Chico Chico & João Mantuano - Chico Chico e João Mantuano

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Chico Chico e João Mantuano. Depois de lançarem discos e participarem de diversos projetos, chegou a hora de uma parceria. E isso foi acontecer agora, no segundo mês de 2021. Afinal, ele foi o momento escolhido para o lançamento de Chico Chico e João Mantuano.


Um bumbo seco e oco é ouvido ao fundo. Esse elemento deixa em evidência, desde o começo, o xaxado como sendo a base rítmica de A Cidade. Com a chegada da guitarra e sua linha com estrutura típica da sonoridade do nordeste, a música ganha uma amplitude na cadência e movimento. Quando o vocal entra em cena, ele se apresenta na forma de dueto entre Chico e Mantuano e imprime toques sutilmente místicos à harmonia. Impressão essa que passa como num piscar e dá passagem para uma melodia groovada e nos moldes do maracatu, tendo como protagonista os elementos percussivos de Lucas Videla. Entrando no aspecto lírico, a canção oferece uma crítica ao capitalismo, à questão da superioridade de classes, à falta de contato com a natureza e ao caráter canibal da estrutura trabalhista urbana.


Um groove sedutor e com forte swing é oferecido ao ouvinte nos primeiros instantes de Largo do Machado. É dessa maneira que Miguel Dias mostra, com seu baixo, as características da canção, um produto com lirismo recheado de rimas perfeitas. A música, porém, possui toques mais exotéricos e astrais trazidos pelas notas aveludadamente crepusculares do teclado de Pedro Fonseca.


Dessa vez o caráter groovado não vem do baixo ou da bateria. Ele vem das linhas rebeldes e swingadas da guitarra. Trazendo uma letra de viés bem humorado sobre os devaneios mentais e o efeito do álcool, Não Tô Entendendo Nada possui uma estrutura rítmica baseada na influência de ritmos diversos, como a MPB, o hard rock e o progressivo. Apesar dessa complexidade, a faixa é de uma leveza e simplicidade grandes, o que a torna uma forte candidata de single de Chico Chico e João Mantuano.


Com protagonismo absoluto do teclado na introdução, Casamento é uma música calcada no blues rock com mais predominância de sonoridades acústicas. De lirismo repetitivo, a letra aborda o ato de negação do relacionamento conjugal e a aceitação de rótulos como o próprio casamento.


O groove retoma seu posto em Mel, uma música de melodia que, por conta dos seus elementos sonoros, remete ao cangaço. Com canto estruturado na forma de dueto, Chico e Mantuano se dividem entre tons agudos e graves, criando uma paleta de cores unificada por tons pastéis. No refrão, apesar das frases repetitivas “balança pra lá que eu balanço pra cá”, o ritmo ganha uma grandeza e uma riqueza de elementos sonoros que o torna belo e sedutor.


O violão traz tons alegres em riffs pausados ao estilo reggae. Em contrapartida, a guitarra surge, juntamente ao bumbo, com força e agressividade em momentos pontuais. Tendo o baixo imprimindo altos níveis de groove, Queixo ou Queixa é mais um produto de Chico Chico e João Mantuano que possui ritmo baseado no maracatu.


Referências à Rita Lee e Cássia Eller são percebidas em Pra Tua. Não apenas pelo estilo vocal e interpretação lírica, mas por conta do ritmo, algo que remete às músicas de ambas as cantoras com facilidade.  Aqui, fica claro que uma das assinaturas sonoras da dupla é o groove acentuado e cadenciado.


Felicidade Fria apresenta aquele ingrediente que faltava em Chico Chico e João Mantuano, a balada melancólica. Com violões em notas tristes e elementos percussivos que transmitem a sensação de chuva, água escorrendo e vento ao ouvinte, a música retrata a depressão e do comodismo em fazer desse sentimento algo natural.


A tristeza continua sendo o mote lírico em Caixinha Colorida, uma música que, apesar do nome, retrata o rompimento de um relacionamento. É verdade que, no meio da tristeza rítmica, existe a nostalgia e a típica luz no fim do túnel, numa tentativa do retomar os sentimentos que ainda existem. Isso é o que a música, de melodia que mistura blues e psicodelia, apresenta a ouvinte.


Morrer Mais Cedo é uma música curta em duração, cômica na forma como João Mantuano interpretou o conteúdo lírico e dramática nas suas melodias e harmonias. Quanto ao ritmo, há nele uma mescla de maracatu com manguebeat que imprime uma cadência característica de Pernambuco.


Que força, que potência, que melodia e que pressão possui a melodia de Medo. Teclado em seu dedilhado ao estilo blues, unido à precisão do bumbo e o groove já conhecido do baixo tornam a harmonia da canção sedutora e cativante, agradando a todos os ouvidos. Como um todo, a sonoridade mistura o sombrio e o tenebroso com um drama não muito latente. Esse detalhe casa perfeitamente com o lirismo visceral de Chico Chico que fala, como o nome da canção sugere, dos medos que cercam as pessoas.


Uma sonoridade típica do rock nacional setentista se faz presente desde a introdução de Vai Com Deus, a saideira de Chico Chico e João Mantuano. A música trata da pressa, do não aproveitamento da vida e da desvalorização para com o ato de viver propriamente dito. Como o ritmo tem certo ânimo, ele não ressalta noções dramáticas, melancólicas ou nostálgicas. É realmente essa dicotomia entre o ânimo do ritmo e a mensagem crítica e dura do conteúdo lírico que faz com que a música seja chamativa.


Chico Chico e João Mantuano, o álbum de estreia da parceria entre o batizado Francisco Eller e Mantuano traz, acima de tudo, brasilidade em sua estrutura rítmica. E nesse quesito, o que acabou sendo a assinatura melódica do duo é o groove do baixo. Intenso, cadenciado e sedutor, ele comanda todas as canções, mesmo que sua participação esteja no campo coadjuvante.


Produzido por Felipe Rodarte, o álbum é bem dividido entre canções solo e cantadas em forma de dueto. João Mantuano possui timbre mais grosso e grave, entregando cores frias que são amenizadas pela interpretação lírica de Mantuano e pela melodia.


Chico Chico, assim como Mantuano, possui timbre grave. Porém, diferente do seu companheiro, o vocal de Chico é mais aberto, o que o torna agridoce. Nesse quesito, é difícil não haver comparações entre seu estilo de canto com o de sua mãe, Cássia Eller. Mas a semelhança entre eles não está apenas no âmbito vocal.


Curiosamente, as músicas em que Chico Chico cantou sozinho possuem uma identificação rítmica muito forte com aquelas interpretadas por Cássia. A exemplo disso estão as músicas Pra Tua, Caixinha Colorida e Medo.


Partindo para a arte de capa, ela é uma mistura de elementos sincronizada. Suas cores e formas remetem ao cangaço. Já os elementos contidos nos desenhos apresentam situações abordadas no decorrer das 12 faixas do disco. E para finalizar, a grafia que Pedro Pessanha escolheu para os nomes dos cantores remete a peças de lego, único fator da arte de capa que não se encaixa com o conteúdo total do disco.


Lançado em 27 de fevereiro de 2021 via Toca Discos, Chico Chico e João Mantuano é maracatu, é manguebeat, é psicodelia, é hard rock, é MPB. Um disco multifacetado que mostra bem o espírito experimental, a afinação e a competência tanto dos cantores quanto dos músicos participantes.





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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.