Tori - Descese (Lado B)

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Pouco menos de dois meses depois que a sergipana radicada no Rio de Janeiro Tóri divulgou Descese - Lado A, ela usa o despertar de 2023 para anunciar a segunda parte do trabalho. Intitulado Descese - Lado B, novo EP completa Descese, álbum de estreia da cantora e compositora.


A doçura se confunde na melancolia em uma brisa gélida valsante. O mais interessante nisso, é que apesar de o clarinete de Joana Queiroz assumir a função de uma personagem  que tenta levantar a energia do outro, o violão de Bem Gil e a bateria de Domenico Lancellotti andam de mãos dadas em um caminhar cabisbaixo. No fundo desse cenário que molda Dies Irae, mesmo que tímido, o baixo de Bruno di Lullo vem como uma espécie de guardião supremo, observando, de maneira onipresente, seu tutelado. Amplificando essa tristeza visceral, a voz aguda e de forte sotaque nordestino de Tori entra com uma letra ácida sobre o se sentir deslocada e não pertencente a uma era focada em trabalho como caminho na busca do dinheiro, que, por sua vez, oferta bem-estar. A frieza do mundo, unida à insensibilidade, é outro fator que causa repulsa à personagem lírica e o que faz com que sua interpretação seja lamentosa de maneira a quase soar fantasmagórica.


A suavidade vem reconfortante com singelos toques de MPB que pincelam, em seu DNA, um quê de sertão. Com uma melodia embriagante e até mesmo nauseante, principalmente por conta da proposital quase dissonância do violão, Arborescente tem suas linhas líricas uma compreensão dificultada pela dicção com que as palavras vão sendo pronunciadas e pela interpretação demasiadamente introspectiva. Entre o MPB e raspas de new wave proporcionadas pelos sintetizadores de Tori e Eduardo Manso, a faixa parece dialogar sobre amadurecimento, sobre o pulsar da vida em suas diferentes fases enquanto possui, no coro vocálico e ondulante de três vozes, um impulso para a embriaguez e o torpor.


É com suave torpor que o violão faz tremular suas cordas, as fazendo soar uma aveludada doçura. É curioso como que, no seu desenrolar, essas mesmas notas conseguem traduzir uma espécie de caos interno, uma dramaticidade inerente ao estado psíquico do eu-lírico ainda não apresentado. Quando os sopros mistos de clarone e clarinete se inserem no corpo melódico, se junta ao caos, maciez e ao embrionário drama uma melancolia ondulante que causa até mesmo um leve e proposital desconforto no ouvinte. Ao fundo, uma acidez acaba assumindo as formas onipresentes de vento. Por meio do sintetizador de Zé Ruivo, é esse o sonar do tempo, um ser que causa, em muitos, repulsa por sua velocidade de ação. É nesse ecossistema que Tori se insere para, em Normose, dialogar sobre a memória, sobre o passado. Sobre o tempo. É um devaneio metafórico sobre o tempo restante de vida para a máquina corpórea que abriga a alma que, no presente, recebeu o nome de Tori.


Uma sensualidade misturada com melancolia nasce a partir da sintonia entre a voz de Tori com os sopros do trombone e trompete de Everson Moraes e Aquiles Moraes, respectivamente. No entanto, o mais interessante no que se refere à melodia de Psoas é a sinergia criada entre os sonares a partir do sopro do flugelhorn e do oficleide, os quais acabam oferecendo à canção uma atmosfera fabulesca como se fosse a trilha sonora de contos infantis para comunicar a passagem entre atos. Assim, a bossa nova, a MPB e inclusive a tropicália acabam se unindo em Psoas, uma canção que convida o ouvinte para um diálogo sobre medo, ressentimento, orgulho. Sobre a despedida que, entre dores, não pôde ser dada.


O cheiro do sertão, a textura da madeira da cerca e do barro seco que substitui o asfalto é possível de ser sentida através das notas do violão. Dramática e melancólica, Terceira Margem surge como um produto bucólico e embriagantemente macio que parece dialogar desde o ato de viver quanto um romance entre pessoas. Independente do caso, é inegável que Terceira Margem tem um viés romantizado desde sua melodia ao dueto estruturado entre Tori e Lancellotti.


O encontro do grave do violão com o agudo do três cubano oferece um tempero melódico interessante entre alegria e torpor, maciez e melancolia. O pau de chuva auxilia, ainda, na construção de uma sutileza sintilante que convida o ouvinte a mergulhar de olhos fechados perante uma sonoridade MPB extasiante que abraça um lirismo sobre a fluidez da vida. Minha Dança é o som da independência, da liberdade e do enigma da vida e do destino. É uma canção que convida o ouvinte a se perder perante a sintonia estruturada entre os vocais de Tori e João Mário. Um produto denotativamente cativante e reconfortante. Um agradável encerramento para o EP.


Descese (Lado B) segue em linearidade com o conceito de Descese (Lado A), seu antecessor. Como um EP dramatúrgico e poético que dialoga sobre a vida, a independência, a liberdade, os medos, o tempo e os desejos, o atual trabalho vem firme no regionalismo, mas com grandes veias da arte musical brasileira clássica.


Fundindo MPB, bossa nova e o tropicalismo, a sergipana acaba entregando, com auxílio da mixagem de Estevão Casé, um material que consegue ser sensível e forte. Dramático e alegre. Melancólico e nostálgico. Bucólico e intimista. Tudo com uma forte base sonora nordestina que permite ao ouvinte se sentir no sertão com gostos da pluralidade rítmica de um país continental como o Brasil.


É verdade, porém, que em alguns momentos a compreensão lírica daquilo que Tori pronuncia é dificultosa, mas, nessas ocasiões, a melodia faz o verbo e consegue comunicar todo o sentimento e mensagem que a cantora gostaria de passar. Tudo com muita doçura e sutileza.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Novamente assinada por Elisa Maciel, mas desta vez com auxílio de Clara Acioli, ela segue com a mesma metáfora ácida sobre o valor da vida, mas traz, dessa vez, uma mistura de leveza e fluidez proporcionada pela imagem ondulante da água banhando o busto da cantora.


Lançado em 26 de janeiro via PWR Records, Descese (Lado B) é o suspiro final ao parto de Descese, álbum de estreia de Tori. Separadamente, o presente EP é repleto de mensagens tangíveis e poemas intimistas que convidam o ouvinte a mergulhar perante a vida e o caldeirão de emoções que ela oferece. É um produto em que o medo, a dor, a memória e o tempo não impedem de seguir vivendo com plena doçura e sabedoria.











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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.