Avenged Sevenfold - Life Is But A Dream...

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Ele é o primeiro material de inéditas desde 2018, quando o quinteto californiano anunciou o EP Black Reign. Produzido entre 2018 e 2022, Life Is But A Dream… foi gravado nos estúdios Henson, Joe's House of Compression, Costa Mesa Sound e Sony Scoring Stage. Material é o primeiro disco de estúdio do Avenged Sevenfold desde The Stage, anunciado em 2016.


É doce e sereno como marolas fazendo seu vaivém em um entardecer de outono. Enquanto o violão surge suave em seus dedilhares que flertam com roupagens como o fado e o flamenco, o mellotron de Synyster Gates encarna uma performance chorosa, mas encantadoramente educada e introspectiva. De súbito, explosões uníssonas e ásperas fazem os ouvidos mais desavisados saltarem e gotas de suor escorrerem pelo seio da face em sinal de alerta. Afinal, o que o Avenged Sevenfold oferece como cartão de visita é um thrash metal agressivo em que a bateria de Brooks Wackerman surge com um groove explosivo e quase ensurdecedor cuja conjuntura inicial muito lembra aquela de Hardwired… To Self-Destruct, single do Metallica. Preenchendo o escopo melódico, M. Shadows vem com um vocal grave e rasgado que flerta entre a alucinação e a loucura consciente. Rápida e atordoante, Game Over é uma música que narra a trajetória de vida de um personagem emocionalmente frágil que não se vê pertencente a uma estrutura de vida social predeterminada. Um alguém que nem ao menos se reconhece ao se olhar no espelho e que escolhe a atitude mais drástica para pôr fim às suas confusões sentimentais. O interessante em Game Over é que o verso de encerramento traz um viés reflexivo em apresentar os dizeres “life is but a dream anyway”.


De guitarras graves e trotantes, a introdução segue o conceito do caótico proposto em Game Over. Entre brisas macias vindas do rhodes, uma base azeda e atordoante segue de mãos dadas com um vocal de interpretação entorpecente. Fluindo para uma estética metalizada, Shadows assume um caráter lamentoso, cínico e louco que, para Mattel, se encaixa com a proposta do enredo. A faixa propõe um diálogo sobre o vazio existencial, falsidade estrutural e uma manipulação proposital para esconder a essência de cada indivíduo, fazendo-os se esquecer quem são. Não por menos que os versos: “pull my string and make me cry” e “advertisement, moral scrawl” definem bem o que a letra de Mattel sugere. 


Ácidas, cortantes e tenebrosas, as guitarras de Gates e Zacky Vengeance surgem como um obsessor sugando as energias de um indivíduo sofrente. Enquanto uma soa aguda e ríspida, mas de olhares cínicos e debochados, a outra vem, uma camada abaixo, mais grave, como um líder observando o aluno colocando em prática o que foi aprendido. Quando o chimbal aparece sincopadamente seco, mas incômodo como um zumbido, o sintetizador de Jason Freese vem fazendo um efeito eletrônico-flutuante semelhante àquele desenhado pelo Geddy Lee no teclado presente no amanhecer de Tom Sawyer, single do Rush. Precisa e mantendo, até mesmo em maior grau, a veia industrial das canções anteriores, Nobody é densa, dramática e com presenças de frases agudas de uma guitarra desesperada e atordoada. Esta é uma obra caótica em que o personagem tenta se perceber, se encontrar e se identificar como indivíduo singular. Uma canção que, inclusive, dialoga sobre a pequenez do ser humano em meio ao universo, sobre o ciclo da vida e a infinidade do espírito.


Enquanto a bateria surge em grooves metralhantes, Shadows vem com um vocal nauseante e com traços de uma loucura psicótica. Entre rompantes bojudos que engrandecem subitamente determinadas frases melódicas, o baixo de Johnny Christ dá passagem para um momento em que o sintetizador assume um caráter ondulante e embriagante que evidencia uma guitarra ríspida, raivosa e de olhares cinicamente destrutivos. Baseada em uma mistura de nu metal e heavy metal, We Love You é uma canção psicótica, agonizante e propositadamente desconfortável que dialoga sobre ganância, sobre insaciedade, insanidade e vícios que constroem a essência de um indivíduo inconstante, intenso e manipulado pela falsa necessidade de grandeza e poder.


Como palavras soltas ao vento. Como suspiros de uma melancolia passageira. Como súbitos de um sofrimento passado. A interpretação de Shadows na introdução confunde veludo com torpor, delicadeza com uma brutalidade adormecida. Acompanhado de uma guitarra acústica suspirante junto de notas adocicadamente ácidas do hammond, o vocal segue seu viés choroso em uma estrutura melódica minimalista que, inicialmente, beira o psicodélico. Crescendo gradativamente em harmonia, a canção tem seu compasso rítmico acelerado pela secura sequencial do chimbal. Embriagada em um metal progressivo sensual, gritante, transpirante e capaz de representar em som o auge do prazer, Cosmic oferece ao ouvinte uma narrativa propriamente romântica que traz um amor transcendental, atemporal e infinito, que segue por várias outras vidas e existências. É o destino das gerações atuando para que duas almas novamente se encontrem para ficarem juntas em uma nova oportunidade terrena. 


Com um doom metal lancinante, o sombrio toma conta de um espaço escuro em que a luz luta para conseguir romper as densas camadas de nebulosidade. De ambiência lentamente agressiva, a melodia vem áspera, mas curiosamente reprimida em sua necessidade inegável de explosão. De timbre mais azedo e uma interpretação que comunica um senso de conformação imposto, Shadows apresenta ao ouvinte um enredo em que o personagem lírico tem consciência de seu instinto destrutivo e pede ajuda antes que seu id fale mais alto que seu superego. Beautiful Morning é a descrição da dualidade, da antítese entre aquilo que se acredita ser o céu e o inferno. Uma canção em que o indivíduo clama por uma reconexão à sua própria essência para se convencer de que seu lugar é nas profundezas.


De sonar metálico, ácido e eletrônico, a canção se inicia comunicando ao ouvinte que pode vir a ser a primeira faixa de teor sonoro ameno do álbum. Confirmando em partes tal preceito, a música evolui para um misto de frases aveludadamente melódicas e outras graves, densas e ríspidas. Enquanto uma raiva enigmática vai escapando pelos poros rítmicos lineares, o ambiente vai escurecendo e tomando uma postura cada vez mais doom, porém em menor grau daquele obtido em Beautiful Morning. Trazendo um enredo que, surpreendentemente, serve como uma lição de vida sem muita metáfora, Easier oferece um conteúdo que ensina, motiva e instiga o ouvinte a enfrentar as adversidades da vida ao invés de optar por meios mais fáceis e rápidos de ter a sensação de falsa liberdade desses mesmos empecilhos. É a coragem do embate ante a covardia da fuga narrada, novamente, com generosa aspereza e agressividade.


A pele, os olhos, o cabelo. A veia da canção que se inicia, de maneira escancarada, vem com base em um progressivo baseada na receita criada pelo Rush, impressão principalmente estabelecida através da afinação da guitarra solo e da sincronia malabarista entre ela e a bateria. Se mostrando algo generalizado, alcançando também a guitarra base, o teclado e o baixo, a faixa possui frases melódicas, mas complexas e propriamente artísticas. O que chama a atenção em G não é nem o melodioso progressivo introdutório, mas a versatilidade com que ela transita entre ele e um heavy metal sujo em que o vocal não vem introspectivo, mas sim contido em suas frases que beiram a ordem. Acompanhado de um dueto adocicadamente feminino criado por Brianna Mazzola e Taura Stinson, G é uma faixa sobre o ocasional e o destino, mas também uma faixa que, curiosamente, aborda de maneira ácida o comportamento de má-fé e também o egoísmo. 


Embriagante, macia e de viés eletrônico. A introdução do novo amanhecer vem de caráter tecnológico, mas capaz de oferecer curiosos sensos de torpor. Executado unicamente a partir do sintetizador de Freese, o início consegue introduzir na receita melódica pitadas de uma new wave sem o excesso de aroma setentista. Conforme os instrumentos vão entrando, um por um, sendo bateria, baixo e guitarra, respectivamente, um mergulho na sonoridade do soft rock é experimentado, o que faz de (O)rdinary a primeira faixa de Life Is But A Dream… que a veia intensamente metalizada e industrial é, de fato, suavizada. Não à toa que, em alguns momentos, a melodia parece até mesmo ser baseada na sonoridade marcante do Red Hot Chili Peppers. Como a faixa mais curta do álbum, (O)rdinary é uma canção que apresenta um personagem robótico que, surpreendentemente, deseja ter a capacidade do sentir, do enxergar e do sonhar. Um indivíduo de caráter virtual que deseja ter alma humana para poder vivenciar todas as emoções que um ser humano sente. Mesmo enxuta, (O)rdinary soa como uma das faixas mais significativas do álbum por questionar a insensibilidade e a cegueira emocional causada pela rotina e o menosprezo ao mesmo tempo em que tenta reconstruir a pureza e a honestidade sentimental da humanidade. Quase como recriando a base do enredo da animação Projeto Zeta, G é uma reflexão de como os sentimentos são tratados pelas pessoas.


Seguindo a premissa de ousadia em sair da zona de conforto do heavy metal industrial, um aroma perfumadamente floral e esvoaçante plana pelo ambiente através de uma melodia jazz criada pela Orquestra Sinfônica de San Bernardino guiada pelo condutor Anthony Parnther. É assim que o Avenged Sevenfold leva o ouvinte ao passado, mais especificamente a um clube jazz nova-iorquino dos anos 1930. Dando respeito à proposta melódica da faixa, Shadows vem com um vocal limpo, sem drive e de maneira a mostrar a similaridade de seu timbre com o de Corey Taylor de forma mais evidente. Com influências nítidas da roupagem de My Way, single de Frank Sinatra, (D)eath surpreende por, em meio à calmaria, um breve instrumental coloca dramaticidade, intensidade e dor em cuja guitarra sonoriza as lágrimas repreendidas pelo torpor. De maneira assustadoramente impactante, (D)eath apresenta um enredo que captura os últimos instantes antes do ato do suicídio. A calma e a tranquilidade de um indivíduo certo de sua atitude planejada. Uma ação que, claramente, tem sido orquestrada por muitos dias cujo intuito é, finalmente, acordar e ver o raiar de um Sol que traz a possibilidade de reconexão e recomeço.


Com bailes de sobreposições de pianos que sonorizam a ambiência de uma cena clássica, a faixa logo apresenta uma mistura de torpor e leveza, dramaticidade e uma breve noção de transcendentalidade. É como a fusão de Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven, mas cuja maior referência vem de Frédéric Chopin. A faixa-título mostra a veia artística classicista de Gates ao apresentar um instrumental minimalista em sonoridades, mas grande em emoções e texturas sentimentais. Propositadamente, a faixa encerra o álbum como o som do inconsciente e da criação de paisagens, figuras, sabores e aromas artificialmente desenhados pelo repertório de vivências de uma mente adormecida. É o acesso ao sono REM sonorizado por uma apresentação bela e delicada de um piano feliz pela sua solidão.


Socioanalítico é talvez uma das melhores formas de descrever o que é Life Is But A Dream…. Tendo uma forte veia existencialista, em que avalia a sociedade em seu modus operandi, o álbum é um material político no sentido de defender ideias anarquistas no intuito de fazer o ouvinte refletir sobre sua própria vivência.


Agressivo, denso e, para muitos, até mesmo barulhento e dissonante, o álbum de fato choca pela densidade cortante de suas melodias. Porém, elas, tal qual são apresentadas, servem como forma de chamar a atenção do espectador para a forma como ele vê sua existência, seus atos, suas valorizações e suas prioridades.


Embebido sobre a ótica existencialista, Life Is But A Dream… ainda acompanhar o ouvinte por terrenos que discutem o amor, a solidão, a ganância, o egoísmo, a covardia a vida e a morte. Entre cenografias que se misturam entre os devaneios do inconsciente e realidades táteis, o álbum surpreende por, também, transitar por sonoridades que traduzem o estado de loucura, esquizofrênico e psicótico.


Com melodias explosivas e ácidas, o álbum apresenta um Avenged Sevenfold ainda mais metalizado, consciente e maduro. Isso pode, inclusive, ter sido ocasionado pelo emprego de Andy Wallace e Joe Barresi na mixagem. A partir da atuação de tais profissionais, o disco apresentou ao espectador uma viagem por ambientes sonoros como heavy metal, thrash metal, avant-garde metal, doom metal, nu metal, rock progressivo e o rock psicodélico.


Bem equalizada e finalizada, a mixagem explora uma veia industrial que torna Life Is But A Dream… uma obra experimental que, estilisticamente, soa como a irmã mais velha e politizada de Chinese Democracy, o sexto álbum de estúdio do Guns and Roses conhecido como ‘disco eternamente adiado’.


Com essa essência sonora, o Avenged Sevenfold rechaça o capitalismo e a estrutura social que dele se constrói de maneira a, assim como fez o M’Z em La Civilisation De La Graine, apresentar um posicionamento que, apesar de por vezes soar anarquista, pender para a bancada da esquerda.


Não à toa que até mesmo sua arte de capa apresenta similaridades. Criada por Wes Lang, ela traz uma essência mórbida ao apresentar a personificação caveiresca da morte em pose de superioridade ante seus súditos penosos representados por um vulto preto. Pelo viés político presente nas entrelinhas, a obra se familiariza com o desenho de Stéphanie Artaud por oferecer a ideia de dominação.


Lançado em 02 de junho de 2023 via Warner Records, Life Is But A Dream… é um álbum social e existencialista que funciona, acima de tudo, como um convite desesperado pela reflexão sobre a vida e sobre como o ser humano lida com suas próprias emoções. Um álbum consistente e pungente que traz a vida como um instante do cosmos e escandaliza o menosprezo generalizado da capacidade humana de sentir.




















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.