Fibonattis - Cidade Mórbida

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4.5 (2 Votos)

Vinda de uma Francisco Morato do já antigo meio dos anos de 2010, a Fibonattis já possui em sua bagagem um álbum de estúdio, além de um split com a banda inglesa Wolf Bites Boy e uma presença  massiva em palcos como Hangar 110, Espaço Som e no extinto Inferno Club. É assim, com uma vida precoce, que o quarteto paulista anuncia Cidade Mórbida, seu novo disco.


Como o Sol nascendo por detrás das montanhas com um calor reconfortante que amorna o coração depois de uma noite fria, a guitarra de Junior faz seu despertar ameno. Mesmo quando os outros instrumentos invadem a cena em uma sincronia uníssona, a nostalgia é um sentimento que não se dissipa, até porque, como não há força ou exacerbação do volume, a constância deixa o ambiente macio independente da conjuntura dos elementos que cria a sonoridade. Contagiante em sua leveza de mescla pop rock e hardcore, Vidas mostra, de primeiro momento, a sinergia melódica dos timbres de Junior e Marlon, que se dividem entre os vocais no primeiro verso. Recriando, assim como fez o Faca Preta, uma ambiência jovial que remonta o início dos anos 2000, Vidas fala da rotina sob uma ótica adolescente intrigante. Contudo, nas profundezas do lirismo, a faixa coloca a rotina como sendo algo que apaga o conceito do imprevisível e do improviso. Não à toa que o questionamento “será que posso falar que eu vivo?” representa toda a angústia de uma vida sem motivação.


Som da mudança de estações de rádio. De repente, uma voz de criança surge ao fundo cantarolando um verso que já mostra que a canção que segue irá tratar de igualdade. Surgindo de maneira encorpada, a guitarra puxa uma levada alegre e contagiante que flerta com a roupagem de hino. É assim que Distintos Jamais, uma música que fala de legado, do peso das escolhas e uma análise da repetição dos erros, se inicia. Trazendo um refrão chiclete cantado em coro, a canção ainda tem, nas entrelinhas, de fato menção à igualdade enquanto transita, inclusive, pelo campo do pop punk.


Acelerada e levemente ácida, a atmosfera que se cria remonta o pop punk ao estilo Ramones enquanto a bateria de Gilson segue na criação de um compasso 4x4 que promove uma maior liberdade criativa para os instrumentos de corda. Porém, se mantendo fiéis ao gênero, eles amadurecem uma melodia de estrutura simples que, em Johnny E Joana, traz surpreendentemente um lirismo cômico sobre um relacionamento possessivo e controlador. Trazendo a participação de Judyxxx representando a figura de Joana, pelo seu sotaque carioca existe pinceladas de malandragem e uma ampliação no teor cômico da canção, uma vez que tanto ela quanto Johnny pensam a mesma coisa. Por isso, Johnny E Joana surge como sendo o primeiro grande single de Cidade Mórbida.


Tão macio e nostálgico quanto Vida, o novo amanhecer oferece uma maciez embriagante ao ouvinte, que se vê perdido, inclusive, em pitadas de melancolia. Não Se Rompe é uma música que reforça e concretiza a máxima de que refrões cantados em coro é a marca do Fibonattis. E aqui, o quarteto mergulha novamente no campo do relacionamento e traz esse evento como sendo algo que tira as pessoas da racionalidade. Diferente do que se pensa, porém, Não Se Rompe discute a paixão não por alguém e sim por algo, e é aqui que mora o lado cômico da canção. Até porque, nesse sentido, o verso “nosso desprezo ao ignorante, certas questões não se respondem” consegue tirar bons e frouxos sorrisos.


Alegre, contagiante e macia, a melodia introdutória consegue misturar o frescor da praia com a tranquilidade do entardecer de verão. Misturando elementos do pop punk e do hardcore, a canção traz em si um parentesco estilístico com a sonoridade construída pelo Drive, algo que reforça a reciclagem da musicalidade dos anos 2000. Curiosamente, apesar dessa inicial alegria, assim como Vidas, Nunca Mais traz um personagem desmotivado que lamenta as idas de mais um dia. No entanto, é possível ver nesse mesmo personagem uma vontade legítima de vencer esse estado negacionista e melancólico. Remar contra a maré é, aqui, o melhor remédio para superar o sofrimento. Importante mencionar que Nunca Mais é, até o momento, a canção cuja mixagem melhor defendeu o peso e a energia melódica.


Puxada pela bateria e com o groove encorpado e preciso do baixo de Flávio audível, a melodia surge mais crua e suja. Explicando essa nova roupagem está um lirismo que exala insatisfação, revolta e questionamentos sobre a postura contraditória e saudosista dos empresários do ramo musical. Críticos Da Cena é uma música que, apesar de ser endereçada ao ramo musical, pode ser usada, inclusive, na política. Afinal, sendo no som ou no planalto, o novo assusta pela quebra de paradigmas, enquanto o velho apenas reforça o conservadorismo.


O compasso estruturado pelo chimbal logo na introdução recria aquele criado por Ryan O'Keeffe em Runnin’ Wild, single do Airbourne. Levemente acelerado e compassado, o apetrecho da bateria vai sendo seguido por rompantes ásperos, mas nostálgicos, vindos das guitarras. Quando o baixo entra entregando um corpo uníssono à melodia, a canção assume uma crescente até fluir para um primeiro verso macio, melódico e de ares juvenis. Com notável influência do pop punk e hardcore californianos, a faixa-título dialoga sobre as dualidades de uma metrópole. Lixo, luxo, cidadãos comuns, o impulso pulsando nos momentos de transição. O mundo díspar da pluralidade. Do que se orgulhar? Do ódio ou do ranço? Esse é o questionamento deixado pela faixa-título ressoando na mente do ouvinte. 


Suja, rápida, cadenciada. Puxada pela bateria, a canção mistura frescor, melodia e rispidez na mesma medida. Com direito a frases cômicas vindas do baixo, Jura Eterna é uma canção que discute a inveja alheia e traz a sociedade como seu próprio inimigo. Refletindo sobre preconceito e sobre diferenças geracionais, Jura Eterna possui o já marcado refrão em coro e um ritmo contagiante na base hardcore.


Golpe estridente e seco na caixa. Explosão e uma melodia macia com uma base linear e ríspida puxada pelo baixo. Sem grandes delongas, Singelos Votos logo traz sua mensagem lírica de desejar o básico para a qualidade de vida de qualquer ser humano. Sustento, dignidade, igualdade, consciência, liberdade, saúde, diversidade e prosperidade. Em tempos de pré-eleição, tais desejos formam um mantra comum que, na voz de 212,6 milhões de pessoas, teria força suficiente para ser acatado e, enfim, concretizado.


Com chiptune a nova atmosfera tem seu início. Dissipado rapidamente a partir de golpes robustos e uníssonos, aquele sonar eletrônico dá passagem para uma melodia que mistura uma embrionária rispidez com nostalgia. Com protagonismo do baixo principalmente nos versos, Velha Seleção rememora a cultura sagrada e estimulante de postergar qualquer que fosse a atividade para ver a seleção jogar. Um momento em que não há desunião, desolamento ou qualquer tipo de preconceito. Um momento que vive e se sustenta pelo conceito de união. Depois das quedas e maus desempenhos de Neymar e do 7 a 1 na última Copa do Mundo, Velha Seleção funciona como a música do saudosismo de uma era que não mais será vivenciada. “Quem não viveu, certamente não viverá”, “o coração parece já não pulsar mais como se via tempos atrás” e “garra e determinação, jamais se vê” são versos que lamentam o presente e vangloriam o passado. Afinal, esse é o intuito de Velha Seleção: lembrar os dias de glória de uma seleção que, assim como a sociedade que representa, está desmotivada.


Suja, crua e de garagem. Dramática e de embrionário caos, a canção, assim como Velha Seleção, acaba sendo um produto de veneração. Aqui, porém, a veneração recai sobre os desejos não alcançados e pelo esquecimento de uma geração que, socialmente, não obteve destaque e não foi marcante. Apenas pelos jornais, as pessoas saberão de uma geração perdida. No entanto, Tarde Demais reforça o fato de que nunca é tarde demais para recomeçar.


Alegre, nostálgico, melódico, melancólico. Cru, Cidade Mórbida é um álbum de duração rápida, mas cujo contágio rítmico é tamanho por rememorar tempos já esquecidos de uma sonoridade brasileira há muito tempo posta em baixo do tapete. Assim como o Faca Preta, o Fibonattis tenta - e consegue - reverenciar o hardcore nacional.


Com um vocalista cujo timbre muito tem em comum com o vocal de Billie Joe Armstrong, o Fibonattis trouxe, em Cidade Mórbida, muito mais uma veneração pelo rock nacional dos anos 2000 do que propriamente o punk dos anos 70. Afinal, entre seus 11 capítulos o ouvinte consegue identificar semelhanças estilísticas com a sonoridade de nomes como Stevens, Cueio Limão e Drive, todos pertencentes ao time lado b das esferas emo e hardcore.


No entanto, é verdade também que se percebe a influência de nomes como Ramones, o próprio Green Day e um aroma californiano em suas composições. Afinal, o álbum ainda consegue, de maneira invejável, ser um produto macio e fresco que traz a linguagem juvenil para falar de temas como igualdade, desmotivação, desolamento, relacionamento. Críticas ao mundo do entretenimento  nacional, à politicagem que não ouve a população e saudosismos são outras questões bem presentes em Cidade Mórbida.


Defendendo, portanto, o hardcore e flertando também com o pop punk e o pop rock, o disco apresenta um grande empecilho que é a questão da mixagem. Assinada por Windi Ribeiro, ela não favorece totalmente a sonoridade do Fibonattis por não trazer o punch necessário que a estrutura rítmica pede. Por vezes, ela é baixa demais. Em outros, ela quase chega na equalização ideal, mas nunca alcança um grau de maturidade contínua e consistente.


Ainda assim, o ouvinte atento consegue se divertir com as linearidades melódicas e com os lirismos que vão da humorada Johnny E Joana aos desejos insanos de Jura Eterna. É isso o que faz de Cidade Mórbida um disco plural em seu conteúdo lírico, que é sempre acompanhado de um contraponto macio e contagiante que quebra a seriedade.


Esse é, inclusive, outra importante marca do Fibonattis que, graças à produção assinada entre Ribeiro e o próprio quarteto, foi regimentado em Cidade Mórbida. O álbum, por simbolizar o começo da estrada dos paulistas, traz uma sonoridade em processo de maturação, mas também oferece um sistema de composição já muito consolidado e marcante.


Encerrando a parte técnica do álbum vem a arte de capa. Assinada em parceria entre Marlon Henris e Uilian Hércules, ela apresenta uma foto central dos integrantes do Fibonattis caminhando por ruas desertas. Quando se amplia a perspectiva, tal fotografia está subexposta na imagem de uma paisagem urbana e igualmente deserta, imprimindo, portanto, bem o conceito de cidade mórbida apresentado no título do álbum.


Lançado em 19 de agosto de 2022 via Repente Records, Cidade Mórbida é um disco fresco, melódico, contagiante e nostálgico que defende um som cru e sincero. Um trabalho jovial que, falando de temas atuais e explorando vagamente o psiquê, consegue reapresentar o rock brasileiro dos anos 2000 com maestria. Isso é, inclusive, um grande marco do selo muito bem seguido pelo Fibonattis.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.