Drowned Men - Abyssal

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Com três anos de história, o quinteto belo-horizontino Drowned Men já coleciona dois trabalhos fonográficos já lançados, sendo eles um EP e um álbum anunciados no decorrer de dois anos. Agora, nos últimos respiros de 2021, o grupo retorna aos holofotes ao apresentar Abyssal, seu segundo e mais recente disco de estúdio.


A guitarra traz consigo um swing de uma obscuridade entorpecida e amaciada que acompanhada pelo groove compassado do baixo de Adriano JS. No sensitivo, é como se o ouvinte se encontrasse em um ambiente escuro e enlameado, mas curiosamente iluminado por uma luz opaca. Nesse ínterim, a melodia recebe seu último elemento, uma voz de timbre agudo sutilmente estridente e com um rasgado peculiar. É Adriano Bê trazendo, com um inglês didático, um enredo lírico sombrio que traz o eu-lírico imerso no mesmo ambiente cenográfico-sensorial que a sonoridade introdutória criou no imaginário do ouvinte: um local que, nas palavras do próprio Bê, “hell is now here. Welcome. The sky is far from here”. On This Halloween é uma canção que mistura elementos do rock alternativo em uma base depreciativa e gótica do post-punk.


Notas agudas se misturam com outras ácidas. As guitarras de John Silva e Joey Blasmain se fundem em uma sonoridade propositalmente destoante e de um incômodo estranhamente reconfortante. No decorrer da faixa se percebe que o que causa esse desconforto não é o destoar em si das guitarras, mas sim uma sonoridade sufocante trazida pelo sintetizador de Cláudio Valentin ouvida ao fundo na segunda parte da introdução. No pré-refrão, a entrada do backing vocal de Raquel Batista cria, ao lado do timbre de Bê, uma aparente adaptação gótica ao dueto entre Iggy Pop e Kate Pierson presente no single Candy. Porém, esse é o momento em que uma doçura abraça um cenário dominado pelo suspense e pelo temor dos sons noturnos que assombram o eu-lírico em Something In The Waves Of The Night.


Um swing sedutor e macio vai desenhando a silhueta melódica a partir da união do groove linear do baixo e dos golpes ecoantes da bateria de Gabriel Martins. Enquanto a guitarra base imprime certo azedume na base rítmica, a guitarra solo alça voos que lançam um palatável perfume doce e aveludado que parece deixar escorrer lágrimas melancólicas tímidas pela face da sonoridade da introdução. Promovendo uma maciez linear contagiante, Silhouette é uma canção de protagonismo absoluto do baixo na construção da cadência rítmica e que traz consigo um lirismo sobre depressão e que estranhamente tangencia com o tema paralisia do sono. Não por acaso, a aflição e o temor são sensações que abraçam o ouvinte de maneira a arrepiar cada poro corporal. Ainda assim, Silhouette é a primeira faixa apresentada com estrutura capaz de ser um single de Abyssal.


O baixo grave e compassado em união aos golpes sequenciais no chimbal proporcionam uma ambiência dançante na introdução proporcionando um súbito de leveza. De uma suavidade que se estende até o refrão, a canção vai ganhando contornos estridentes enquanto a guitarra assume um corpo mais sujo e agudo, dando, assim, um corpo mais dramático para um lirismo que, ao mesmo tempo em que fala de depressão, traz a necessidade do se provar para si mesmo em uma busca desenfreada pelo autoconhecimento dos próprios limites. Eis Let Me Out, uma canção de um desespero entorpecido que só quer ser vencido pela valorização do eu-lírico.


A bateria e o baixo trazem um compasso cadenciado e de um ar tradicionalmente percussivo. Com um veludo havaiano swingado de uma tonalidade dramática e funesta, In The End, I Just Wanted To Scream é uma canção que exorta um desespero gritante em relação à convivência com o silêncio e com a consequentemente interação com a própria mente. “The sound of silence is almost like dying”, confessa o personagem de maneira a suplicar por uma salvação que nunca chega. Flertando com psicodelia que se mistura com elementos da new wave, a melodia da canção imerge em uma acidez setentista que amplifica o desconforto vivido pelo personagem do enredo, sentimento que acaba contagiando o ouvinte. Curiosamente, assim como Silhouette, o deprimente existente em In The End, I Just Wanted To Scream não impede de a faixa ser considerada um importante single de Abyssal.


Uma densidade diferenciada é acordada. Um soturno ríspido e estridente passa a dominar a introdução, de maneira a arregalar os olhos do ouvinte e lhe causar um temor estranhamente excitante. Como o próprio nome sugere, Courting Death Itself é uma canção que soa como um festejar, uma celebração da própria morte a partir de um ritmo cadenciado e contagiante que conta com um instrumental transitório entre o refrão e a ponte que possui uma estética semelhante à melodia que separa o refrão do solo em Love Can Only Heal, single do Myles Kennedy


Crescente, swingada e entorpecidamente enérgica, a introdução consegue proporcionar um ânimo e uma excitação até então não experimentados em Abyssal. Afinal, existe uma maciez melancólica e contagiante que abraça o ouvinte e o convida a explorar o ambiente lírico-melódico de All The Freak Noises, uma faixa que aborda a relação do eu-lírico com a memória de um passado incômodo, a relação de alguém que parece não aceitar as cicatrizes da vida e a convivência com a lembrança daqueles que já se foram. Curiosamente, existe uma luz na melodia que é proporcionada principalmente pela maciez com que a bateria desenha sua levada.


A guitarra solo traz, logo no início, uma sonoridade de mesma estrutura daquela desenhada por Luciano Garcia na introdução de Dias Atrás, single do CPM 22. Corpulenta, swingada, macia, mas ao mesmo tempo de uma acidez estridente, No God Down Here tem um suspense medonho e denso que contamina toda a melodia. Tal sensibilidade é correspondida pelo enredo lírico a partir do momento em que ele trata da má-fé como alicerce ilusório da motivação pela mudança pessoal. Os pedidos, rezas e preces variadas buscando a mudança, mas sem que o autor desses desejos se esforce para alcançá-los mostra o inconsciente temor em sair da zona de conforto que parece incomodar. De flertes com a sonoridade setentista, No God Down Here ainda consegue proporcionar uma melodia que embala o ouvinte e o faz esquecer subitamente do recado que seu lirismo carrega.


É como uma garoa que, de tão fina, cai sob o chão criando no ar um desenho de véu. É como clarões súbitos vistos entre as nuvens de uma tonalidade acinzentada. É como o brilho intenso do olhar se transformando em uma lágrima bojuda carregando toda a tristeza acumulada. Essas sensações cenográficas são proporcionadas por um misto de maciez, melancolia, swing e densidade trazido pela melodia introdutória de The Abyss. Com uma dramaticidade latente proporcionada pela sonoridade do sintetizador, a canção é a sonorização da relação do eu-lírico com o fim.


O soturno é inevitável. O contágio, uma consequência. O drama, um apelo. A melancolia, uma súplica. A tristeza, um desabafo. O desespero, um pedido de ajuda. Abyssal é um disco cheio de texturas que traz consigo toda a aflição e insegurança vivida pelas pessoas em um período caótico como o vivido pelo planeta atualmente.


É um trabalho que traz a sensação de desproteção e exorta o caldeirão conflituoso que é a mente do ser humano. Um simples ato pode desencadear uma sequência de ideias negativas ou não. Um simples sorriso pode gerar ações das mais diferentes índoles e significados. O álbum é uma análise sobre o íntimo, é o acesso ao inconsciente de cada um de maneira a estimular o enfrentamento dos demônios particulares.


Como um expoente fidedigno do post-punk, Abyssal é um disco carregado de texturas que são acompanhadas de sensações depreciativas densas e intensas de maneira a flertar com uma roupagem gótica e ácida capaz de exortar o temor e fazê-lo conviver com o suave do rock alternativo também explorado pela melodia do álbum.


Trazendo influências nítidas de nomes como Soundgarden, Black Sabbath, Linkin Park, Korn, The Cure, Joy Division​, Sonic Youth e Alice in Chains, o álbum é um produto capaz de confortar o ouvinte com o desconfortável. É capaz de tornar o caos normal. É capaz de tornar os inimigos da mente amigos. Características muito bem sintetizadas pelos exercícios de produção e mixagem feitos por Fabrício Galvani.


Curiosamente, essa ambiência obscura, caótica e desconfortável de uma sensação sufocante foi brilhantemente captada na arte de capa. Feita por João Vittor Pedroza, ela é como a recriação da cena de Hércules, animação da Disney, em que Ades é visto navegando em seu barco sob uma água cheia de almas penadas. Ao mesmo tempo, a figura de um ser cuja feição comunica o cansaço e a desesperança traz consigo uma referência implícita às formas das almas penadas presentes em Soul, animação da Pixar


Lançado em 03 de dezembro de 2021 de maneira independente, Abyssal é um disco que assombra pela intensidade minimalista e espanta pelas análises profundas das emoções. Um trabalho soturno que consegue encantar a partir do caos interno e entorpecido.



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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.