Aline Happ - Branching Out

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

A pandemia foi a responsável pelo seu nascimento, pois a partir dela, a atitude de Aline Happ em dar outra roupagem a canções conhecidas chamou a atenção do público. Com isso e respaldada de um financiamento coletivo que superou a marca de R$ 40 mil, a cantora conseguiu criar e, enfim, lançar Branching Out, seu disco de estreia em carreira solo.


É como o entrar em um sonho. A conjuntura melódica fornecida através da junção de violino, harpa e bateria cria uma leveza de transcendentalidade palpável e capaz de levitar o ouvinte durante a viagem ao seu próprio inconsciente. Guiada por uma voz grave vinda de Aline Happ, mas de essência serena em seu timbre gutural, a canção tem um amplo teor místico que é como se, nos devaneios mentais do ouvinte, sua alma fosse transportada para um cenário de natureza fantástica. De leves toques nasais, a narradora acompanha o ouvinte por Join Me, uma canção de influência nítida de Enya, cujo enredo propõe uma espécie reenergização espiritual para reequilibrar mente e corpo durante o curso da vida. Entre uivos guturais, a música tem na guitarra de Rod Wolf a textura que fecha a estética sonora com sua agudez melódica e serena.


Os ouvidos se colocam em alerta ao passo que os pelos do corpo se eriçam. A melodia que se inicia já é conhecida, mas desde seu despertar, a nova roupagem surpreende pela ousadia. Entre violinos e golpes espaçados da bateria dando a cadência rítmica, o ouvinte logo percebe se tratar de uma adaptação de Wasted Years, single do Iron Maiden. Interessante perceber que, mesmo embebida em serenidade, a nova sonoridade não consegue esconder a densidade da versão original. De ambiência levemente céltica, a proposta de Aline para a reinterpretação é ter nos elementos percussivos o ingrediente que vai além da pressão e atinge o máximo contágio. De escolha pensada ou não, Wasted Years é uma canção que se alinha com a proposta lírica de Join Me por incentivar o ouvinte a viver o momento sem pensar no amanhã, evitando, assim, o remorso de não ter experienciado o que a vida proporcionou.


De tons aveludados, mas não amaciados, a canção traz consigo uma alegria rejuvenescedora. Tal como aconteceu na adaptação de Wasted Years, a presente canção tem na percussão o elemento que entrega pressão e um contágio que vem de dentro. De refrão vívido por uma bateria levemente explosiva e pela guitarra elétrica, mas não enérgico como deveria ser, Sea Of Dreams apresenta Aline, entre falsetes, motivando o ouvinte a se despir de suas próprias inseguranças. Dessa forma, metaforizando a partir de uma ambiência navegante, Sea Of Dreams propõe que o espectador se lance, livre de travas emocionais pre-construídas e confiante em sua própria essência, no desconhecido caminho do destino.


A harpa imita o violão. Na base, chiados trazem uma ligeira noção lo-fi à calmaria entorpecida. Junto ao sonar de violinos, a introdução exala uma ambiência doce, mas dramática em sua essência. Angelical e até mesmo transcendental, a adaptação de Send Me An Angel, single do Scorpions, é de um dulçor diferenciado. Aconchegante, enigmático, floral e, principalmente, de veia céltica. Como se estivesse sendo tocada e ecoada pelas florestas temperadas, a escolha da canção não foi por acaso. Seguindo a mesma linha narrativa das canções anteriores, a presente faixa, com sua nova roupagem, traz uma história contada em forma de fábula que, nada mais nada menos, ensina o personagem a se encontrar. O autoconhecimento é um objetivo que leva à plenitude da vida por ensinar a lidar com as próprias emoções, a se desvencilhar das eventuais nuvens sombrias vindas do horizonte e a confiar no próprio potencial.


Ela amanhece com uma cantiga céltica. Um coro de sobreposições vocais regidas por um batuque de caráter até mesmo indígena. Depois de um silêncio súbito, a flauta doce dança de forma quase hipnótica até apresentar as primeiras linhas líricas. Desde seu despertar, ela se diferencia drasticamente da versão original, o que é surpreendente. A nova roupagem feita por Aline para Lady In Black, single do Uriah Heep. Assim como as outras adaptações, a presente faixa traz um lirismo cuja narrativa é embebida em técnicas de storytelling por ser marcante, penetrante e imagética. De caráter cenográfico, a canção discute a insensibilidade associada ao senso desmedido de poder ao mesmo tempo que frisa ao ouvinte o fato de que, apesar de parecer, ninguém nunca está sozinho. Sempre existe uma figura mística acompanhando nossos passos e nos protegendo dos caminhos mais tortuosos.


É como o veludo do cobertor abraçando o corpo em uma noite fria. Enquanto o vento esbraveja do lado de fora, um estranho senso protetor e acalentador invade o conforto da cama, como se ali, nenhum perigo alcançaria o personagem. Pela valsa gélida e doce da harpa, embebida em um sobrevoo melancólico dos violinos trazidos pela programação, a adaptação de Dust In The Wind, single do Kansas, ganha toques entorpecentes contagiantes. De interpretação vocal semelhante àquela de Steve Walsh na versão original. Introspectiva, mas tocante e ao mesmo tempo intensa em suas nuances de delicadeza reflexiva. Como uma canção que pensa sobre a relação com o tempo, as prioridades da vida e a insignificância do homem em comparação com o universo e com o relógio, a faixa, com sua intenção de ensinar a aproveitar o momento, casa com a proposta já definitiva de Branching Out de meditar sobre a vida e como dela usufruímos


É como um perfeito time lapse do céu. O passar do tempo sob os olhos do horizonte que, por vezes límpido, por vezes nebulosos e por vezes recheado de gotas de nuvens, assiste os diversos amanheceres e anoiteceres. Entre tempestades brutas e calmarias estonteantes, a vida faz seu curso com começo, meio e fim. Com doçura, mas regada de uma nostalgia tocante, Aline se utiliza de Flower Of Light não somente para elogiar, mas também para agradecer pela convivência e presença do metafórico lírio-branco em sua vida. O Adeus para sua avó é regado a lágrimas de emoção e gratidão pela figura de um ser que, agora, caminha no além-céu como uma estrela-guia pelos caminhos da vida. Um corpo cósmico cuja função se assemelha àquela de Lady In Black.


O som do violino levemente dramático forma um horizonte de tons rosados, mas que guardam um toque de mistério. De leves estridência e até mesmo náusea, o aroma hipnótico vai ganhando sabores mais adocicados e melódicos conforme os tilintares da harpa vão se encaixando no escopo sonoro. Entre sobreposições vocais, o conforto se torna visível em relação à escolha da canção para a adaptação, afinal, Sleeping Sun é um single do Nightwish, um grupo famoso por difundir o metal sinfônico finlandês, cujas cantoras que por ele passaram desfilam consistência em seus vocais sopranos. Se sentindo em casa, portanto, Aline faz da nova roupagem um material de textura mais branda que auxilia ainda mais na compreensão de que o enredo de Sleeping Sun simplesmente tem a função de humanizar e desdemonizar o sentimento da tristeza. Curiosamente romanceando a morte, a canção tem também uma veia mórbido-romântica em que o protagonista deseja estar ao lado da pessoa amada até mesmo no processo de morrência.


Uma magia mística tinge as nuvens em tons mistos de vivacidade e gelidez. Tal como se estivesse em uma dimensão espiritual, a maciez, educação e leveza com que o sonar dos violinos se pronunciam na base melódica traz uma noção de conforto resplandecedora. Curiosamente, a interpretação feita por Aline em The Sound Of Silence, single da dupla Simon & Garfunkel, vem com um soprano mais encorpado em relação àquele da releitura de Sleeping Sun, causando um efeito mais transcendental que é acentuado pelas pronúncias nasais da cantora. Como uma canção que traz uma espécie de presságio por apresentar uma realidade distópica regida pelo senso de alienação social mesmo perante eventos interativos, The Sound Of Silence ajuda Branching Out na sua trajetória do pensar sobre a vida e as iniciativas que nela tomamos, ainda que traga uma abordagem mais sinistra que as demais faixas.


O tilintar agudo que parece imitar o sonar do xilofone entra em cena produzindo uma melodia que marcou o início dos anos 2000. Ela consiste em uma adaptação céltica do sobrevoo entorpecido proporcionado pelo sampler de Joe Hahn no alvorecer de Crawling, single do Linkin Park. Retirando a densidade áspera e visceral da versão original, a nova roupagem criada por Aline sugere algo mais espiritual, indie, folk e, principalmente, mágico. Entre afinados falsetes pronunciados pela cantora, o ouvinte percebe que a escolha da canção para ser palco de releitura segue os mesmos passos de The Sound Of Silence. Com enredo lírico mais intenso e de caráter angustiante, a faixa traz um personagem preso e agoniado pela presença aterrorizante de um passado tenebroso que o faz se perder de si em meio aos medos, inseguranças e perda de autocontrole. Como um grito de socorro, a canção, mais do que apresentar um indivíduo caminhando entre a tênue divisa entre a loucura e a realidade, traz a sensibilidade, a pureza e a bondade de um ser que deseja apenas seguir o curso da vida sob a perspectiva de que o ontem foi somente fantasia.


É como um chamado espiritual. Um uivo melódico e hipnotizante que soa como um sopro do inconsciente ditando os próximos passos a serem dados na arte da vida. Aromática como um perfume adocicadamente cítrico que paira por um jardim fantástico, a melodia cria um céu solar embebido em uma gama reconfortante que sugere algo como a volta do personagem para seu porto seguro. Agraciada por um senso pacificante e reenergizante, Home é uma faixa de estética indie-folk-céltico que, assim como as demais obras autorais e adaptações, tem na programação dos batuques percussivos o ato do contágio, o arrepio da espinha. Home pode dar ao ouvinte diversas interpretações, sendo as mais marcantes a reconexão com sua própria essência e o retorno ao lar físico. Na segunda veia interpretativa, é possível perceber a retomada da autoconfiança como também uma espécie de reenergização espiritual para estar apto a voltar à jornada da vida. Como a metáfora da doação de bioenergia, que aqui se configura de um local a uma pessoa, Home é a reconexão, o reequilíbrio, a volta às origens para lembrarmos de quem somos. Um enredo que se configura como uma espécie de continuação da trajetória lírica proposta em Join Me.


A flauta, a base de violinos e o sonar agudo-estridente do alaúde espanhol dão à melodia uma atmosfera folk mística que, surpreendentemente, refresca na mente do ouvinte a sonoridade perpetuada pelo Greta Van Fleet. Entre sobreposições vocais que conferem à ambiência melódica um teor espiritual, a adaptação de Stairway To Heaven, single do Led Zeppelin ganha um dulçor diferenciado com os dedilhares da harpa após a primeira estrofe. Épica, a faixa traz um enredo sem um personagem específico, mas cuja mensagem é clara no seu ensinar ao ouvinte de modo geral a dar voz à razão, a veracidade da máxima de caos e efeito. Stairway To Heaven, em suma, tem a intenção de o Led Zeppelin comunicar a importância da união, do senso de comunidade; da possibilidade de recomeço a partir do se libertar das sombras. É o perdão e a redenção de uma alma que saiu do caos a caminho da luz e cujo solo de guitarra final, protagonista, presente e bem executado, representa justamente a conquista do perdão.


Ele de fato é um quebra-cabeça. Uma obra criada com pedaços já lapidados e com diamantes ainda brutos. Branching Out traz Aline Happ se despindo das vestes do Lyria e experienciando um mundo fantástico, espiritual e transcendental que, com extrema educação e generosidade, apresenta um ensinamento de como lidar com a vida, com as emoções e consigo mesmos.


É um álbum montado com quatro canções próprias e oito adaptações que mostra a sensibilidade que exala intensamente de Aline. Nesse aspecto, é passível a existência de desconexão entre os enredos das músicas. Porém, a seleção daquelas que receberiam adaptações foi meticulosa a ponto de se encaixarem às autorais e soarem como um único enredo, linear e contundente.


Falando sobre a vida, refletindo sobre a pequenez do ser humano na grandiosidade do universo, pensando sobre o luto e a saudade, bem como ensinando a como lidar com as emoções e a se reconectar consigo mesmo. E nesse aspecto, se enquadram a adaptação de Send Me An Angel e a autoral Home.


Branching Out ainda traz surpresas, como as moldagens de The Sound Of Silence e Crawling. De enredos mais densos e fugindo ligeiramente do viés espiritual que emana do álbum, as faixas refletem intensamente sobre a psiquê e sobre o comportamento humano entre angústias e lamentações.


Ainda assim, Flower Of Light, Sea Of Dreams, Join Me e Home, como obras autorais, mostram a delicadeza da musicalidade de Aline e seu intuito reflexivo-motivacional. Evidenciando a gratidão associada à saudade, perpetuando a autoconfiança e propondo um reequilíbrio energético, as faixas são como um único organismo que emana sabedoria e compaixão.


Desse quarteto é que respingam ensinamentos que estão bem presentes principalmente nas adaptações de Dust In The Wind, Lady In Black, Wasted Years e Send Me An Angel. As faixas, além de estarem embebidas em narrativas em tom fabulesco, trazem noções de storytelling que deixam seus enredos penetrantes na disseminação de ensinamentos sobre a relação com o tempo, o respaldo da fé, a valorização do presente e autoconhecimento.


Sem precisar mencionar, Branching Out é um expoente do folk céltico com notas de indie e lo-fi cujas melodias apresentam uma infelicidade estrutural. Mixado também por Aline, o álbum apresenta uma falha de equalização por não entregar às faixas a devida pressão, o que as fazem soar tão brandas que são capazes de sumirem na primeira brisa.


Fechando o escopo técnico do álbum, vem a arte de capa. Também de autoria de Aline Happ, ela consiste igualmente em uma adaptação. Reverenciando a figura de Aline sob vestes que a transformam em uma espécie de Branca de Neve fantástica, a obra faz menção ao folclore céltico a partir das identificações da figura do elfo a partir da personagem central.


Lançado em 31 de maio de 2023 de maneira independente, Branching Out é um álbum fantástico, transcendental e folclórico. De veia melódica nórdica, o álbum apresenta uma Aline Happ aquém da zona de conforto do metal sinfônico, mas embebida na função de motivar, educar e refletir sobre a vida, sobre a essência do indivíduo e sobre o mundo ao seu redor.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.