Forte Norte - Impuslo

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Ela se chamava Vallente lá nos idos de 2012, mas mudou de nome. Quase encerrou as atividades durante a pandemia oito anos depois. Com o novo trabalho, o agora Forte Norte não apenas apresenta uma nova formação, mas também a força de seguir na ativa. Assim nasceu Impulso, seu novo EP.


Um violão de riff suave surge imprimindo um tímido swing que, com um rompante bojudo vindo do baixo de Eduardo Zeineddine, ganha precisão e força para se firmar em um groove folkeado e intimista que recria a melodia-base de Creep, single do Stone Temple Pilots. Entre súbitos amornares vindos de uma guitarra que, vinda de Wagner Alexandre, se espreguiça perante a sonoridade minimalista, existe a propagação de uma energia penetrante e contagiantemente nostálgico-melancólica que é amplificada por pitadelas de psicodelia vindas de um tímido hammond escondido na coxia rítmica. Eis então que uma voz grave entra em cena. É Felipe Lahm trazendo um tempero embrionariamente rasgado que realça os sabores de um ritmo cambaleante que casa com a reflexão sobre o peso das escolhas na construção de identidade. Curioso notar que, nesse ínterim, Hoje possui, nas guitarras de Alexandre e Pedro Quintana, a sonorização que representa fidedignamente o estado introspectivo de consciência que busca, no passado, as respostas do presente. Hoje é uma canção que traz um profundo pensar tristonho de que as opções tomadas apagaram a essência de ousadia e autoconfiança que outrora dominava o personagem, lírico. 


Uma maciez melancólica e embriagante nasce pelo singelo sonar das guitarras rompido pelo sisudo dedilhar do baixo trazendo lucidez ao embrionário devaneio. Entrando na atmosfera com novos toques vocais, Lahn apresenta sutis melismas de R&B que dão um movimento mais atraente para algo que já se mostra ser triste e, novamente, introspectivo. Interessante notar que a forma como o lirismo é introduzido traz um caráter conotativamente narrativo que faz com que o ouvinte consiga criar, mentalmente, exatamente o cenário descrito. E tal como uma experiência 4D, as emoções também são captadas. Não à toa que o espectador fica cabisbaixo e com a feição chorosa. Só Uma Questão De Tempo é uma música indiscutivelmente dramática que dialoga sobre saudade e sobre a relação com o luto. Uma música que mostra a superação da dor daquele que foi profundamente ferido por obstáculos da vida, mas que, também pela vida, foi presenteado pela possibilidade do recomeço.


Lacrimal e lascivamente visceral, o novo horizonte já tem um início dramático explosivo. Misturando o soturno e o sujo do grunge com sua versão atual, o stoner, na base melódica, a canção possui um aroma reflexivo e filosófico que acompanha o ouvinte durante a curta, mas profunda introdução. O Que Vai Me Acompanhar caminha ao lado de um personagem que, mudando de ambientes e estilos de vida, tenta desafiar a sorte e ver se ela estará presente a todo o momento. Intensa, ela é um produto que traz um alguém perdido, em sofrimento, mas que não consegue externizá-lo em palavras. Por isso, se coloca em risco para enfrentar a lógica da vida. O Que Vai Me Acompanhar é, sem dúvida, o produto mais intenso, tenso e até mesmo mórbido de Impulso.


Riffs profundamente graves são acompanhados de explosões vindas da bateria de Junior Winne. Na superfície melódica, a guitarra solo cria uma valsa entorpecente e soturna que, quase doentio, capta o ouvinte com sua energia enlouquecedora. Estruturada sob o ritmo do metal alternativo, Cicatrizes mostra o Forte Norte se aprofundando em campos sonoros ainda mais sombrios. Com direito a uma guitarra áspera e rígida que pincela toques de thrash metal, a canção assume uma crescente que desemboca em um primeiro verso cadenciado, compassado e contagiante que tem espaço, inclusive, a uma espécie de swing desajeitado. Cicatrizes é uma faixa que, sob a estética do stoner rock, trata de um personagem em processo de superação, amadurecimento e fortalecimento emocional. Fugindo de sentimentos negacionistas, o eu-lírico se situa de que as memórias e os sofrimentos do passado agora estruturam sua nova identidade.


Graças a este trabalho, o Forte Norte não assinou seu fim. Graças a Impulso, um título sugestivo para um produto que representa o fôlego e a perseverança para continuar, o quinteto paulistano conseguiu mostrar potência, firmeza, uma sonoridade madura e consciente do tipo de campo lírico que quer ser lembrado e de qual estética rítmica quer representar. 


Apesar de curto, o EP é grandioso em melodias e mostra a sincronia consistente da nova formação do quinteto. Como marco de 10 anos de história da banda, o trabalho representa um novo ciclo, com novos elementos, novas roupagens e novos conceitos de sensibilidade.


Tratando de assuntos delicados e profundos como solidão, pertencimento, superação, luto e autoconfiança. Assuntos que até mesmo podem ser considerados autorais por possivelmente estarem sendo vivenciados pelos integrantes do Forte Norte: o luto pelo passado do quinteto, a superação do quase término, o se sentir pertencente a uma família rítmica e a autoconfiança de saber que, agora, o grupo terá seu reconhecimento.


E de verdade, esse reconhecimento chegou. Impulso é um trabalho intenso, dramático, visceral e enérgico que mistura, em um mesmo contexto, o folk, R&B, grunge, o metal alternativo, o thrash metal e o stoner. Não à toa que é possível notar a influência de nomes da cena nacional, como Scalene e Suricato, na composição melódica dos quatro capítulos do EP.


Com mixagem bem executada por Max Matta, o trabalho soou equalizado, maduro e consciente. O ouvinte consegue, por conta disso, degustar todos os pormenores sonoros e todas as nuances vocais com clareza e nitidez. Por essa razão, o EP já soa até mesmo profissional.


Auxiliando nesse processo, vem a produção. Feita pela própria Forte Norte, ela dá uma conotação autêntica a todos os enredos líricos apresentados. E graças à sincronia dos integrantes, o caminho para a liberdade criativa flui de maneira sinérgica, o que resultou em um trabalho que funciona como um provocante instigar para os novos passos do quinteto. Para dar um reforço, nada melhor do que trazer alguém que já conhece a história do grupo, cabendo então a Carlos Casagrande, antigo baterista, imprimir mais da identidade rítmica já consolidada do grupo.


Encerrando a parte técnica, vem a arte de capa de Impulso. Assinada por Karoline Kaori, ela traz a figura de um lobo em evidência dando um salto de uma colina. Trazendo familiaridades com um conceito exotérico impresso na capa de The Battle At Garden's Gate, álbum do Greta Van Fleet, ela dá uma conotação denotativa de impulso, um impulso que, pelas feições do animal, representa o sangue de um renascimento consistente.


Lançado em 25 de agosto de 2022 via Canil Records, Impulso é a representação de um novo horizonte. Forte, competente e consistente, o EP traz uma banda mais certa de si e confiante, que traz nos eventos passados a experiência capaz de levá-lo ao amadurecimento como grupo e como um entre tantos indivíduos da cena musical brasileira. O Forte Norte enfim recebeu a luz do Sol trazendo um novo amanhecer.













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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.