do baixo preenchendo a totalidade da base melódica. O interessante, porém, é que, propositadamente ou não, o Gypsy Tears acabou acertando na construção de uma seara radiofônica com a presente composição. Contagiante e swingada de tal maneira que rememora o som de bandas marcantes no segmento unificado do hard-folk, tais como Aerosmith e Dirty Honey, My Evil Side é feliz em prover frescor e, inclusive, notas de uma sensualidade bluesada que engrandece seus sabores conjunturais. Equilibrada em suas camadas, a canção apresenta, simplesmente, um personagem na posição de mero ser humano explorando a realidade de ser imperfeito, mas sem culpa em relação a tal constatação.
Continuando com sua pose promovendo o protagonismo slide, a guitarra agora explora uma paisagem mais solar e quente, ao mesmo tempo em que continua sendo sensual. Assim que passa a ser acompanhada pelos pulsos secos e solitários do bumbo criando embrionárias menções do compasso rítmico, o instrumento garante ao escopo rítmico-melódico introdutório uma natureza puramente contagiante que chama pela participação do público por meio de palmas no compasso do som. Porém, no instante em que a guitarra solo se coloca na dianteira melódica, ela propõe um divagar perante sua essência agudo-estridente e ecoante. Dando a deixa para que a composição explore uma paisagem sensualmente libidinosa e suja, esse novo elemento dá à cenografia uma similaridade estética para com a essência sonora desenhada pelo Slash nas músicas do SMKC. Sexy e até mesmo transpirando gotas de um suor propriamente sexual, a faixa é engrandecida pela presença pontual de sobreposições vocais realizadas pelo backing vocal de Hipólito, o que lhe garante uma certa efervescência vocal-harmônica. Com essa paisagem, Angel Of Sin se configura, simplesmente, como um hino de luxúria. A demonstração de como o prazer e a arte da sedução pode hipnotizar o indivíduo e fazê-lo agir seguindo apenas as leis do desejo.
Seu despertar pé delicado, macio. Mas, ao mesmo tempo que ele garante uma textura aveludada de sensibilidade inebriante, é possível notar, nos seus entremeios, uma espécie de postura sínica e ludibriante. Garantindo, a partir daí, requintes inéditos de suspense e até mesmo de tensão, a guitarra, elemento que puxa solitariamente o amanhecer, vai, cada vez mais, desmistificando aquelas constatações preconcebidas enquanto amadurece seu caráter dramático, e fresco em sua própria tristeza intimista. Sob essa cenografia surpreendente, que afasta o Sol e o calor e traz consigo o frio e um céu acinzentado chuvoso, a canção vai permitindo que sua sonoridade vá experimentando o senso da melancolia. Nesse ínterim, é interessante perceber como as desenvolturas das guitarras se combinam a ponto de propor a dicotomia entre a angústia e o torpor. Uma agonia que ainda tem sua origem enigmática. Até mesmo os elementos da base, sendo o baixo e a bateria especificamente, acabam adotando em seus movimentos caráteres que salientam essa assumição enérgica chorosa, sofrida e dramática. Mesmo quando o instrumental atinge seu ápice durante a segunda parte da introdução e o vocalista entra em cena através de um grito que captura certo grau de desespero, a música mantém seu senso dolorido. O efeito wah-wah da guitarra aumenta o senso de desconforto e a base sonora arregimenta certo grau de desesperança. Com essa roupagem, Come On Down apresenta um personagem envolto em uma grande lamúria incentivada pelo seu senso de depressão. Porém, diferente de O Rio Da Vida e Devil’s Train, aqui a ausência de resiliência atinge um ponto visceral pegajoso. É como se o próprio personagem estivesse profundamente perdido dentro de seu próprio caos interior. A prova de como o emocional pode consumir a consciência e moldar o destino de maneira bruta.
A presente introdução nasce com um instrumental maduro em meio a sua silhueta calcada no rock alternativo, espantando, enfim, o senso de melancolia explorado desde Taste Of Rain. Promovendo uma sensibilidade de caos através de seu sonar no limiar da estridência, tal sonoridade desemboca em um novo ambiente. Um ambiente ritmicamente minimalista cujo andamento traz resquícios de um pop punk inconsciente. Macia através do arranjo criado entre as guitarras e o baixo, a canção, curiosamente, consegue trazer referências curiosas no que tange a estrutura adotada pelo The Doors em suas respectivas músicas. Conseguindo soar intensa enquanto explora interessantes nuances de um leve torpor, a faixa se vale pelo seu requinte de dramaticidade áspero. Sob tal perspectiva rítmico-melódica, The Love Inside apresenta um personagem perdido não apenas em meio à decepção, mas com uma dor tão lancinante que atinge o estado de torpor. Um torpor que rompe o senso da dor de um amor corrompido. Uma experiência tão dramática que leva o indivíduo a assumir uma identidade fria apenas para se poupar de novos desamores.
É tão encantador quanto o Sol se despedindo ao longe sob um céu agraciado por tons de um vermelho pastel. Existe, nessa paisagem, um difundir de conforto e plenitude que transcende a simples emoção do sentir. E ela é, surpreendente e felizmente, capturada pelo instrumental introdutório. De estética melodicamente delicada na presença de todos os seus elementos de corda, ele desenha um frescor que toca profundamente o espectador e faz nascer, nele, rompantes de um bem-estar marcante. Saindo da pura serenidade para um cenário em que as guitarras ditam as regras através de seus sonares ácidos, a canção, por meio da maneira como Laporte emprega sua voz, agora na utilização do alto-falante, cria uma conotação de ordem e urgência. Agraciada pela presença de uma voz mais gutural acompanhando o conhecido tom do vocalista, World Of Freedom se torna, em meio ao restante da track list até então apresentada, uma obra autêntica pelo fato de experimentar uma roupagem punk. Com uma letra chocante, a presente obra é desenhada sob um ponto de vista anárquico e, consequentemente, sem lei, embebido na pura desordem. Aqui, o livre arbítrio molda cada ação do indivíduo motivado pela simples necessidade da liberdade em sua forma mais egoísta.
Sombria e de caráter sonoro ecoante, é interessante perceber como a composição consegue abordar certo quê de sinistro perante sua paisagem estética, ainda que ela esteja em sua forma embrionária. Crescendo em consistência e em textura através da união entre o baixo e a guitarra solo, a presente canção parece manter o mesmo senso enérgico empoderado de World Of Freedom por extravasar certo grau de intensidade marcante através de sua sonoridade, que se torna explosiva assim que a bateria entra em cena. Parecendo estar hipnotizado por um senso de repúdio, o vocalista desenha as linhas líricas sob uma forma ligeiramente agressiva. E o que é interessante é o fato de que essa postura casa muito bem com o enredo lírico da obra. Afinal, em sua máxima instância, Before I Die trata da dicotomia entre a cegueira religiosa e um certo grau de independência. Enquanto o personagem se vê na ânsia de experimentar, de sentir, de viver, os religiosos fervorosos se veem na espera do momento em que sua figura superior enfim os permita determinadas luxúrias. É o questionamento direto do hipnotismo e da cegueira que certas religiões aplicam sobre seus seguidores.
O som opaco do bongô se sobressai perante suspiros de distorção vindos da guitarra. Com esse novo elemento percussivo em cena, a composição imediatamente é capturada por uma essência latina tropical penetrante. De verso único que se repete ao longo de toda a sua execução, a canção se torna excêntrica por explorar, especificamente, a harmonia vocal construída entre Laporte e Hipólito. Como uma obra de caráter experimental, ela transpira notas de uma dramaticidade através da combinação entre as posturas das guitarras e da desenvoltura da bateria. Se atentando apenas ao lirismo, Vuela Condor parece ser uma espécie de mantra, um hino de liberdade e independência. Ao pensar que o condor é a espécie que abrange a maior ave do mundo em envergadura e se trata de um animal carniceiro, porém, a canção é como um afastar da negatividade, dos sensos que consomem a saúde do indivíduo. Em suma, um hino que procura espantar o fúnebre e dar vez à luz, ao Sol. À esperança.
Como primeiro álbum do Gypsy Tears, Blue Bird chama a atenção pela sua maturidade sonora. Mostrando desde seu despertar uma banda marcada pela sintonia, pela consciência e pela potência que transpira de seus arranjos, o álbum se destaca por trazer uma track list bem dividida entre títulos que transitam entre vertentes melódicas de pura excitação para outras de intensa melancolia.
Nesse ínterim, é importante salientar que o álbum não é um material construído apenas com o intuito de ser radiofônico. Até porque, em toda a sua track list, apenas My Evil Side atende esse quesito. Em todo o resto, o material mistura, de maneira bastante equilibrada, canções que exploram temas como liberdade, autoconhecimento, pertencimento, luxúria, além de questões sócio-políticas e religiosas.
Outras coisas também merecem ser apontadas. Desenhado sob narrativas construídas com o auxílio de três idiomas, sendo o inglês, o português e o espanhol, respectivamente em ordem de popularidade, Blue Bird também é marcado por um regionalismo autêntico. Estruturado através da exploração de uma figura fabulesca da região de Minas Gerais, esse caráter dá grande destaque à faixa Carcará.
Sempre adornadas por uma sonoridade potente, cada música, inclusive, possui uma paisagem sensorial única. Claro que existem similaridades entre si, mas juntando som e energia, elas permitem degustações completamente distintas entre si. Nesse aspecto, é interessante e também importante apontar a maneira como Blue Bird foi bem dividido entre composições de pura excitação e de densas melancolias.
Enquanto a melancolia pode ser observada em títulos como Taste Of Rain, O Rio Da Vida e Come On Down, Get The Vibe e Angel Of Sin são bons exemplos de títulos marcados pela sua sonoridade aberta e enérgica. Existem, claro, outras que exploram ambientes diferentes, como a punk World Of Freedom, o que torna o álbum ainda mais intrigante.
Toda essa conjuntura temático-sonora foi bem capturada pela figura de Arthur Luiz. Atuando tanto como produtor quanto engenheiro de mixagem, o profissional conseguiu fazer com que o Gypsy Tears seguisse uma coesão acentuada nos seus enredos líricos ao mesmo tempo em que equilibrou a densidade do som.
Fazendo com que cada instrumento fosse ouvido individualmente e em conjunto de forma nítida, ele entregou um som transparente que destacou cada estilo musical testado entre as canções. Tendo o blues como base, trazendo o hard rock como a principal vitrine e se desafiando através do punk, do folk e do southern rock, Blue Bird se configura como um produto experimental e plural.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Valle, ela traz imagens de um pássaro azul em forma de fênix saindo de dois indivíduos. É como a representação da alma, da essência dessas duas figuras ganhando o mundo. É a captura da essência da liberdade. Uma vez que a cor representa confiança, é como se essas duas pessoas estivessem determinadas a seguir o curso de seu destino. Tais questões entram em perfeita sintonia com a proposta conjuntural do álbum.
Lançado em 13 de dezembro de 2024 de maneira independente, Blue Bird é um hino à liberdade e à independência que não tem medo de destacar as imperfeições do ser humano. Cheio de mensagens pensantes, o material é marcado por uma sonoridade madura que promove o contato curiosamente harmônico da excitação e a intensidade com a melancolia e a dramaticidade.