El Negro - Como Um Raio Silencioso Que Antecede O Trovão

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

No meio do segundo trimestre de 2022 o duo gaúcho El Negro decidiu anunciar um novo capítulo na carreira. Intitulado Como Um Raio Silencioso Que Antecede O Trovão, o terceiro disco de estúdio da dupla é repleto de distintas interpretações e significados.


A bateria surge solitária somente por alguns segundos, mas seu único sonar protagonista produz um som semelhante àquele feito por Eric Carr na introdução de I Love It Loud, single do KISS. Após alguns repiques, Leandro Schirmer dá passagem para uma atmosfera repleta de alegria e vivacidade trazida principalmente pela forma como a guitarra de Mumu se movimenta perante uma base cativante e levemente suja. Sob a estética fundida entre folk e hard rock, O Último Sol é uma música enérgica e linear que, através do timbre metálico de Mumu, narra a busca por pertencimento emaranhada por uma sede de liberdade extasiante.


Notas agudas e entorpecidas são lançadas pelo sintetizador no protagonismo sonoro enquanto a base é preenchida por relâmpagos de distorção amena vindos da guitarra. Tal cenário vai desenhando contornos de um indie rock que muito se assemelha àquele proposto pelo MGMT, com menção especial à melodia introdutória do single Kids. Tal semelhança se esvai como em um sopro de vento a partir da segunda metade introdutória, momento em que o efeito de lap steel imputa uma ambiência folkeada latente em Eu Vou Te Encontrar de maneira a trazer referências ao som feito pelo Aerosmith. Liricamente, a canção é como um devaneio estimulado por um sonho que instiga a busca por outro alguém. 


Assim como em O Último Sol a desenvoltura de Schirmer trouxe referências ao KISS, em Eu Me Embriago De Você acontece evento semelhante. Com mais tempo de protagonismo solitário, a bateria executa um som cuja estrutura recai sobre a mesma linha rítmica feita por Will Champion no despertar de In My Place, single do Coldplay. Novamente com o lap steel, a guitarra traz uma ambiência folk que se funde com o indie e um embrionário hard rock. Com um primeiro verso de cadência melódica grudenta, a canção forma um cenário interessante perante os olhares imagéticos do ouvinte. Diversas paredes rochosas de cânions acompanham as carruagens guiadas por cavalos imponentes. O Sol arde e desfila uma sensação de calor enlouquecedora. De súbito, uma chuva fina começa a cair formando reflexos de arco-íris em seus véus. Surpreendentemente, no meio do caminho se vê uma mulher de indumentária que a categoriza como amazona. Seu cabelo e roupa estão encharcados, seu andar é firme e sensual de maneira a atrair a atenção de todos aqueles dentro das carruagens. Não há interesse, da parte dela, em pedir carona ou qualquer tipo de ajuda. E é justamente esse posicionamento confiante e imponente que encantam os homens viajantes. Eu Me Embriago De Você, portanto, é uma canção que exala o desejo do poder contar com a presença de tal pessoa que, nas palavras do próprio eu-lírico, causa um efeito semelhante àquele produzido pela anfetamina. 


Existe uma acidez que expressa ao menos um aroma de stoner rock nos primeiros perfumes sonoros. Com uma ambiência setentista inerente à new wave, Não Deixe O Sol Esperar possui um despertar dividido entre eletrônico e analógico, o ácido e o hard rock folkeado. Assim como O Último Sol, a presente faixa é enérgica e promove uma excitação eufórica que funciona como um chamado para a vida. Com referências à estrutura rítmica de The Ides Of March, álbum de Myles Kennedy, Barão Vermelho e mesmo Jack White, Não Deixe O Sol Esperar expressa a perda da insegurança, um horizonte formado por um mundo tolerante e calcado na aceitação da pluralidade individual, além do preceito de aproveitar ao máximo cada momento.


De baixo presente e bem marcado, a canção se inicia com uma guitarra de presença crescente como em efeito fade in. Com melodia embriagante e uma sonoridade que traz à mente do ouvinte a estrutura rítmica inicial de Fortune Faded, single do Red Hot Chilli Peppers, Show Do Depeche Mode Em Bagé, Ginásio Militão (89, Por Aí) traz sobreposições vocais inebriantes e protagonizadas pelo timbre ácido e entorpecido de Carlinhos Carneiro que contam a imaginação do eu-lírico sobre como foi o show do Depeche Mode em Bagé. Tido como uma espécie de palanque melancólico e de caos social, tal evento é apenas um exemplo da forma como o trio inglês impactou o cotidiano da pacata cidade ao sul do Rio Grande do Sul.


Melancólica e com uma base synth-pop, a introdução evolui para uma grandeza dramática marcada pela condução grave do baixo e um compasso ondulante. Eis que a melodia a se formar evidencia referências que vão de The Doors, passa pelo Talking Heads e Iron Maiden e para em The Who, aqui com especial menção ao single Behind Blue Eyes. Fundindo acid rock, new wave, rock progressivo e flertes do heavy metal, Labirinto traz uma roupagem soturna que retrata a busca pelas migalhas deixadas ao vento como lembranças de um relacionamento um dia vivido. 


Um aroma bucólico se funde ao perfume folclórico. Tal combinação é oferecida através da valsa causada pela sobreposição de violões que, de súbito, é calada por uma melodia áspera, agressiva e de roupagem stoner rock. Dramática e com direito a uma guitarra que exala gritos lamentadores, Cavalo acaba assumindo uma base rítmica que, pela movimentação do baixo e da bateria, cria uma estrutura que conota uma singela semelhança com a melodia introdutória de Zero, faixa do Alter Bridge. Por meio da mistura do metal e do folk, Cavalo destrincha um lirismo sobre liberdade, o sonhar e, principalmente, o trilhar do próprio caminho.


Com um synth-pop ao estilo Sweet Dreams (Are Made Of This), single do Eurythmics, Você Dançou tem seu despertar. Fundindo uma sonoridade latina a partir dos batuques do bongô, a faixa se apresenta de fato como uma mistura europeia da década de 70 com a América Latina atual. Ácida e recheada de groove graças à potência do baixo, Você Dançou curiosamente tem ainda mais parentesco melódico com Fortune Faded do que se pensava de Show Do Depeche Mode Em Bagé, Ginásio Militão (89, Por Aí). Tratando do destino com uma visão mais astral, Você Dançou aborda também o reencontro ao acaso a partir de uma levada electro. 


O interessante em Como Um Raio Silencioso Que Antecede O Trovão é que não é possível creditá-lo piamente a um único gênero musical. É fato que ele possui estilos que se repetem com frequência pelas suas bases rítmicas, mas em seus oito enredos, o álbum abraça uma ampla gama de terrenos sonoros que mais constroem a conotação de experimentação e fusão. É, como o próprio nome sugere. Pode parecer que o disco começa silencioso, mas conforme vai tomando corpo, sua grandeza e fusão rítmica são elevadas ao ápice como um trovão.


E esse trovão tem nome: é El Negro, um duo que compõe canções sobre relacionamento, vida, liberdade e de exaltação do destino, do imprevisível. Como uma lição para aproveitar a vida e viver intensamente, a dupla porto-alegrense não se intimida ao misturar gêneros musicais que, aos ouvidos de muitos, são incomunicáveis.


O synth-pop fala com o stoner rock. O indie rock fala com o hard rock. O folk fala com o metal. O acid rock com o rock progressivo. A new wave com o heavy metal. Tudo isso unido de maneira a sonorizar uma melodia homogênea e rica em influências que são pinceladas pelos músicos competentes, precisos e teóricos do El Negro


Para criar então um som homogêneo em sua totalidade, mesmo que formado através de influências diversas, a dupla teve de procurar um engenheiro de mixagem competente para o trabalho. E a função foi assumida por Leo Ribeiro, quem conseguiu construir um sonar equalizado, potente, swingado e capaz de ser ouvido com clareza em caixas de som de diversos tamanhos. 


Fechando o escopo técnico vem a produção que, assumida por Felipe Rodarte, emana uma sensibilidade na finalização do produto que consiste Como Um Raio Silencioso Que Antecede O Trovão. É notável que Rodarte deu liberdade criativa sem qualquer tipo de rédea, mas é notável também o seu trabalho como mentor para a construção de um material que soasse autêntico sem parecer um experimentalismo desenfreado e sem fundamento. 


É então que o ouvinte recai sobre a arte de capa. Feita por Luis Floriano, ela é simplista em criatividade, mas oferece um duplo sentido interessante. Ao mesmo tempo em que os integrantes do El Negro parecem enigmáticos em seu papel e sua música, o plano de fundo em tom de roxo pastel levemente entorpecido cria a ideia de suavidade, o que cria certa dúvida e atiça a curiosidade do ouvinte. Ao apertar o play, o espectador será deixado pelo raio de silêncio e recebido pelo trovão.


Lançado em 04 de maio de 2022 via Toca Discos, Como Um Raio Silencioso Que Antecede O Trovão é a pura experimentação rítmica. É a fusão de referências na construção de uma sonoridade precisa, forte, swingada e de estética plural. É um trabalho que sonoriza o verso social de ‘sair da zona de conforto’.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.