NOTA DO CRÍTICO
Exatas duas décadas depois do lançamento de Fallout, primeiro disco do The Mayfield Four, sua primeira banda com trabalhos lançados; nove anos após enveredar no projeto de carreira solo, Myles Kennedy fez amanhecer 2018. Year Of The Tiger, seu CD de estreia, finalmente saiu do forno no início de março, com selo da Napalm Records. Para o álbum, o músico recrutou o baixista Tim Tournièr, e o baterista e antigo companheiro de sua banda de origem, Zia Uddin.
Sendo um dos lançamentos mais aguardados do ano para os fãs de Alter Bridge, Year Of The Tiger mostra o caminho crescente da carreira de Myles Kennedy na busca dupla pelo sentido mais puro da palavra "Origem". Origem de sentimentos camuflados por quase quarenta anos e origem do gênero musical mais popular do mundo, o rock and roll.
Tudo isso pode ser percebido sem esforço logo na faixa-título, a qual causa um desconforto sonoro para quem é habituado com o peso das músicas do Alter Bridge ou do Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators. No lugar de riffs de guitarra e de grooves intensos de bateria, existe o minimalismo. Quase na pegada de A cappella, o que Year Of The Tiger apresenta são banjos e bandolins que trazem uma calmaria drasticamente rompida com uma letra que carrega dor e pesar.
Com uma introdução épica, The Great Beyond vem com um arranjo maior. A bateria apresenta grooves mais trabalhados, bem como o riff dos instrumentos de corda. Em comum, porém, a letra traz mensagens semelhantes de dor e tristeza. A composição segue um perfil de escolha de palavras não muito usuais e permite sentir fúria e raiva através dos alcances vocais de seu criador.
Com alusão ao country, chega a vez de Blind Faith com sua guitarra acústica introdutória. O medo e a dúvida aqui são os sentimentos protagonistas. No compasso 4/4, o refrão com ar de lamentação apresenta um desligamento afetivo sem cerimônia. E como toda despedida, um legado é deixado. Seus reflexos e sentimentos consequentes são relatados com tom de desalento em Devil On The Wall, que apesar da levada agitada, não esconde os sentimentos biográficos de Myles Kennedy.
Em Ghosts Of Shangri La é apresentado ao ouvinte uma nova perspectiva da perda, a da superação. Quase autoexplicativa em sua moral, a canção poderia até sobreviver apenas com o refrão, o qual resume em duas estrofes toda a afirmação da capacidade de manter viva a lembrança sem que a mesma seja cruel. A memória que, apesar da persistência em deixar viva as coisas boas, traz recaídas que te forçam a continuar lutando pela superação. E é isso o que Turning Stones apresenta.
Outra coisa em comum trazida nas canções é a versatilidade de canto e interpretação de Myles Kennedy. Entre levadas mais agitadas e lentas, como é o caso de Haunted By Design, o terceiro single do disco, a de Kennedy métrica é mantida assim como sua identidade de timbre.
Entre toda a carta mista de sentimentos a seu pai, a faixa Mother é uma declaração da força e determinação de sua mãe, Carol. Mas essa homenagem é quebrada com Nothing But A Name, que retoma a saudade com um instrumental dramático e penetrante no refrão.
Eis então que é chegada Love Can Only Heal, a faixa com o refrão mais comercial e chiclete do disco. Os melismas que entoam La,lala,lala,lala apesar de parecerem simples, são complexos em sua execução e dão passagem a uma explosão instrumental crescente que, no apoio das palavras sobre o potencial do amor, faz a brutalidade sumir e a sensibilidade florescer. Emocionando.
Songbird e One Fine Day apresentam, juntas, a libertação, tanto de Myles Kennedy quanto do espírito de sua figura paterna, o qual terá sua presença e vida vivas na memória. No entanto, a primeira faixa aparenta ser um pedido de seu pai para que sua imagem não morra. A segunda é o resultado de tal liberdade e resposta ao pedido: A descoberta da pessoa que realmente Kennedy é e a reconstrução harmônica da vida.
Essas ponderações mostram que Myles Kennedy é um grande e versátil compositor e letrista, que logo no disco de estreia da carreira solo já mostrou capaz de construir um trabalho inteiramente conceitual.
Outra percepção é a imersão do músico no gênero blues. Em toda sua carreira musical, Kennedy construiu sua linha sonora de forma decrescente. Com o The Mayfield Four, o grunge e o post-grunge. Com o Alter Bridge, o metal. E com o Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators, o hard rock. Todas as bandas o foram levando, de subgênero em subgênero, à origem do rock: O blues, extremamente presente Year Of The Tiger.
Este é Year Of The Tiger. Um monólogo terapêutico em áudio de um homem que busca compreender dúvidas e sentimentos de um período paternalmente catastrófico.