NOTA DO CRÍTICO
Ele foi fecundado a partir da solitude de um bucólico estúdio sueco nos idos de 2020. Quatro anos depois, o álbum que daria o início literal à carreira musical da autoproclamada artista sueca Limandi foi batizado de Fuck. It e é vendido como a celebração da vulnerabilidade e autenticidade da artista.
Seu início é preenchido por um torpor ondulante proferido por sonares eletrônicos. Despropositadamente nauseante e mareante, a canção possui um toque macio hipnótico que imita embrionários melismas executados por uma voz orgânica. Com uma cama de tilintares agudos e ligeiramente adocicados, a canção vai amadurecendo com uma sensualidade delicada a partir de uma temática rítmica que, gentilmente, mistura o rap e noções sutis de R&B. É então que uma voz de timbre agudo e dulcificado entra em cena completando o escopo melódico. É Limandi introduzindo um vocal de cadência rap em cuja interpretação incita e provoca no ouvinte um estado reflexivo, quase um monólogo inconsciente e letárgico que provoca pensamentos sobre a vida. Eis que One Day I’ll Be Proud se apresenta como uma canção de fortalecimento interpessoal, uma faixa motivacional e autobiográfica que destaca um personagem envolto em persistência, perseverança, autoconfiança e, principalmente, autocontrole em suas emoções para não se desvencilhar do foco de seus objetivos. É por isso que a protagonista concretiza, mentalmente, que um dia ela terá orgulho dos momentos de superação e de provações que a vida lhe proporcionou, pois foram eles que a tornaram mais forte e resistente.
Um adocicado e hipnótico senso de torpor mergulha o ouvinte em um ambiente flutuante, mudo e surdo. É quase como se estivesse flutuando na posição de um personagem onipresente do próprio cosmo. Rompendo esse silêncio oco, Limandi surge com uma interpretação lírica adocicada e ainda mais delicada que aquela da canção anterior. Com raspas sussurrantes e levemente graves, a interpretação lírica assumida para esse novo capítulo torna o timbre da sueca semelhante àquele pronunciado por Billie Eilish. Diante de sobreposições vocais que tornam a atmosfera mais tocante e sentimental, a faixa-título é preenchida por um refrão de lirismo vocálico e ondulante que incita uma espécie de torpor barroco e romântico. Não é de se surpreender que a canção traz uma personagem que toma consciência de atos assumidos por ela quando ainda parte de um relacionamento. Extravasando toques de culpa por perceber, tardiamente, que tais ações foram responsáveis por enfraquecer a sincronia emocional entre ela e seu par, a faixa-título tem, nas entrelinhas, o objetivo de soar como um pedido, uma súplica por perdão, ainda que sob ímpetos inconsequentes e indiferentes que escondem a culpa e o remorso.
Seu início é denso e deixa o ouvinte já em uma postura defensiva e atenta. Nesse tópico, é interessante como os sonares sintéticos e ácidos imitam, mesmo que despropositadamente, riffs sérios e melancólicos de uma guitarra ultrarromântica entristecida. Assumindo um timbre ardentemente doce, Limandi é acompanhada por uma base vocal fanhosa, repetitiva e ondulante que insere o aspecto do rap na melodia da canção. Adornada por delicados tilintares despropositadamente sensuais que, em meio a uma estética eletrônica, transita entre a house music e o rap, gênero que, aqui, é apresentado com uma estética familiar àquela adotada por Bebe Rexha em suas respectivas canções, How Fucking Hard é uma canção de veia contagiantemente melancólica. Uma melancolia que passa pela ausência do autoconhecimento em relação às próprias emoções ou à simples negação das mesmas. Essa é uma carência que chega a atrapalhar seus relacionamentos, mas, ao mesmo tempo, a auxilia a perceber suas fragilidades e suas dependências emocionais, bem como sua baixa autoestima em fazer prevalecer sua própria essência e fazer os outros a aceitarem como ela é.
Um sonar agudo e tilintante chega imitando o xilofone. Sob um baixo de groove bojudo na base melódica, Limandi surge na companhia da reprodução de sons de diversos elementos percussivos que constroem, paulatinamente, a atmosfera rítmica da canção. Com uma sensualidade despropositada e envolta em sobreposições vocais que se apresentam como cantos de fadas com domínio da arte do hipnotismo em decorrência de suas vozes doces, Put The Blame On Me traz a personagem como vítima de julgamento e de uma responsabilidade não correspondida. É aqui que seu par coloca, em suas costas, a culpa por atos realizados quando ainda juntos como um casal. Porém, o mais importante nisso é a percepção da protagonista, mesmo que tardia, de que a sua fragilidade a fez acreditar nas inverdades ditas apenas com a intenção de endereçar a culpa do outro em si.
Se apresentando sob um timbre agudo e limpo de maneira que, indiretamente, comunica uma similaridade com o tom de voz de Tones And I, Limandi assume uma postura sofrida, dolorida e quase suplicante. De interpretação visceral e sem nenhum tipo de tratamento tecnológico, a cantora faz da música um produto doce, mas dramático sob uma base melódica orgânica por conter notas cabisbaixas de um violão gentilmente afetuoso. Hopin’ You’ll Be Fine é, portanto, uma canção em que a protagonista extravasa uma preocupação necessária para com seu ex-companheiro por ele, a partir da quebra do relacionamento, ter mergulhado em um universo sombrio e sanguessuga. Ainda assim, ele é agraciado por um desejo sincero e honesto por ser resgatado de seus próprios demônios motivados por suas densas fragilidades emocionais.
Sob uma estrutura construída entre voz e piano, Limandi mantém a energia dramática latente de Hopin’ You’ll Be Fine. De melodia sentimental e interpretação visceral, Family consegue entregar ao ouvinte um senso demasiadamente nostálgico e transportá-lo para aquele lugar mais significativo de suas memórias de um passado pré-púbere. Um passado descompromissado e leve. Curiosamente, Family é uma música em que Limandi explora um uma família cuja força motriz foi desmembrada pela insegurança e pela ausência de autoconfiança. Uma carência que destruiu a essência de um indivíduo, mas que foi reconstruída não apenas pelo reconhecimento do esforço em reestruturar sua base emocional, mas também pelo amor e pela compaixão. O riso, aqui, foi a prova de que ainda existe sentimento dentro de um coração judiado pela carência de compreensão.
Um chiado é ouvido ao fundo, incluindo, na receita melódica, o lo-fi. De interpretação lírica acelerada e generosamente tremulante, Where You’re Heading To é um epílogo de curta duração que exorta a incerteza sobre um indivíduo sedento por liberdade. Uma liberdade desgovernada que, ao mesmo tempo em que favorece a individualidade, estimula, também, a ocasionalidade de impulsos autodestrutivos.
Como material de estreia, o mínimo a ser dito é que Fuck. It é o resultado da coragem. Coragem de Limandi em se abrir da forma como fez. De expor suas forças, mas também suas fraquezas. De dialogar sobre sofrimentos do coração, mas também de saber motivar o vigor necessário para suportar as dores emocionais.
Pelo título, o EP pode até comunicar indiferença e, de certa forma, realmente exortar esse comportamento. Porém, ainda que tente esconder, o extended play deixa escapar, por pontuais ímpetos emotivos de raiva, culpa e tristeza, as lágrimas que auxiliam a personagem a encontrar o reequilíbrio de suas faculdades sentimentais.
Não é um amor não resolvido, um Adeus dolorido ou a percepção das próprias carências que irão tirar a protagonista do caminho rumo à evolução espiritual e individual. Afinal, esses são degraus que a vida oferece para deixar o indivíduo mais resistente, mais forte e mais equilibrado.
Como um trabalho de uma pessoa só, Fuck. It tem não apenas a produção, mas a mixagem e a arte de capa assinadas também por Limandi. Ela conseguiu fazer com que o EP soasse melodicamente maduro em sua experimentação estética, mesmo misturando elementos que não são comuns entre si. Ainda assim, é um grande mérito da sueca estimular um diálogo entre o pop, o indie, o R&B, o rap e o lo-fi.
Fechando o escopo técnico, portanto, vem a arte de capa. Com um proposital desfoque e regida por diferentes tons avermelhados oferecendo uma alusão ao amor, ela traz Limandi em destaque tentando imprimir uma imponência e um toque indiferente à sua postura. Tais detalhes salientam a vontade inerente da protagonista em buscar pelo próprio autoconhecimento emocional.
Lançado em 15 de janeiro de 2023 de maneira independente, Fuck. It é um EP sobre coragem. Um material sobre autoconhecimento e sobre o enfrentamento das dores do coração. É um EP que, sob as vestes da indiferença, transpira sensibilidade a partir de um enredo autobiográfico que destaca as fragilidades e a vontade de um indivíduo em seguir o caminho do amadurecimento.