Maracatech - Nada Está Muito Longe

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4 (1 Votos)

Ele foi originado de um grupo de TCC do curso de produção fonográfica da Belas Artes, mas quis ir além dos muros acadêmicos. Assim, o Maracatech dá o primeiro passo nessa empreitada de desbravar o universo musical brasileiro com Nada Está Muito Longe, seu álbum de estreia.


Uma voz desconfortável, tímida e sem jeito surge em meio a uma melodia eletrônica regida por sons agudos imputados por Fel C. O eco é um dos principais elementos na criação do movimento de Homem Do Futuro - Intro, uma faixa que, pela sua arquitetura, ambienta o ouvinte em um misto de cenários que podem ser tanto o inconsciente como um lugar extraterreno ou, ainda, como se estivesse em uma viagem para um tempo futuro. E nessa viagem rumo ao desconhecido futuresco, João Feijão vai inserindo um diálogo explicativo sobre sua própria sociedade, ou aquilo que se espera dela. Uma sociedade que não mais se guia pelo tempo como peça base das rotinas sociais, uma sociedade que não glorifica as figuras midiáticas. 


Uma melodia contagiante que mistura elementos do reggaeton e do maracatu se forma de maneira harmônica e inclusiva. Com uma espécie de brasilidade repaginada, Vem Pra Roda não demora a evidenciar o legado de seu enredo lírico e destaca a necessidade de se desvencilhar da tristeza e se deixar levar pelo embalo da dança. Repleta de um groove encorpado e levemente áspero trazido pelo baixo de Guidola, além de expor o timbre agridoce e de sotaque nordestino de Feijão, mistura elementos da cultura religiosa brasileira enquanto preserva o mote lírico de enaltecer a alegria e a felicidade ao passo que traz, nas palavras do próprio Feijão, o ritmo mais do que notas ou cores: “é uma ativação do espírito”. 


De sons percussivos fortes e de pinceladas de terreno nordestino, a canção começa tensa, mas logo ganha uma abertura na fenda rochosa que esconde os raios de Sol. Aqui é curioso observar a presença de Victor Negão assumindo os backing vocals e preenchendo o ambiente com um timbre áspero que muito remete ao estilo de canto do Marcelo D2 em sua estada no Planet Hemp. Maracutaia é uma canção preenchida liricamente por uma ode ao maracatu ao mesmo tempo em que é rodeada de versos cantados com a estética do non sequitur. De ritmo contagiante tal como foi em Vem Pra Roda, a presente canção, de certa forma, também evidencia rastros culturais brasileiros como a corrupção e o idioma tupi aqui representado pela palavra ‘curumim’.


Com um som eletrônico agudo, repetitivo e crescente como se estivesse prestes a desembocar em um ambiente de ritmo explosivo vem à tona o despertar de Liberdade. Aqui, curiosamente o timbre de canto de Feijão acaba criando uma singela familiaridade com aquele de Toni Garrido e, com cadência rappeada, vai imputando um lirismo que critica não apenas a corrupção, mas também o senso de futilidade e até mesmo estupidez que é observado na ala política brasileira. Colocando a arte como principal arma de expressão e ao mesmo tempo confrontando a máxima da censura, Liberdade é uma música de mensagem ácida que, embebida em uma mistura de manguebeat e maracatu, traz um enfrentamento contra a autoridade e avalia os diferentes pontos de vista sobre o conceito de liberdade. Uma canção de cunho unicamente sociopolítico.


Guitarra em som agudo. Água sendo despejada em um copo. Curiosamente, o que se tem de perspectiva de cenário é uma noite limpa, estrelada e com uma Lua de aparência imponente. Sua luz ilumina todo o campo enfeitado por diferentes luminárias que contornam um ambiente a receber uma festa. Abraçada por uma mistura de maracatu e flamenco, Um Sol Só Pra Você traz um swing e uma alegria contagiantes enquanto o lirismo proclamado pelo timbre igualmente agridoce e impostado de Xorão Trindade traz uma espécie de apoio na fé. Assim como em Vem Pra Roda, evidencia algumas características de religiosidade africanas, o que proporciona um contato mais aguçado para com a origem brasileira de maneira que insere, ainda, uma sonoridade propriamente latina vinda da salsa.


Um groove acentuado extravasa das cordas do baixo enquanto as da guitarra vão emitindo agudez e uma sutil suavidade enquanto a melodia vai tomando um corpo embriagante e penetrante. Com swing linear, a canção engata uma crescente a partir do momento em que ruídos propositalmente tomam conta das frestas sonoras inserindo um flerte com o lo-fi. Como um ponto umbandista com flertes no samba, O Que Você Vê possui movimento totalmente formulado pelo som de elementos percussivos como o cowbell, chocalho, bumbo, atabaque e caixa. De groove marcante, a canção traz um lirismo que incentiva os sentidos em uma clara mensagem de que não há o que temer quando se está confiante mesmo nos momentos que inspiram insegurança. Com grande sensibilidade promovida pela união dos sons nela presentes, O Que Você Vê pode ser considerada um importante single de Nada Está Muito Longe.


Voz de criança. Som que imita o pancadão carioca. Não por acaso, entre as frases cantadas de maneira acelerada, o que se tem em Mestre Mandou é um cenário de lazer da favela com direito a bailão e cerveja gelada. Não há como fugir da mensagem lírica, pois ela é clara e dada sem delongas. Aproveitar a vida, as experiências. Afinal, é como o próprio Feijão diz: “mestre mandou: é pra aproveitar. Mestre mandou: pega na mão, pede pra dançar”.


O teclado de som engordado faz amanhecer a melodia. Com sons percussivos consistentes e uma guitarra de riff dançante, a canção possui sutis aromas de salsa que evidenciam um swing contagiante. Capim Dourado é uma canção que enaltece a diversidade da flora do cerrado com uma melodia cujo sangue latino é extasiantemente atraente.


Já de início, a melodia arrepia com sua simplicidade e alegria agregadora e contemplativa.  O sangue nordestino corre nas veias melódicas a partir da contagem do tempo executada pelos tilintares do triângulo, instrumento que funciona como um guia rítmico por dentre um lirismo que enaltece a cultura candomblezera de gratidão pelos ancestrais e por ter um comportamento espiritual brando e pacifista. Estimulando a assumição da própria identidade do indivíduo, Canto De Paz é penetrante e tem grande menção espiritual no que tange a crença reencarnatória. Uma música que encerra Nada Está Muito Longe com um sorriso inexplicável no rosto, uma alegria resplandecente e com uma aura reenergizada.


É difícil observar uma banda, seja ela de qualquer gênero, produzir um produto de qualidade logo em seu produto de estreia. Mais difícil ainda é quando esse trabalho provém diretamente de um TCC. Mas o Maracatech veio mostrar que, apesar de difícil, esse não é um cenário impossível. Afinal, Nada Está Muito Longe mostrou consciência musical e criativa além de um respeito pelo Brasil, pela sua origem e pela sua riqueza de fauna e crenças religiosas.


Isso, claro, somado à brasilidade rítmica e fusões latinas. Entre mensagens positivistas, alegria, doses generosas de groove e swing, o álbum é abraçado pelo maracatu, mas também possui imersões nos campos do manguebeat, do samba, do reggaeton e até da salsa. Unindo modernidade e experimentação, o trio insere na receita, ainda, pitadas de lo-fi para criar diferentes texturas.


Essa conjuntura de elementos foi bem guiada por Léo Ramos. Responsável tanto pela mixagem quanto pela produção, o profissional realizou a finalização de Nada Está Muito Longe de maneira a fazê-lo soar equalizado, leve, energizante, positivo e brasileiro. Além do que, Ramos conseguiu captar as intenções do trio e sintetizá-las de forma a criarem mensagens contagiantes e agregadoras.


E por falar em conceito de brasilidade e origem brasileira, a arte de capa sintetizou muito bem essa máxima. Assinada por João Nucci, ela traz um formato hipnótico preenchido por cores quentes que, por si só, denotam o sertão ou mesmo o cerrado. Mas entre suas geometrias, figuras humanas minimizadas exalam o africano, evidencia a relação com a religião e rememora os primeiros contatos do homem branco com os nativos. Passado, presente e futuro em uma mesma imagem como se estivesse dizendo que nada está muito longe.


Lançado em 27 de abril de 2022 via Rockambole, Nada Está Muito Longe é um álbum brasileiro, latino, cheio de groove e swing. É um trabalho que provoca os sentimentos de gratidão, felicidade e alegria. Um disco que cria a consciência da verdadeira origem do povo brasileiro.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.