NOTA DO CRÍTICO
Já é possível avistar 2022 atrás das colinas. Ainda assim, o ano de 2021 não chegou ao fim. Restando alguns dias para ter seu fim oficialmente decretado, o período ainda guarda uma surpresa ao universo fonográfico. Ela consiste na formação de um novo supergrupo. Anteriormente conhecido como Gang Of Souls, o Land Of Gypsies, resultado da união de membros do XYZ, Glenn Hughes e Supersonic Blues Machine, vem de Los Angeles e se anuncia com o lançamento do álbum de estreia autointitulado.
O chão é de terra craquelada pela seca. Não há verde ou frescor envolta. É apenas quente e abafado. Pessoas imponentes então são vistas caminhando no horizonte crepuscular. Esse cenário alvorecido é obtido através de uma melodia aveludada, tímida e de uma sensualidade delicada que começa a nascer a partir da união guitarra-bateria em cujo corpo linear e compassado e criado a partir das linhas do baixo percebidas em uma camada sonora inferior. Enquanto os respectivos músicos Serge Simic, Aj Morra e Fabrizio ‘Fab’ Grossi vão estruturando a sincronia rítmico-melódica, Terry Ilous surge com seu timbre adocicado amplificando o caráter sensual da canção. Com relâmpagos de um misto de doce e ácido trazido pelo órgão Hammond de Eric Ragno, temperos psicodelicos são sutilmente pincelados na receita de Believe, uma faixa que é recheada de um groove retrô setentista semelhante àquele impresso pelo Palace Of The King em seu single Take Your Medicine. Sexy, alegre e enérgica como a luz do Sol e convidativa tanto quanto o mar em um dia de verão, Believe é uma canção que atende tanto aos critérios radiofônicos quanto os quanto aqueles que atraem e contagiam um ouvinte de primeira viagem. Uma inteligente forma de abrir um disco de estreia.
Uma mistura de acidez psicodélica com uma distorção hard rock é degustada. A sonoridade proporciona algo que soa como um blend entre Deep Purple, Whitesnake e Kansas. Mantendo o compasso enérgico, o Land Of Gypsies desfila aqui uma sensualidade mais aveludada e menos selvagem do que aquela oferecida na canção anterior. Afinal, o primeiro verso de Shattered possui uma maciez tátil contagiante e hipnotizante. Carregada por uma energia transformadora, a canção vem acompanhada de um lirismo que soa como um desabafo e uma exortação de uma conquista alcançada por um eu-lírico que se vê livre de alguém que lhe proporcionava um relacionamento abusivo e tenso.
Convidativa e capaz de fazer o coração bater acelerado através dos golpes precisos do bumbo acompanhados de um riff semelhante àquele presente na ponte entre o refrão e a segunda estrofe de Believe. Enérgico e de um teor timidamente crescente, a contribuição da guitarra no amanhecer da sonoridade desfila um ar provocativo intrigante. É quando o baixo surge com um riff de nota única e bojuda que o primeiro verso enfim se inicia. “Hey, what’s on your mind? All I know it’s all by design”, inicia Ilous. Enquanto isso, a bateria entra em cena amplificando a atmosfera provocativa e ao mesmo tempo sexy construída em Trouble, uma faixa que, entre influências do Led Zeppelin, vem um groove intenso estruturado entre bateria e guitarra que é acompanhado pela onipresença linearmente astral do órgão. Alegre e contagiante, Trouble fica ao lado de Believe na lista de singles de Land Of Gypsies.
Fora os repiques acelerados da bateria, o riff da guitarra presente na introdução mostra grande semelhança com aquele executado por Joey Allen em Cherry Pie, single do Warrant. Por outro lado, esse mesmo riff lembra o feito por Samuel Reoli em Money, single dos Mamonas Assassinas. Deixando de lado as semelhanças, o fato é que os primeiros instantes de Give Me Love carregam um intenso e funkeado groove que ganha uma grandiosidade com a inserção das notas do órgão. Reconstruindo as ruas de Los Angeles e o Sunset Strip da década de 80, a canção possui um frescor jovial fundido a uma sexualidade provocante e regada em exageros. Não por acaso, o lirismo presente em Give Me Love narra o desejo da conquista, a paixão e a pura sensualidade.
Assim como Believe, Somewhere Down The Line traz uma atmosfera crepuscular de um calor inquietante. Enquanto a guitarra traduz o deboche, o órgão vem com a densidade e, a guitarra, precisão linear. Surpreendentemente, no pré-refrão o que se tem em melodia é uma sonoridade que transita entre a sinuosa divisa entre o folk e o country que se encerra com um punch e explosivo refrão de pitadas dramáticas que conta com uma intensidade rítmica a mais introduzida pela guitarra extra de Jeff Northrup. Somewhere Down The Line é a canção que ilustra o momento em que o amor não é mais algo recíproco.
Minimalista e incomodamente introspectiva. Embalada pela união voz e guitarra sem distorção, a melodia introdutória possui uma base pontual e encorpada do baixo enquanto a o prato de ataque surge como chuva nessa atmosfera dramática que beira a súplica. Inesperadamente, essa calmaria entorpecente deságua em um local incandescente, cheio de luz, movimento, melancolia e uníssono que enaltece a vontade do eu-lírico em encontrar alguém que lhe mostre o amor. Rescue Me é então uma canção que, liricamente, destrincha sobre a desilusão no amor, melodicamente flerta com a estrutura de One, single do U2 e energicamente traz a melancolia sentimental de Remember It’s Me, single do Gotthard. Sem dúvida, a primeira balada de Land Of Gypsies.
Azedume é o que define a introdução. Ao mesmo tempo, o piano Fender Rhodes traz uma doçura aveludada em relâmpagos de aparição. Trazendo rebeldia mesclando com um ar de provocação, a melodia se mostra curiosamente controlada e minimalista. Como uma canção cujo enredo defende a autonomia, a originalidade e a essência das pessoas, Not An Ordinary Man é swingada e tem um groove provocativamente atraente e contagiante.
A introdução crescente, intensa e precisa já comunica que Rescue Me perdeu o posto de balada do álbum, ficando em segundo lugar no quesito. Macia, melódica e com uma sensualidade puramente romântica, Runaway traz todos os ingredientes necessários para encantar, atrair, contagiar, emocionar, aconchegar e arrepiar o ouvinte. Com uma interpretação lírica sofrida e com suspiros no final de cada palavra pronunciada, o veludo presente na faixa é tão intenso que é até possível de ser sentido na ponta dos dedos. No que tange o enredo lírico, a canção conta a história de alguém que precisa ser salva dela mesma, mas encontra na música esse apoio.
O compasso do baixo, ao fundo, possui a mesma precisão e linearidade daquelas exercidas por Cliff Williams nas canções do AC/DC. Tal como a aparição do Sol entre as nuvens após uma forte chuva, a melodia introdutória oferece sensações de conforto, alento e, curiosamente, proteção. Macia, contagiante e imersa em uma métrica pop, Long Summer Day possui um refrão contagiante e um lirismo que soa como uma homenagem, uma ode à liberdade, à coragem e à autoconfiança. Uma nova canção a figurar, ao lado de Rescue Me e Runaway, na lista de baladas de Land Of Gypsies.
O wurlitzer traz na base rítmica uma acidez amaciada ao lado de um vocal rasgado que beira o empoderamento. É como a recriação melódica da introdução de With A Little Help From My Friends, single do Joe Cocker. Ao mesmo tempo, a cadência rítmica executada pelos músicos, mas principalmente por Morra, refresca na mente do ouvinte o movimento construído por Simon Kirke em All Right Now, single do Free. Isso indica que o exercício de Morra é primordial para a criação do swing ao lado do vocal de Ilous. Afinal, Rambling Man é uma canção de lirismo igualmente sensual, mas que beira o cômico por retratar um eu-lírico lento em perceber indiretas e comportamentos corporais. Sua melodia grudenta faz com que a canção esteja no terceiro lugar no time de singles liderado por Believe e seguido por Trouble.
Um suspense enérgico paira sobre o ar. Existe aqui uma maciez que promete se rebelar e mostrar seu lado explosivo, mas que ainda se posiciona de maneira comportada. Isso de fato acontece no refrão, momento em que Get It Right exibe seu potencial sensual, sutilmente agressivo, de batida pop e com um solo de guitarra melódico regado em elementos psicodélicos e com grande corpo fornecido pelo baixo. Liricamente, Get It Right é uma canção que fala sobre a precisão dos atos. Do ato fazer sem ter vontade de modifica-lo posteriormente.
Sexy, selvagem, groovado. Hard rock. Land Of Gypsies é um trabalho que, pela sua qualidade sonora, entra no rol dos melhores trabalhos de estreia formado por álbuns como Cali, Dirty Honey, Red Brick City, Out Of The Blue, Appetite For Destruction, Revoluções Por Minuto, Nós Vamos Invadir Sua Praia e Legião Urbana.
Sem dúvida, o disco mostra o potencial, o entrosamento, a precisão e o poder obtidos pelo Land Of Gypsies. Poder não só de lançar um disco de estreia forte, mas poder em conseguir, entre 11 músicas, grandes e marcantes melodias. Exemplos claros disso são faixas como Believe, Trouble, Somewhere Down The Line, Rambling Man, Runaway, Rescue Me e Long Summer Day.
Trazendo referências rítmico-melódica variadas que vão desde Kansas, Mamonas Assassinas, Deep Purple, Joe Cocker, Free, U2, Warrant, Whitesnake, Land Of Gypsies é um trabalho que não apenas expõe o hard rock. É verdade que este é o subgênero base da sonoridade do supergrupo, mas, no trabalho, o hard rock divide espaço com o rock psicodélico, com o funk, com o folk e com o country.
Necessário pontuar que a sonoridade e o peso criados em Land Of Gypsies possui a contribuição de todos os músicos nele participantes. Afinal, a voz traz a sensualidade e o rasgado típicos do hard rock. O baixo traz pressão de maneira a exalar uma competência parea à de Billy Sheehan. A bateria, o movimento. A guitarra vem responsável pelo veludo, o swing e pela sensualidade provocativa. O órgão, a psicodelia e os pianos, uma mistura de cores.
No que tange o timbre de Terry Ilous, ele vem com uma doçura muito particular. Um veludo que é percebido principalmente quando a voz surge limpa. É aí que nota o parentesco vocal com Eric Martin, cantor do Mr. Big. Porém, quando Ilous coloca o drive, acaba criando um tom que remete aos vocais de David Coverdale e Nic Maeder.
Lançado em 10 de dezembro de 2021 via Frontiers Records, Land Of Gypsies é um disco poderosamente marcante, indiscutivelmente preciso, contagiantemente sensual e cheio de músicas fortes. É um produto que mostra toda a competência e sincronia de um supergrupo que já nasceu inovador. Land Of Gypsies é a repaginação do Sunset Strip. Sejam bem-vindos à Los Angeles de 2021.