NOTA DO CRÍTICO
Pouco mais de dois anos após o lançamento de seu álbum de estreia autointitulado, o quarteto californiano Dirty Honey volta ao estúdio para anunciar um novo capítulo em sua discografia. Intitulado Can’t Find The Brakes, o material representa o segundo disco de estúdio da banda e o primeiro a conter novo line up.
A guitarra de John Notto, sem demora, oferece uma maciez branda, fresca e transcendental em sua máxima leveza, enquanto Marc LaBelle oferta, com seu vocal inicialmente sereno e adocicada, um mesmo nível de delicadeza. Entre melismas que comunicam uma imersão nos campos do soul e do R&B, a canção acaba fluindo para um ambiente mais sensual com a entrada da bateria de Jaydon Bean em sua levada 4x4 e o baixo preciso e levemente trotante de Justin Smolian, o qual oferece grande referência à forma como Cliff Williams desenhou as bases rítmicas das canções do AC/DC. Ainda assim, é Notto o responsável pela amplitude do teor provocantemente sexy da faixa a partir de frases cuja melodia se assemelha àquela feita por Billy Gibbson em Sharp Dressed Man, single do ZZ Top. Com essa paisagem, agora um misto de hard rock com blues rock, Don’t Put Out The Fire narra a história de um personagem tentando lidar com o luto do término de um relacionamento e com a dor da rejeição. Entre fortes culpas por não ter visto o iminente fim se aproximando, ele agora assume estar órfão da paixão, mas confessa, além de ter esperança em uma reconciliação, que a mulher por quem se entregou o viciou no desejo pela ardência da libido. Enquanto isso, a melodia sua pelo calor dos corpos e evolui para uma melodia provocante e irresistível.
Fresca e paulatinamente enérgica como um Sol de luminosidade vivida nascendo atrás das montanhas áridas dos arredores de Los Angeles, a canção atinge seu pico introdutório com uma essência sexy, swingada e com pitadas de uma sujeira provocante. Elétrica e atrevida, Won’t Take Me Alive representa um relacionamento desarmônico e doentio em que uma das partes se vale da intensão de fazer o outro sofrer, de manipulá-lo a seu bel-prazer sarcástico. É por isso que, para o protagonista, a liberdade é o melhor remédio contra a enfermidade mental daquela sede de vingança irracional.
Sexy e provocante como uma dançarina de pole dance, ela é suja e ardentemente atraente em seu hard rock capaz de rememorar a estética melódica criada por Slash em sua carreira ao lado de Myles Kennedy. Alegre, Dirty Mind tem um refrão chiclete e harmônico que reforça a narrativa sobre um homem bon vivant que vale pela própria companhia, mas se vê preparado para seu encaminhamento ao outro lado da vida. Assumindo ser autoconfiante, além de ter as ações aceitáveis, o personagem destaca o fato de ter uma mente pervertida e uma inclinação em fazer os outros se decepcionarem, o que o torna consciente de que, a qualquer momento, a moral pode fazê-lo morrer como uma moeda de troca.
Ela nasce com uma espécie de frescor adocicadamente melancólico. Entre rompantes dramáticos que fazem a melodia criar uma similaridade estética com aquela desenvolvida pelo Greta Van Fleet, a faixa é de uma potência grave diferenciada calcada em um blues de sentimentalismo sofrido. Crescendo com uma sonoridade que transmite esperança assim como um pôr do Sol tranquilizante no horizonte praiano após uma tempestade, Roam tem ainda a inserção do hammond criando uma noção amplificada de tristeza a partir de seu dulçor ácido na coxia sonora. Roam segue o compasso das canções anteriores e apresenta ao ouvinte mais uma história calcada em relacionamento. Aqui, porém, existe a culpa e a raiva. Há a saudade e um amor sem explicação plausível para a sua existência. É uma canção sobre amor à distância e a forma como ele é capaz de transformar a convivência de um casal, ampliando o saudosismo e criando feridas em um coração entristecido pela falta de companheirismo.
Saindo do torpor, da dramaticidade e do sofrimento, o novo ambiente é macio, sexy e, ao mesmo tempo, solar. Entre a guitarra de sonar ondulante pelo lap steel e uma cenografia capaz de misturar praia e metrópole, Get A Little High é adornada por um refrão contagiante em sua explosão curiosamente controlada. Baseada no hard rock típico do Dirty Honey, a canção traz a forma encontrada por um indivíduo de como lidar com a rejeição e o término da relação. A tristeza, a descrença, o saudosismo e a necessidade gritante de virar a página fazem com que o personagem procure o torpor para estancar, mesmo que por alguns instantes, a dor de um coração partido.
Ela é doce, serena e gentil. De aromas aconchegantemente bucólicos, a canção nasce tal como o observar o Sol nascendo além do pasto e fazendo subir o aroma das flores motivadas pela união do orvalho com o calor amornado da manhã. Contando apenas pela sintonia delicada entre voz e violão, Coming Home (Ballad Of The Shire) um folk que conta a história de um indivíduo que, após se aventurar pelo mundo e buscar seu lugar, percebe que o ponto que lhe causa profunda noção de pertencimento é aquele de sua origem, seu lar. A canção representa, inclusive, o encontro de duas pessoas que sempre se amaram, mas por conta da insegurança preferiram se desprender. Agora, mais maduros, aceitam o enfrentamento dos medos para voltarem a conviver tal como nunca deveria ter acabado.
Ela já nasce sexy e provocante como uma caminhada por uma Sunset Strip noturna no auge dos anos 80. Com o baixo e a guitarra em uma perfeita sintonia libidinosa, fica por conta da bateria atiçar o ouvinte com o cinismo dos tilintares dos pratos de ataque e condução, além dos golpes sequenciais do bumbo. Trazendo referências e influências melódicas do Guns and Roses em sua fase Appetite For Destruction, a canção não demora em mostrar seu ímpeto explosivo, sexy e solar. Contagiante e provocante, a faixa-título traz a história de uma mulher tão intensa que chega a ser imprudente para com a própria vida. Vendendo a imagem de uma pessoa imponente, autoconfiante e empoderada, a música mostra, na verdade, que esse é um escudo por um passado tortuoso. Ainda assim, é inegável a existência de uma vida boêmia, curiosamente, atraente em sua irresponsabilidade autodestrutiva.
Não é proposital, mas a forma como a bateria desenha suas frases introdutórias acaba fazendo com que o ouvinte relembre a levada feita por Larry Mullen Jr. na introdução de Sunday Bloody Sunday, single do U2. Tal semelhança se perde segundos depois, quando a melodia entra em uma cenografia explosiva, com boa e forte marcação do baixo, e uma guitarra suja em seu hard rock. Groovada, contagiante e atraente, Satisfied é, tal qual Don’t Put Out The Fire, mais um capítulo em que o personagem não percebeu o desgaste do relacionamento e que, por isso, se afundou em culpas. Aqui, porém, existe o adendo da reflexão de que o que existia era de fato amor ou apenas uma diversão facilmente descartável, deixando o protagonista ainda mais dolorido. Curiosamente, Satisfied ainda possui um refrão cuja crescente harmônica bebe da mesma fonte usada no ápice de When I’m Gone, single do próprio quarteto.
Cínica, provocante, ardente e autossuficiente. A nova canção reapresenta um hard rock de base folkeada que conta com os sutis tilintares do pandeiro auxiliando no compasso rítmico. Curta, mas não menos sexy, Ride On é uma obra em que o personagem se mantém focado rumo à superação para não ser atingido, novamente, pelas lembranças de um passado capazes de lhe causarem dor. Ride On a consciência falando mais alto e mostrando não haver futuro para a relação, sugerindo que ambas as partes sigam seus próprios caminhos.
Um novo pé no freio surge. Aconchegante, delicada e com um senso protetor apaziguante, a nova canção nasce com uma maciez generosa, educada e gentil com o auxílio do veludo do fender rhodes também dando sua contribuição na melodia. Tal como um abraço amigo, um peito materno pronto para receber as lágrimas de um filho em sofrimento, You Make It All Right apresenta um LaBelle experimentando novas texturas vocais com falsetes bem executados, enquanto a canção vai crescendo em seu teor melancólico. Trazendo a história de um personagem banhado em remorso, preso em sentimentos que o levam ao abissal ambiente das emoções, o apoio é necessário para engrenar em uma nova subida e enxergar o Sol novamente. E é aí que mora o romantismo. Afinal, o protagonista assume que, quando na presença daquela por quem nutre o amor, tudo ficará bem.
O barulho ácido da distorção suja o ambiente enquanto a guitarra faz ecoar sutis tilintares agudos que rememoram, mesmo sutilmente, o mesmo feito realizado por Stone Gossard na introdução de Jeremy, single do Pearl Jam. Conforme a canção vai se desenvolvendo, uma levada curiosamente nauseante vai tomando conta do ambiente, mas sem prejudicar a receptividade do ouvinte, que se percebe capturado pelo groove marcante do baixo. De refrão de versos simples, mas instrumental explosivo, Rebel Son é a história de um personagem regido pelo intenso senso de independência, liberdade e inconformismo para com o viés rotineiro dos assalariados. Pela sua vasta energia vivaz, o protagonista se apresenta como um perfeito par para a personagem principal da faixa-titulo, apesar de, em dado momento, se perceber capturado pelo amor e se notar na iminência da ausência da infinitude do horizonte.
De volta ao circuito, o Dirty Honey apresentou, com Can’t Find The Brakes, um compilado de canções que funciona como uma montanha-russa de emoções intensas envolvendo o amor. Da máxima libido até a melancolia da rejeição, o novo álbum do quarteto californiano surge, inclusive, com um som mais maduro, conciso e, inclusive, potente.
Certamente, não houve perda da essência melódica, uma vez que o material trouxe novamente o hard rock com base folk que fez o nome do grupo ainda nos idos de 2018 com Fire Away, o single de estreia. Ainda assim, o novo álbum apresentou uma maior experimentação em texturas por ofertar faixas com inclinações para subgêneros como o blues rock e gêneros tais quais o soul e R&B.
Grande parte disso se deve à contribuição de Bean na bateria. Entregando mais frescor, mas também combinando precisão e sutileza, ele foi capaz de deixar o material com uma base ainda mais provocante do que aquela ofertada entre as canções do álbum de estreia. Isso fez com que o novo material, apesar de ainda se valer em versos melódicos repetitivos, ficasse mais marcante aos ouvidos e transpirasse, mais nitidamente, a influência de nomes como o AC/DC na construção das melodias.
O produtor Nick DiDia foi outro importante nome para o amadurecimento do Dirty Honey. Afinal, com ele houve maiores experimentações de vocais com falsete, além de novas texturas vindas do hammond, fender rhodes e do pandeiro. Um aprofundamento nas levadas de blues e folk, gêneros que, pela sonoridade bem equalizada, foram facilmente perceptíveis, foi outro ponto de crescimento do grupo em Can’t Find The Brakes.
Lançado em 03 de novembro de 2023 via Dirt Records, Can’t Find The Brakes apresenta um labirinto de emoções amorosas narrada sob sonoridades precisas, marcantes e melódicas. A partir do material, inclusive, é possível notar claramente um amadurecimento do Dirty Honey tanto em composições rítmicas quanto como banda. Um produto que transpira frescor e sensualidade até seu último sonar.