Depois de anunciar dois singles ao longo do ano, o Frederick Montana finalmente alçou novos voos rumo à sua trajetória musical. Afinal, assim que 2024 começa a entrar em seus instantes finais, o grupo lança Who Is Frederick Montana?, seu álbum de estreia de maneira independente.
Ao longe, em meio a um cenário árido de texturas cruas inebriantes, o indivíduo, já munido de uma breve alucinação em virtude de sua situação andarilha, observa o crepúsculo. O nascer do Sol trazendo vida a um novo dia através do sertão estadunidense. Enquanto isso, no inconsciente desse personagem, uma música vai sendo tocada como uma forma de autodistração. E ela já vem com notas de uma identidade bucólica saliente. Contudo, assim que tal canção passa a ser percebida de maneira realista através de golpes certeiros efetuados por Fran García na caixa da bateria a ponto de ressoar uma brevidade estridente, a audiência, que assiste a essa embrionária narrativa como um verdadeiro espectador, se vê capturada por uma sensualidade cativante fornecida, principalmente, pelo rebolar levemente provocativo da guitarra solo de Diego de la Torre. Esteticamente suja, mas com um corpo marcante introduzido pelo groove bojudo do baixo de Alberto Guerrero, a faixa, sem demora, destaca uma interessante fusão estrutural entre blues, folk e hard rock. É então que, no momento em que entra em seu primeiro verso, a faixa passa a ter seu enredo lírico desenhado por uma voz grave de tom intermediário e agradavelmente afinada. Vinda de Antonio Cobos, ela não apenas surge sob uma interpretação verbal debochada, como também traz discretas referências à atuação assumida por Bon Scott nas canções do AC/DC. Provocante e solar, portanto, Crampie é uma obra que traz uma história de tesão, de desejo e de provocações com um caráter libidinoso ardente.
A bateria é o elemento responsável por puxar a introdução do novo cenário que se anuncia. Depois de golpes na caixa semelhante àqueles feitos no verdadeiro amanhecer da faixa anterior, a estrutura rítmico-melódica que se cria é pura sedução e sensualidade. Fresca e marcante pela sua maciez estética, a introdução fornece um mergulho ainda mais profundo na cultura sonora do blues, ainda que seja abraçada por uma cama percussiva ligeiramente suja efetuada por uma bateria de desenvoltura dura. Contagiante mesmo durante seus momentos de linearidade, os quais se mostram bastante duradouros, Procastination Destination tem, na camada lírica, o principal elemento que segura a atenção do ouvinte. E, felizmente, ela é embebida em uma comicidade capaz de tirar risos frouxos do espectador. Contudo, existe algo nas entrelinhas desse teor cômico que afasta a risada e dá vasão para um profundo processo reflexivo. Afinal, em Procastination Destination o Frederick Montana apresenta um personagem que, muito além de procrastinador, não tem vivacidade, intensidade ou mesmo motivações suficientes que o façam viver a vida com maestria. Um indivíduo capturado por um estado de melancolia latente há muito germinado em seu inconsciente que, agora, faz com que o personagem tenha que, interessantemente, fugir de si mesmo para poder voltar a enxergar a luz do dia.
Sua introdução é interessante e audaciosa. Afinal, através de seu frescor dançante, ela traz consigo uma estrutura rítmica honky tonk típica do oeste estadunidense. Macia e fazendo prevalecer a delicadeza do violão ao lado do veludo da guitarra, a canção, simultaneamente, apresenta traços de uma crueza que deixam sua paisagem com um breve aspecto noventista. Mergulhando em um refrão em que existe a experimentação de sobreposições vocais que permitem a transição entre o veludo gélido e o natural, a canção só se distancia de uma densa linearidade tal qual observada na faixa anterior por conta do chimbal sincopado presente nas primeiras estrofes. Contagiante, porém, Down Mississippi traz um lirismo reflexivo em que apresenta um personagem lidando com a tarefa da superação, da resiliência, de perseverança e da compreensão de que as imperfeições da vida servem para promover o amadurecimento emocional para seguir trilhando o rumo incerto do destino.
A introdução é vividamente regida pelo efeito fade in. Por meio dele, o swingado violão vai ganhando cada vez mais presença e imponência através de sua desenvoltura levemente desesperada, a qual serve como um interessante artifício estético que chama uma bateria de sonoridade mais presente e marcante ao lado de um baixo consistente na base melódica. Esses dois novos elementos se tornam necessários para construir um crescendo sonoro que leva a canção para uma segunda metade de seu amanhecer. Nela, a gaita de Pepe de la Torre surge com evidente vivacidade em sua postura solar atribuída ao seu som adocicadamente estridente marcante que, além de perfumar, faz, do ambiente, um cenário bucólico saliente. Fornecendo uma sonoridade forte e audível em todas as suas nuances, Shoot You Down é embebida em um charme autêntico no que diz respeito às estéticas sonoras até então experimentadas em Who Is Frederick Montana?. Com um ânimo diferenciado transpirado pelo espectro rítmico-melódico, a canção transpira saliência, enquanto permite ao ouvinte a perfeita percepção de uma despropositada, mas forte, referência sonora às estéticas experienciadas pelo Howlin’ Wolf em suas respectivas obras. É assim que Shoot You Down fornece um primeiro enredo divertido no sentido mais estrito da palavra, ainda que a temática lírica aborde traição. Um single de peso que contagia pelo conteúdo verbal, mas também atiça pelos espectros harmônicos-melódicos.
Um sonar estridente e trêmulo vindo da distorção rompe o silêncio e a escuridão por meio dele, o que se apresenta ao ouvinte durante a introdução é um escopo rítmico-melódico ácido e cru que remete uma paisagem estrutural punkeada. Imersa em uma base rítmica mais bruta em sua bem-vinda rigidez fluida, a canção é capaz de misturar o frescor com a acidez e a estridência provenientes de uma guitarra curiosamente sensual em sua postura imponente. Misturando requintes de stoner rock especialmente durante o refrão, momento em que se experiencia períodos de versos de ordem, Punky Dragon é uma obra que, assim como Shoot You Down traz um caráter de autenticidade não apenas no que tange a musicalidade do Frederick Montana, mas em relação à narrativa sonora do álbum como um todo. Com tal estética, Punky Dragon apresenta um personagem em busca de respeito e admiração ao passo que vai envelhecendo. Aqui existe a menção da assumição de uma identidade falsa para fazer valer uma visão admirável por parte do outro, se esquecendo, assim, da verdadeira essência. De outro lado, a canção parece abordar, também, a relação que se tem com o tempo e com a necessidade da jovialidade eterna. A partir daí, a composição se torna outro título com enredo que, de fato, merece atenção, ainda que pareça mesquinho à primeira vista.
O som é distante, mas já faz com que o ouvinte se habitue com uma atmosfera bluesada graças ao compasso 4x4 efetuado pela bateria. Um breve silêncio. Um baixo surge com uma pronúncia tal qual uma risada que escapou na hora errada. Com sua sonoridade marcante e encorpada, o instrumento, sem qualquer menção de dúvida, carrega toda a alma da canção, a sensualidade e o senso provocativo da canção. Contagiante, macia e levemente fresca em seus flertes tímidos com uma roupagem reggae, a faixa traz um enredo lírico que, assim como aconteceu em Down Mississippi, é embebido em sobreposições vocais que garantem certo grau de harmonia através da intersecção de timbres graves e levemente aveludados. Com essa receita, I Belong To Blues se matura como uma canção de entretenimento em que se trata de desavenças amorosas que, a partir das consequentes melancolia e frustração, o personagem se debruça sobre o blues como forma de esquecer essa dor emocional.
A guitarra surge ácida em sua distorção e o teclado vem logo abaixo, na camada harmônica, inserindo cores e uma vivacidade extra nesse enredo sonoro em desenvolvimento. Ao longe, o Sol está nascendo e, com ele, a energia, a alegria e o desejo intenso de viver. O suor já escorre pela testa em virtude da adrenalina que faz o sangue ferver, enquanto os olhos secam por não piscarem e se manterem atentos a cada novo movimento. Essa atmosfera é proporcionada ainda antes de a canção mergulhar em sua segunda etapa introdutória, momento em que evidencia seus flertes com a paisagem sonora do boogie woogie. A verdade, porém, é que a canção se envereda pelo blues, enquanto a bateria vai sendo pronunciada com uma postura consistente, mas ainda capaz de denotar frescor e fluidez ao enredo rítmico. Escorregando para um refrão enérgico, ardente e excitante em que o tilintar do pandeiro é de suma importância na construção da sensualidade no âmbito percussivo, a faixa-título destaca, inclusive, incursões no campo sonoro do hard rock que lhe conferem uma postura ainda mais cínica e libidinosa, em certo aspecto. É assim que a faixa-título traz um enredo que prende a atenção do ouvinte tal como uma contação de histórias. Afinal, sua essência é mística, cheia de mistério, suspense e fantasia que abraçam a figura de um ser desconhecido, mas muito falado. Quase como uma lenda, o personagem-lírico não é, de fato, evidenciado, mas sempre trazido em terceira pessoa. Ainda que não se saiba ao certo quem foi Frederick Montana, existem ideias de que foi um homem louco e insano. Um bêbado por natureza que se perdeu no blues assim que encontrou uma guitarra e divagou pelas suas alucinações que o levavam para o passado e presente com grande facilidade.
Como primeiro álbum, o produto tem como dever mostrar tudo da banda para o mundo. Suas essências, suas referências, suas influências e suas personalidades. Que mostre sua musicalidade e se existe ou não entrosamento e harmonia entre seus integrantes. Felizmente, Who Is Frederick Montana? consegue atender a todos esses quesitos.
Ao longo de suas sete faixas, o álbum imprime a crueza, o frescor e a sensualidade de um grupo jovem cheio de essência latina, mas com pés na arte estadunidense do espectro do country. Afinal, as atmosferas exploradas são constantemente associadas com cenários áridos, interioranos e sertanejos de maneira a tangenciar com diversos subgêneros.
Southern rock, blues, boogie woogie, folk, honky tonk e blues, além dos forasteiros hard rock, stoner rock e punk, são algumas paisagens sonoras exploradas. Impressas de maneira consistente pela direção exercida pela produção do FBF, tais cenários são capazes de instigar, atrair, capturar e entreter o espectador. No entanto, nesse processo, a audiência esbarra em alguns pontos que valem ser pontuados.
Majoritariamente no decorrer do material, a cada capítulo que se inicia, o grupo mantém, quase que completamente, a mesma base rítmico-melódica. Dessa forma, toda a faixa parece manter o mesmo espectro rítmico-melódico-narrativo, mesmo quando adentram no refrão ou mesmo na ponte.
Outro ponto que vale destaque é a rigidez da bateria em certos momentos, o que prejudica o senso de fluidez e movimento em cada canção. Por fim, a qualidade do som é um aspecto parcialmente danificado.
Afinal, ele, por meio da mixagem feita pelo próprio grupo, soa fraco e distante, sem a possibilidade de empregar o peso ideal às canções. Em compensação, a partir de Shoot You Down, o cenário se reverte. A instrumentação surge mais audível, forte e consistente, sendo que até mesmo a bateria é percebida com mais impacto. Enquanto isso, baixo e guitarra não sofreram grandes alterações, já que em todo o momento eram elementos bastante equalizados durante as narrativas sonoras.
Marcado por uma mistura de estéticas, Who Is Frederick Montana? acaba convidando o ouvinte a mergulhar tanto por cenários de puro entretenimento, que estimulam o riso e o contágio, para outros de caráter mais reflexivo. É aí que canções como Shoot You Down, Punky Dragon e a faixa-título se destacam.
Não apenas pelos seus caráteres narrativos, mas pela qualidade do som e ousadia na experimentação de texturas, as faixas evidenciam temáticas como traição e relação com o tempo associada com necessidade de jovialidade eterna e a assumição de uma falsa identidade. Tudo, no entanto, trazida de forma a divertir, mesmo quando pede um clima mais denso.
É então que chega a arte de capa para encerrar o setor analítico. Assinada por Guerrero, ela traz um cenário psicodélico e alucinógeno calcado na adoção de cores místicas em formas circulares que levam os olhos do espectador ao centro da imagem. Nela, um homem com vestimenta de cowboy, munido de um violão, é evidenciado ao passo que se torna a verdadeira persona do Frederick Montana. Nesse sentido, Guerrero parece ter seguido o mesmo caminho que Henrik Siegel trilhou nas criações de um personagem que representasse a essência do Volbeat.
Lançado em 15 de novembro de 2024 de maneira independente, Who Is Frederick Montana? é um disco fresco, swingado e macio que bebe da atmosfera country estadunidense com adoráveis aromas latinos. Cheio de sonoridades marcantes, o álbum apresenta um grupo com potencial, vontade e sintonia que vale a atenção, mas que ainda se encontra aprendendo a arte técnica da produção para mostrar sua sonoridade da melhor forma possível, o que é só uma questão de tempo.