Trajo - Tudo

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Ele vem de Alagoas e bebe da fonte da música moderna, calma e amena. Depois de apenas um single lançado na praça, o Trajo enfim decide se evidenciar no universo musical brasileiro de maneira oficial com o anúncio de Tudo, seu EP de estreia.


Macia como o amornar da luz do Sol em um amanhecer de inverno. Confortável como o edredom abraçando o corpo em uma noite fria. Acolhedor como um café fresco feito como uma demonstração singela de amor entre mãe e filho. O despertar da canção é a sonorização mais humilde sincera do afeto. Tal calmaria é amplificada pelo suave e levemente rouco timbre de Paulo Franco, quem vai introduzindo paulatinamente com seu sotaque nordestino, um lirismo que narra um eu-lírico tomando a dianteira de seu próprio destino. Caminho é uma canção de melodia minimalista e estrutura que traz uma singela semelhança, em alguns aspectos, com canções do Djavan. Emotiva e nostálgica, Caminho emana uma sincronia responsável e tranquila entre a simplicidade da levada da bateria de Rodrigo Marinho, o pontual groove do baixo de Lili Buarque e a valsa melancólica do violão de Franco reconfortada pelo aveludado sonar do fender rhodes de Leonardo Marques


Apenas a partir da junção do primeiro acorde da guitarra com a forma como a voz de Franco se pronuncia já se percebe uma semelhança estética entre a canção em construção e Dois Rios, single do Skank. De essência melancólica, Temporal é uma canção de groove mais presente e cuja melodia também oferece um breve parentesco com a base rítmica de Somos Quem Podemos Ser, single do Engenheiros do Hawaii. Sombria e de refrão dramático, Temporal traz um eu-lírico em processo de autoconhecimento mesclado com a necessidade de se provar capaz de vencer o passado.


É como o vaivém da maré em um entardecer de outono. É como a brisa noturna chegando para refrescar o calor deixado pelo Sol durante o dia. Esse cenário sensitivo é trazido por meio de um novo ingrediente: uma voz feminina de timbre nordestino suave e levemente rouco. É Lili assumindo o microfone e trazendo, para Guardado, um lirismo motivacional que funciona como um estímulo, até mesmo para o eu-lírico, para seguir a vida e deixar as lembranças de um passado agradável guardadas em uma das várias gavetas do coração. Misturando nostalgia e melancolia, diferente das demais canções apresentadas em Tudo, Guardado traz um ar autobiográfico intrigante. 


A luz do Sol está conseguindo romper a densa camada de nuvens cinzas que preenchem o céu. Aos poucos, feixes luminosos atingem pontos do concreto trazendo uma sensação de vida há muito não experienciada. Esse ambiente cenográfico é obtido a partir de uma introdução banhada por uma alegria embrionária que é seguida de um dueto agridoce entre Franco e Lili que destrincha um lirismo que funciona como o diálogo com a consciência de maneira a tentar encontrar uma resposta sobre se houve um propósito toda a vivência passada com outro alguém. Trazendo à tona a descrição de um relacionamento improdutivo em que a guitarra se posiciona, na ponte entre a primeira e a segunda metade da canção, como lágrimas de desapontamento, O Que Ficou é abraçada por uma melodia amaciada e entorpecida no devaneio sobre o que teria acontecido se os planos anteriormente estruturados de fato fossem concretizados. 


Seu sangue é melancólico. Seu suor é nostálgico. Seu toque é de amor. Sua memória é triste. Sua vontade é invisível. Tudo é um EP soturno que funciona, tal qual Cantinho, Extended Play de João Marcos Bargas, como a sonorização da nova música popular brasileira.


Com extrema maciez, humanidade e delicadeza, o EP de estreia do Trajo dialoga com as diversas relações humanas para com o sentimento de amor. Pode ser nostálgico, melancólico, triste, feliz, acolhedor. É uma emoção de raízes abrangentes que pode surgir pela mais simples e ingênua demonstração de afeto ou, mesmo, de respeito.


Quem conseguiu captar esse diálogo quase autobiográfico e pessoal foi Leonardo Marques, quem, por meio de seu misto exercício de engenheiro de mixagem e produtor, se permitiu sentir as facetas do amor para entender qual a melhor maneira de guiar as melodias desenhadas em Tudo. Isso fez com que o trabalho extravasasse todo o seu grito engasgado nas memórias de um amor vivido, mas cujos sentimentos secundários nunca haviam sido extravasados.


Fechando o escopo daquilo que compõe a plenitude de Tudo está a arte de capa. Feita por Matheus Sandes, ela consiste em uma obra de cunho abstrato preenchida por cores de tons pastéis e rígidos. Trazendo um círculo que amplifica o conteúdo que se localiza em seu anterior, ela comunica que existe o conceito de ‘tudo’ em qualquer lugar. O tudo pode ser uma obra completa, mas também pode ser apenas um traço. Pode ser uma música inteira ou apenas um riff. E assim é o amor. Ele é um tudo que traz um todo de emoções secundárias.


Lançado em 29 de abril de 2022 de maneira independente, Tudo é um EP melancólico, nostálgico e dramático que dialoga sobre o amor e suas respectivas experiências. Como Extended Play de estreia, ele mostra a honestidade no som e o soturno torpor que exala das entranhas melódicas que definem o som do Trajo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.