TRENDKILL INC. - Trendkill Inc.

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Com dois anos de vida, já são dois singles lançados entre 2020 e 2021. A vontade de fazer som autoral proporcionou ao grupo paulistano TRENDKILL INC. nascer oficialmente com o lançamento de seu EP de estreia homônimo nos últimos instantes do ano de 2021.


Um som azedo e distorcido é ouvido. Um feixe de avant-garde metal é percebido entre um malabarismo sutil feito pela guitarra de Sandro “Murdok” Fernandes. Quando a bateria de Alexandre Fontana entra com golpes secos acompanhada de uma precisão estridente e sincrônica do baixo de Sandro Cézar, contornos latentes de thrash metal podem ser visualizados. Mais amaciado do que o thrash metal brutalizado e agressivo de grupos como Exodus e Slayer, o som oferecido pelo TRENDKILL INC. traz um frescor e uma ambiência de garagem que comunicam certa ingenuidade vinda do quarteto paulistano, algo justificável pela sua pouca idade. Ainda assim, existe um swing excitante vindo de uma roupagem mista de heavy metal e hard rock que faz com que Trendkill traga uma malandragem no som, um tom provocativo que enfrenta o lado conservador do rock. Eis então que a camada estética restante imerge na melodia da canção. É Kelvin Wallace imprimindo seu timbre afinado e limpo cuja dicção sensual casa com a aspereza que se confunde em uma maciez típica de uma Los Angeles oitentista. Ao mesmo tempo, o canto de Wallace deixa nítida a influência que sofre do estilo de canto executado por nomes como James Hetfield e, em menor grau, Dave Mustaine


Mais brutal, mais grave, mais alta, mais precisa. Mais agressiva. As primeiras notas de Sharpshooter mostram, além de a sonoridade vir com mais raiva, que a mixagem nela executada surtiu em um produto de sonoridade mais lapidada e sem um vácuo que a faz sonar como um produto de garagem. Entre as entranhas da guitarra existe um soturno que sai de uma sonoridade sombria e heavy metal de bandas como Black Sabbath e evolui para algo mais moderno e visceral de nomes como Alice in Chains. Novamente trazendo feixes de thrash metal, a melodia de Sharpshooter ainda vem acompanhada de um swing que, aqui, se traduz como uma essência da sonoridade do TRENDKILL INC. Entre sobreposições vocais, Wallace oferece ao ouvinte um lirismo que narra a relação do eu-lírico com as lembranças e como ele lida com ocasiões deprimentes. Pela estrutura geral, Sharpshooter pode ser tida como um importante single de Trendkil Inc..


Da mesma forma como Sharpshooter, Duality se apresenta como se já estivesse com sangue nos olhos. Diferente da faixa anterior, porém, a presente música traz consigo uma cadência mais acelerada que injeta uma excitação mais salgada no ouvinte. Com os golpes unidos do bumbo e do chimbal seco fazendo a contagem do tempo e proporcionando uma amplitude à adrenalina já alta pelo riff da guitarra, a sonoridade acaba se tornando agressiva e com toques ásperos que se pronunciam durante toda a execução melódica. Duality é uma canção que traz o tom grave e soturno do heavy metal, mas cujo baixo de riff intenso, grave e linear dá não só a cadência e o corpo, mas também toda a pressão de que a faixa precisa. Em Duality, o eu-lírico vive a experiência de se sentir perseguido por algo que não se pode enxergar, algo de outro plano. Com a presença de um vocal gutural entregando um sombrio arrepiante, Duality traz a possibilidade de interpretação de haver, de fato, uma dualidade entre a consciência e o inconsciente, os desejos e o bom senso. Ou, em uma linguagem psicanalítica, entre o id e o superego. Ao lado de Sharpshooter, Duality é inquestionavelmente outra faixa que ajuda a levantar a qualidade de Trendkill Inc..


Estridente, grave e sombrio. O baixo introdutório consegue trazer uma tensão incômoda ao ouvinte por amplificar a sensação de fragilidade ante o incerto e o imprevisível. É então que esse ambiente sem luz recebe trovões, relâmpagos e explosões de um vermelho vivo vindos do riff áspero e súbito da guitarra. Uma melodia incomodamente dramática que beira a melancolia se forma de maneira a se assemelhar com a sonoridade exercida pelo Shinedown. Porém, o primeiro verso é de uma base rítmica salgada que foge da ambiência desenhada anteriormente. Com toques azedos e ásperos, o que Silence Or Death traz de enredo lírico é um cenário em que a liberdade de escolha e a multiplicidade de ideias e opiniões são negadas. A partir daí, se percebe que a faixa carrega uma forte crítica ao modelo autoritário do governo Bolsonaro. A censura, as ameaças e as restrições como meio de coibir a sociedade de se manifestar são os legados de governos extremistas que, infelizmente, o Brasil está experimentando.


A rispidez e a agressividade aparecem na mesma medida. Existe na melodia introdutória, porém, um fundo de opacidade e eco que retoma sutilmente a sonoridade de garagem existente de maneira intensa em Trendkill. De sonoridade linear e cuja dramaticidade atinge seu ápice sensitivo no refrão, Shattered Life consegue, curiosamente, atingir uma estética underground radiofônica que a torna uma candidata a single lado b de Trendkill Inc.. Do campo melódico ao campo lírico, a faixa narra a trajetória do eu-lírico para um local que representa recomeço, proteção e uma fuga das lembranças que, nas palavras de Wallace “all those memories in my mind is shattering my life. Now I’m comming home”.


O universo da música autoral é desafiante e incerto. O mundo fonográfico é ainda mais imprevisível e tortuoso. O importante é ter persistência, foco e vontade. Essas qualidades ficaram claras e muito bem registradas pelo grupo paulistano em Trendkill Inc., um EP melódico, áspero, azedo, soturno e swingado.


Misturando elementos do thrash metal, do heavy metal, do avant-garde metal e do hard rock, a sonoridade construída pelo TRENDKILL INC. no EP é plural ao mesmo tempo que mostra as pegadas do grupo no caminho do reconhecimento de ser referência na cena thrasher brasileira.


Com uma pronúncia da compreensível da língua inglesa, Wallace traz consigo um timbre que praticamente recicla aquele pertencido por James Hetfield nos primeiros álbuns do Metallica, fator que por si só já coloca o grupo no rol de expoentes do thrash metal. O baixo é outra peça importante que, comandado por Cézar, trouxe pressão e gravidade. A dupla guitarra-bateria fecha essa estrutura consagrando a ambiência metalizada.
Tal resultado foi possível por conta do exercício da produção, que foi capaz de sintetizar esses ingredientes e influências na construção de uma sonoridade que, apesar de ainda deixar latente as origens inspiracionais de riffs, grooves, batidas e dicções, indica o nascer de uma originalidade rítmica.


De outro lado, a mixagem também executada pelo time de produtores formado por Fernandes, Renan Momente e Tusa Mufaz trouxe resultados diferentes. Faixas como SharpshooterDuality  e mesmo Silence Or Death parecem ter recebido tratamento diferenciado e consciente, pois possuem uma qualidade sonora evidentemente superior em relação às demais. Ao mesmo tempo, existe uma discrepância entre a lapidação dada em Shattered Life ante aquela executada em Trendkill. Enquanto a primeira se vende como uma música forte, mas não o suficiente para ser single, a primeira soa demasiadamente caseira. Para que Trenkill Inc. tivesse uma receptividade ainda mais positiva, a mixagem deveria ter sido executada de igual maneira em todas as cinco composições.


Do ponto de vista visual, aquele que salta aos olhos e é o primeiro fator a convidar o ouvinte a conferir o conteúdo escondido em cada trabalho, fica novamente evidente as influências e inspirações do TRENDKILL INC.. Feito por Reknan Ranzoni, o desenho que estampa o encarte do EP bebe ligeiramente do conceito impresso por Don Brautigam na capa do também conhecido The Black Album, o quinto disco de estúdio do Metallica. Afinal, a obra de Ranzoni traz o rosto sarcástico e zangado de uma cobra cuja mandíbula aberta insinua a preparação do ataque. No entanto, ela soa mais elaborada do que aquela de Brautigam, pois além de ter um bom gráfico capaz de tornar perceptíveis as escamas da serpente, ela traz um fundo incendiário que comunica o poderio de Trenkill Inc..


Lançado em 12 de dezembro de maneira independente, Trendkill Inc. é um EP poderoso, ácido, agressivo e swingado. Um trabalho que explicita o desejo do crescimento e do aprimoramento. Um trabalho forte que mostra que o TRENDKILL INC. ainda vai ser muito falado nas mídias especializadas.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
1 Comentários

Escutei o EP. Muito louco...!

Responder Compartilhar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.