SICK - Hear Me Scream

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Nascido a partir de algumas colaborações virtuais em que seus integrantes tocavam covers para se manterem ativos durante a pandemia, o SICK teve seu início oficial em 2021. Pouco menos de um ano depois, nasce o primeiro produto fonográfico do quarteto, o EP intitulado Hear Me Scream.


Brutal, explosivo, grave e sombrio. O horizonte que se instaura é formado pela ausência total de luz branda. Caótico, demolidor e instável, ele é regado em potentes pedais duplos vindos de Herbert Loureiro e uma guitarra ensandecida que, executada por César ‘Covero’, tira o ouvinte de seu eixo de equilíbrio de sanidade. Eis então que, emergindo das profundezas mais obscuras, a sonoridade é preenchida por um vocal rasgado, de toques guturais que exprime certo tom de desespero entorpecido. É Duda Franco deixando My Grave ainda mais insana, agressiva e até mesmo enlouquecedora. Isso é devido, principalmente, da combinação melódica de doom metal, death metal e sutis toques de metal alternativo para dar respiros melódicos em maio à proposital desarmonia atordoante que dialoga sobre uma certa orfandade da qualidade confiança. É o desespero lascivo de um alguém paranoico na busca por afeto e compreensão.


Como um regurgito encorpado e bojudo, o baixo de Ricardo Brigas puxa, após chiados que fazem com que a canção seja iniciada já com uma pausa dramática, uma sonoridade mais suja e crua em que torna audível uma proposital diminuição no trabalho de equalização em relação àquele feito em My Grave. Curiosamente mais macia, o que acaba enganando o ouvinte, a canção é construída sobre um rompante metalizado e mais consciente de sua condição de raiva e ódio. Cooperando com uma estrutura mais melódica, Franco entra em cena com um vocal mais limpo, tornando possível ao espectador uma mais fácil degustação de suas entrelinhas azedas e levemente metálicas. Estruturada em um terreno de maior protagonismo do metal alternativo, All The Way discute a inveja e o julgamento social como fatores que manipulam e distorcem a predestinação daqueles que seguem com foco. Nesse aspecto, a canção evidencia, principalmente, a fragilidade do alicerce desse foco e da autoconfiança como sendo algo fácil de desmontar a partir de incessantes mantras negativos e desvalorizantes ditos por terceiros. É como se ela estivesse lançando ao vento a reflexão “qual é o limite da sua persistência?” e “até onde vai a sua certeza?”. Com isso, All The Way acaba se tornando um interessante single para Hear Me Scream.


Dando prosseguimento à crueza estrutural emanada em All The Way, a atmosfera que acaba se firmando traz uma energia mais caótica e até mesmo repugnante. Com sequências de um riff azedo que dialoga com as roupagens do thrash e do death metal, a canção traz outra faceta de Franco. Com um timbre mais aberto, de drives mais limpos e com uma interpretação lírica mais visceral que acaba entrando em sintonia com o caráter vocal de Dee Snider em seus álbuns For The Love Of Metal e Leave A Scar, ele acaba até mesmo introduzindo, na canção, toques de metalcore. Representando a insegurança, a impotência e o desamparo social brasileiro, New Age Of War evidencia, em tom de rechaço, o estado anômico de autoritarismo e extremismo instaurados por uma figura que tenta esconder sua própria fragilidade. Enquanto isso, o país acaba vivenciando um retrocesso na evolução humanitária ao incentivar não apenas a intolerância, mas também a revisitar os preconceitos mais hostis. Com direito a frases de groove metal, New Age Of War é uma música urgente lançada a tempo de uma reflexão mais profunda sobre qual o futuro que o Brasil merece.


Trovejante, perigosa e trazendo toques de insegurança, a introdução que se constrói é bruta, mas com choros escondidos em tal intensidade ríspida. Podendo ser notados de forma rápida através dos dedilhares de Brigas que funcionam como momentos de escape, esse sentimento de instabilidade emocional logo volta a ser escondido. De vocal mais fanhoso e que remonta um senso comum na cena do rock dos anos 90, Franco acaba misturando conceitos mórbidos e vis com questões mais palpáveis que dialogam com a ausência de representatividade, de um herói que a sociedade possa chamar de seu. Em tempos em que o conceito de mito foi deturpado ao ser usado como sinônimo de uma figura tirânica, retomar o verdadeiro sentido da palavra será uma tarefa difícil. E a faixa-título traz na metáfora da matança sistêmica a possibilidade de limpeza governamental para retomar o controle da sanidade.


Rápida, elétrica, trotante. Misturando o hardcore com o azedume do death metal, a canção traz uma excitação diferenciada e ainda brutal para um amanhecer sangrento puxado por um urro de intensa agressividade. Caótica, There Will Come A Time, assim como New Age Of War e a faixa-título, apresenta um caráter de crítica ao exercício político em vigor no Brasil como um todo. Discutindo principalmente o descaso endêmico com o meio ambiente, a canção funciona como uma avaliação de merecimento social pelo pandemônio. Colocando a ganância sempre afrente do bem-estar do equilíbrio da natureza,  There Will Come A Time informa que será irrelevante qualquer súplica quando o dia do julgamento chegar.


Intenso, explosivo, bruto. A crueza é uma palavra que define grande parte da essência daquilo que o SICK nomeou Hear Me Scream. Um EP desesperador, caótico, absurdo, perigoso, ensandecido e até mesmo paranoico. Ele representa o estado de regressão de maturidade vivenciada por uma sociedade entorpecida pela manipulação política.


Repleto de críticas da forma como o sistema político brasileiro tem transformado a essência de uma sociedade que tem como mote intrínseco a fragilidade emocional, o EP traz a sua brutalidade e aspereza como forma de extravasar a insatisfação e evidenciar um estado de cegueira ao qual a comunidade nacional está inserida. 


A falta de representatividade e o estímulo pela demonstração de intolerância, seja ela endereçada a quaisquer setor, são outros importantes assuntos que regem o conteúdo de Hear Me Scream. Para dar peso e vasão a tantas emoções regidas pela insatisfação e incredulidade, o quarteto optou por fundir groove metal, death metal, thrash metal, metal alternativo, doom metal, hardcore e metalcore sobre uma base perigosamente metalizada.


Para promover uma sonoridade ideal, o SICK contou com o auxílio de Ricardo França, quem, com a mixagem, conseguiu comunicar a crueza, a sujeira e a intensidade que o quarteto tem a oferecer como essência rítmica de uma maneira não linear. Afinal, cada música tem um padrão de equalização diferente, o que, curiosamente, não soou negativo em Hear Me Scream porque, apesar disso, todos os instrumentos e o vocal são audíveis em qualquer um de seus cinco capítulos.


O interessante é ver, nesse processo, que a autoprodução imputou ainda mais originalidade e representatividade ao som do EP. Afinal, quando os próprios compositores são aqueles que produzem as canções, eles sabem qual a energia e qual o melhor caminho a ser dado em cada finalização.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada em duas mãos por Loureiro e Ricardo França, ela traz consigo uma fusão de influências nas artes dos discos do Whitesnake e do Skills. Trazendo uma bússola que é preenchida por escrituras orientais, ela vem com o ‘s’ de ‘Sick’ em evidência. Vermelho e quase liquefeito, ele comunica ao mesmo tempo agressividade e fluidez. Pela conjuntura, é como se o SICK quisesse comunicar o renascimento em todas as direções que possam ouvir suas lamúrias inquietantes. É a representação do desejo mais puro de recomeço.


Lançado em 17 de agosto de 2022 de maneira independente,  Hear Me Scream é a representação da angústia, das lamúrias e da ausência de alento sentido por uma sociedade órfã de representatividade. Apresentando uma banda viril e insana, o EP é a mais pura demonstração de que a agressividade é apenas uma forma de pedir socorro. E esse socorro nem sempre é ouvido porque aqueles que o desejam estão entorpecidos em suas próprias manipulações de normalidade.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.