NOTA DO CRÍTICO
Novembro de 2017. O mês que viria ao Brasil três dos grandes nomes da indústria do rock and roll mundial. Em um único dia, as cidades de Curitiba (PR), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) iriam receber ZZ Top, Lynyrd Skynyrd e Deep Purple no festival Solid Rock. Não apenas a mistura de subgêneros como o blues, o country e o progressivo, mas o evento seria uma grande experiência para os amantes do rock.
Mas não durou muito e houve a primeira mudança no lineup. Em outubro, ZZ Top cancelou sua participação no evento devido a uma doença estomacal contraída pelo baixista e vocalista Dusty Hill, pondo fim à Tonnage Tour. No seu lugar, entrou o grupo de hard rock estadunidense Tesla. Esse, por sua vez, faria, depois de 36 anos de estrada, sua estreia no Brasil.
Um mês depois, foi a vez do Lynyrd Skynyrd cancelar seus shows ao lado de Tesla e Deep Purple no Solid Rock. Em novembro, a filha do vocalista Johnny Van Zant foi diagnosticada com uma doença chamada Linfoma Linfoblástico Agudo dando fim à turnê sul-americana do grupo. Em resposta, o Lynyrd Skynyrd informou que os hard rockers do Cheap Trick fariam sua substituição. E assim se deu o lineup do evento. Tesla, Cheap Trick e Deep Purple.
Por fim, depois pela passagem por Curitiba (PR), foi a vez de São Paulo (SP) receber o Solid Rock. Marcado para acontecer no Allianz Parque, o evento começou pontual, como previa a organização. Às 18hs30 entrava o Tesla no palco do estádio. A plateia era quase nula, e quem se fazia presente, se mostrava tímido, sem ânimo para a novidade que se apresentava.
Porém, bem pensado ou não, os integrantes Frank Hannon, Brian Wheat, Jeff Keith, Troy Luccketa e Dave Rude abriram a performance com um jeito singelo de dizer: “Calem a boca e nos ouçam. Vocês vão gostar!”. Dito e feito. A matadora Edison’s Medicine traz logo de cara um riff marcante de guitarra, que lembram vagamente de Van Halen, se encontrando com a bateria e o baixo em uma levada típica do hard rock dos anos 1980.
As pessoas se entreolhavam com semblantes de surpresa umas às outras frente à pressão apresentada pelos novatos. O swing apresentado pelos instrumentos e o drive do vocalista Jeff Keith faziam o papel primordial de aquecimento. Chifres do rock eram vistos em cada canto da plateia, sempre acompanhados com o balanço de cabeça típico do rock and roll, cabelos sendo jogados para frente e para trás.
Porém, foi com Heaven’s Trail, de The Great Radio Controversy, o segundo disco de estúdio da banda, que o público se empolgou e começou a apresentar outra energia ao show. Porém, Love Song, uma balada do mesmo CD, não surtiu o mesmo efeito. A plateia amornou novamente.
Mas Telsa não se intimidou e, em uma 1hs30 de show, percorreu por toda sua discografia de 14 trabalhos de estúdio. Hang Tough surgiu na tentativa de reanimar os presentes, com sucesso. Nessa canção, em especial, se percebeu a completa semelhança na técnica vocal e timbre de voz de Keith com o vocalista do Aerosmith, Steven Tyler.
Aos 59 anos, Jeff Keith comandou uma performance calcada em grandes sucessos que se intercalavam entre baladas e o hard rock com uma influência levemente europeia. Nesse quesito, a sonoridade e os vocais traziam a lembrança do grupo suíço Gotthard. Semelhanças a parte, Tesla conseguiu mostrar seu potencial, sua pressão e suas presenças de palco e sonora que se encerraram ao som de Modern Day Cowboy. Ótimas boas-vindas a vocês.
Ao final da apresentação, uma dispersão rápida do público. Uns sentavam, outros deitavam. Mas aqueles que estavam ali presentes apenas e tão somente para assistir aos veteranos ingleses do Deep Purple protegiam seus lugares do jeito que fosse. Com mochilas, casacos ou restos de comida.
Pontualmente às 19hs30, o Cheap Trick também entrava no palco do Allianz Parque para dar início à sua estreia na Terra da Garota. Hello There foi a música de recepção escolhida. Com um início semelhante à sonoridade trazida pelo grupo de country rock Creedence Clearwater Revival. Com mais interação do público que a banda antecessora, os integrantes Rick Nielsen, Robin Zander, Tom Peterson e Daxx Nielsen conseguiram arrancar mais gritos e pulos da plateia.
Logo na quinta música do setlist, uma surpresa. O Cheap Trick incluiu a canção She’s Tight, do disco One On One, de 1982. A música foi recentemente posta em evidência pelo grupo de hard rock Steel Panther, que fez um cover da mesma e a incluiu no seu disco de estúdio mais recente, o intitulado Lower The Bar, lançado neste ano.
Com mais presença de blues e com uma levada mais clássica, o grupo tocou um total de 19 canções durante seu tempo de permanência no estádio. Nesse meio tempo, houveram quatro trocas do plano de fundo eletrônico e até a substituição de Robin Zander pelo baixista Tom Petersson no comando do microfone durante a execução de I’m Waiting For The Man, um cover do grupo The Velvet Underground.
Porém, essa não foi a única realização de cover no show. Fats Domino e Big Star também foram homenageados no set com as canções Ain’t that a Shame e In The Street, respectivamente. Mas, foram com as canções próprias Dream Police e Surrender que o Cheap Trick conquistou o público.
Em Dream Police, com seu riff e tonalidade parecidos aos da canção Baba O’Riley, do The Who, a plateia respondeu bem à performance, cantando junto e pulando. Já com Surrender, mais conhecida do que a anterior, o restante das pessoas ainda não atingida pelo potencial do grupo também foi conquistada até a execução final, da música Goodnight Now.
Um fato curioso do Cheap Trick que poucos têm conhecimento, é que, no ano passado, o grupo foi incluído no time do Rock and Roll Hall of Fame na categoria performances. Talvez esse reconhecimento já bastasse para mostrar que o grupo de 43 anos de estrada sabe fazer um bom show.
Ao seu fim, a plateia já estava mais cheia e o Sol já estava dando seu último adeus. Ainda assim, novas pessoas tentavam conquistar um espaço em meio aos fãs do Deep Purple, presentes ali, perto da grade, desde a abertura dos portões, às 16hs. Mas, a esta altura, o show do headliner estava ficando cada vez mais próximo.
Às 22hs, as luzes do Allianz Parque se apagaram. Os gritos do público ecoaram em todo o espaço. Gradativamente, os integrantes do Deep Purple iam se fazendo presentes no palco. Don Airey, Steve Morse, Ian Paice, Roger Gloover e Ian Gillan entraram já ocupando seus postos para dar início a provável última apresentação do grupo no Brasil.
Highway Star foi o início daquilo que seria uma apresentação memorável. O público, nesse momento, deixou claro a preferência por grupos que já haviam conquistado o terreno com clássicos. No primeiro sinal de som da música de abertura, os gritos e pulos aumentavam em grandes proporções.
Na forma de medley, o Purple transitou pelas seguintes Pictures Of Home e
Bloodsucker, não dando tempo de respiro para as pessoas presentes. O curioso, é que, por um lado, foi tanta ansiedade por parte da plateia em assistir ao Deep Purple, que quando o momento realmente chegou, as pessoas viviam o momento embasbacadas. Em silêncio. Apenas admirando o show como se estivessem assistindo a uma peça teatral.
Várias coisas surpreenderam com relação à banda. Se apropriando individualmente, o primeiro que arrancou olhares de surpresa foi o tecladista Don Airey, com sua precisão, agilidade e versatilidade. O outro foi o baterista Ian Paice, que groovou de uma forma afinada e compassada, com sons limpos e nítidos.
No set, o Purple usou a canção Uncommon Man para dedicar ao compositor e pianista inglês Jon Lord, o qual participou da banda de 1968 até 2002. Lord veio a falecer em julho de 2012, em Londres (RU). Quebrando a energia de tristeza e nostalgia, chegou a vez de Lazy com introdução feito por Airey.
Duas músicas mais tarde, Don Airey foi novamente o centro das atenções durante a execução de um solo de teclado, momento em que ficou sozinho no palco. Na ocasião, o tecladista tocou o refrão de Tico-Tico No Fubá, música composta por Zequinha de Abreu, em 1931, e popularizada na voz de Carmen Miranda no longa-metragem Copacabana, em 1947.
Em Space Truckin’, o público teve seu primeiro momento de êxtase ao ouvir a intro do baixista Roger Glover. Mas, claramente, a música mais esperada foi tocada pelo grupo antes da primeira pausa dramática. Smoke On The Water foi acompanhada pela plateia que cantava o som da guitarra de Steve Morse a plenos pulmões.
Com gritos e pedidos de retorno desgovernados entoados pela plateia, o Deep Purple retornou ao palco com Hush, a qual deu passagem para a melancólica despedida. Black Night surgiu em tom de tristeza e agradecimento. A gratidão também estava no ar.
Com uma hora de espetáculo, o Deep Purple fez o que o público esperava. Hits e clássicos mesclados com solos e psicodelia. O grupo que nascera em 1968 na cidade inglesa de Hertford deu o seu adeus aos paulistanos. Mais do que memorável. A turnê The Long Goodbye Tour ficará sempre na memória dos roqueiros.
Com ela, se viu a última performance do grupo em São Paulo (SP). Com ela, se viu o encerramento de um ciclo. Com ela, o rock disse adeus a um dos maiores expoentes de seus subgêneros progressivo e psicodelia. Adeus Deep Purple. Muito obrigado.
*Resenha publicada originalmente no Allmanaque.