NOTA DO CRÍTICO
Depois de lançar Coração Louco, primeiro EP cantado em português, a francesa Laure Briard retoma a temática lírica latina e agora, em 2021, anuncia o lançamento de Eu Voo, seu novo Extended Play.
Gravado em Dissenso Estúdio, em São Paulo (SP), Eu Voo tem seu início com a faixa-título. Com um swing tipicamente brasileiro trazido pelo riff curto da guitarra, a música traz Laure empregando uma cadência e um estilo de canto que em muito lembram a forma como Rita Lee interpretava suas respectivas canções no início dos anos 70. De outro lado, é difícil não notar o forte sotaque francês da vocalista, mas é exatamente esse fator, unido à suavidade, que dá um ar autêntico à faixa.
Com base na métrica MPB chega Morena na Janela, uma música de um groove setentista que em muito lembra as danceterias. Tudo isso graças à união do baixo de Fernando Almeida e do teclado de Vincent Guyot que criam uma energia quase sintética à melodia. Fora isso, é possível notar elementos progressivos. É curioso que as duas faixas até aqui apresentadas apresentam característica de um mesmo período, a década de 70 no Brasil. Mas enquanto a faixa-título remete à Rita Lee, a presente música tem forte influência rítmica nos Novos Baianos.
Essa pegada de Novos Baianos segue firme em Não Me Diz Nada, uma música que ainda consegue flertar com o jazz de forma sutil e trazer uma miscigenação instrumental. Há instrumentos de sopro como saxofone e clarinete dividindo espaço com o trio já convencional bateria-guitarra-baixo que enriquecem a canção e dão novos ares à canção.
Tranquila como a brisa do amanhecer. Suave como frescor do entardecer. É esse sentimento de conforto e aconchego que é transmitido ao ouvinte em Pássaros, uma música que em muito lembra a sonoridade empregada pelo grupo luso-brasileiro Banda do Mar.
Supertrama continua com uma levada singela em que o protagonismo inevitavelmente é a bateria de Ynaiã Benthroldo. Afinal, mesmo sutil sempre é a interpretação de Ynaiã que molda a ação de todo o resto instrumental. De outro aspecto, a faixa traz, como o nome sugere, uma trama vivida pelo eu-lírico em relação ao término do relacionamento e ao marasmo da vida.
Dedilhados da guitarra chamam por uma sutileza potencialmente destrutiva. Essa sutileza, em Respire, logo oferece passagem para um ritmo calcado no blues e que transmite um contágio até então inexplorado em Eu Voo. É uma música de ritmo grudento, cativante e de um lirismo mais compreensível. Por essas razões, a saideira do EP é definitivamente o principal single do recente trabalho de Laure Briard.
Antes de mais nada, Eu Voo pode ser definido como um trabalho experimental de Laure, pois transita por diferentes gêneros e traz sua pronúncia em português ainda em desenvolvimento. O que cativa o ouvinte, portanto, é a estética rítmica que é majoritariamente surpreendente por misturar elementos tão antagônicos como o progressivo e o MPB.
Mas não só isso. O tom de voz de Laure é extremamente agradável e casa bem com as melodias recheadas de sonoridades tão distintas como os gêneros musicais abrangidos no EP. E no que se refere à sonoridade propriamente dita, a dupla de guitarras exercida por Benke Ferraz e Gabriela Terra em muitos momentos foi responsável pela imersão rítmica na estética setentista.
E assim novamente vem à tona o caráter experimental de Eu Voo. Esse detalhe tem seu último ponto de parada na arte de capa de Lou Benesch. Afinal, ela mistura elementos astrológicos numa tentativa de ser algo transcendental com outros detalhes que remetem ao tropical.
Lançado em 19 de fevereiro de 2021 via Midnight Special Records, Eu Voo é um EP leve, atemporal em sua melodia e miscigenado em elementos sonoros. Um trabalho que reafirma o potencial de composição de Laure Briard e mostra que a cantora francesa está no caminho certo para a aquisição da brasilidade.