Throe - O Enterro Das Marés

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Ele foi formado em 2020, logo no início da pandemia. Idealizado pelo guitarrista Vina, o projeto não demorou para lançar seu primeiro material cheio, chegando naquele mesmo ano na forma do EP Odium. Pouco depois, veio Throematism, seu álbum de estreia. Agora, porém, o Throe apresenta um novo capítulo em sua discografia com O Enterro Das Marés, seu novo extended play.


Existe um toque céltico em seu amanhecer de melodia de notas ácidas. Entre torpores místicos vindos de uma neblina que serve como prelúdio de um amanhecer enigmático, o terreno vai sendo desvendado em seu cenário pós-caos de maneira quase poética. Em meio aos escombros, tecidos rasgados tremulando no compasso do vento e o aroma do sangue já seco espalhado pelo chão, a tristeza e o desapontamento tomam conta do emocional do ser onipresente que observa, com uma curiosa ternura, aquele ambiente. De súbito, uma explosão rompe com a maciez que rememora o despertar de Wake, faixa-prelúdio do Linkin Park, e traz intensidade e dramaticidade cuja sensação é dilacerante e lancinante. Trazendo um metal alternativo ao estilo Staind, Hope Shines In The Autumn Light passa a comover por, sob o riff de uma guitarra base áspera, voar cintilantemente uma guitarra solo de riff melódico e de um choro que mistura dor, mas também esperança. Eis então que, a partir desse contexto desenhado por Vina, o horizonte fica repleto de uma paisagem tocante, clara e de um azul estimulante e reconfortante. Sua brisa não oferece somente a paz, mas, sim, a reenergização que possibilita o estímulo para seguir a vida de cabeça erguida. Evoluindo para frases melodramáticas que inserem noções do emocore misturadas com o rock alternativo, Hope Sinhes In The Autumn Light possui uma ponte que, curiosamente, é adornada por um ar sombrio, sínico e introspectivamente provocativo que ecoa pelo cenário agora completamente inóspito. Aos poucos, a luz vai banhando novamente o terreno conforme um sonar aveludado, mas de caráter de embrionária estridência, vai fazendo as folhas remanescentes das árvores se desprenderam e, delicadamente, valsarem até serem cuidadosamente depositadas em um gramado esverdeado banhado por um céu de tonalidade violeta. Apesar da áspera estridência da guitarra que se segue, Hope Sinhes In The Autumn Light vai, pelo retorno do melodioso riff da guitarra solo, se encerrando com a mesma noção de comoção, esperança, positividade e paz exalada ainda em seu primeiro ápice melódico-narrativo.


Tal como foi presença marcante em Hope Sinhes In The Autumn Light, o sonar da bateria segue carregado com chiados que, talvez, despropositadamente trazem inserções de lo-fi agora em um ambiente mais denso, sombrio, áspero e estridente de maneira a também comunicar um embrionário noise rock. Graças à guitarra, seu riff distorcido em tons graves e seu andamento lento, o doom metal passa a fazer parte dessa receita melódica. Dentro de um cenário escuro e enigmático, um sonar estalante ecoa pelo inóspito enquanto o baixo de Marco Nunes, com sua grave estridência, acaba por também inserir noções stoners no emaranhado de ingredientes desse caldeirão chamado Bleed Alike. Lancinante, afiada e cortante, a canção mantém sua linearidade áspero-estridente até a aquisição de doses extras de pressão graças ao sonar de bumbos duplos, que constrói uma espécie de linha reta até algo dissonante e estridente comunica o derradeiro fim. É como o sangue escorrendo até a última gota pelos cortes criados pelos riffs pontiagudos e espalhados pelo corpo.


O torpor de Hope Sinhes In The Autumn Light parece retomar seu posto durante o novo e místico amanhecer. Tão melancólico quanto o vaivém da maré em uma tarde de outono, a agudez do sonar sintético traz uma falsa noção de dulçor que coloca o ouvinte em uma espécie de redoma que abafa e suaviza toda a imperfeição externa. Eis que um som contínuo e eletronicamente estridente rompe com a psicodelia do momento e faz com que o ouvinte, aos poucos, vá recobrando aquilo que acha ser sinais de livre consciência. Ainda assim, a entrada da guitarra coopera para a manutenção do senso de embriaguez com seu riff melodicamente agudo e amaciado, que é capaz de trazer frescor e uma nostálgico-melancolia ao contexto de Renascente. Ao fundo desse espectro, a guitarra base vem com um riff de leve toque dramático que incentiva essa espécie de memória chorosa e comovente tão intensa e impregnada pela faixa. Eis então que o sonar sintético de teclas agudas, bem como da bateria, que entra como elemento surpresa com sua simplicidade estética, mas capaz de dar pressão e arregimentar a energia tocante que exala de Renascente. Não bastasse, a canção, antes de iniciar sua queda final, entra em uma crescente harmônica capaz de arrepiar e marejar os olhos até mesmo dos mais insensíveis ouvintes.


Não é apenas um olhar que funciona igual à pronúncia de mil palavras. O som também. E é exatamente isso o que acontece com O Enterro Das Marés: o som falando por si. Sensível, intenso e dramático, o material surpreende em sua gama de texturas, capaz de incitar a paz, a adrenalina e também o torpor na mesma medida.


Com suas três faixas, que juntas ultrapassam a marca de 28 minutos de duração, o EP pode induzir o ouvinte a classificá-lo como uma obra progressiva. De fato, pela sua extensão temporal, não há discussão, mas o trabalho é muito mais do que somente um expoente do progressivo.


Baseado na proposta de oferecer uma vasta gama, complementar ou não, dissonante ou não, de texturas, O Enterro Das Marés é uma perfeita exemplificação de um material que se deleita na estética do post-rock. A partir dela, narrativas são apresentadas de forma a capturar a atenção do ouvinte com seus enredos não verbais, mas amplamente sensitivo-sensoriais.


Entre o sal, o dulçor e o azedo, o EP faz o ouvinte caminhar pelo caos, pela escuridão, mas também pela calmaria esperançosa de redenção. São ambientes que transitam pelo veludo e pelo torpor, mas também pelo lancinante e pelo áspero, fornecendo as dicotomias de paz e intensidade em seu diálogo sobre renascimento a partir do caos.


E para dar embasamento a essa narrativa, o Throe confiou, também a Nunes, a tarefa da mixagem. Assim, estando tanto na parte criativa quanto na técnica, o profissional soube dosar emoção e estética na engenharia do som de O Enterro Das Marés. Então, o EP conseguiu explorar texturas que caminham pelo emocore, rock alternativo, doom metal, lo-fi, stoner rock, noise rock e o metal alternativo. Tudo sob a tutela do post-rock.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Rafael Nascimento, ela oferece uma curiosa comunicação visual distópica, em que o branco assume as vestes do preto na informação de luto. No meio da palidez estonteante, contornos e texturas mostram aquilo que parece ser uma rede de pesca em uma perfeita alusão aos danos à fauna marítima e, assim, podendo justificar o título de ‘o enterro das marés’. Outro ponto de interpretação é a possibilidade de a maré ser a metáfora do tempo e a rede, por sua vez, ser a responsável por prender e isolar um período julgado como socialmente tenebroso.


Lançado em 24 de agosto de 2023 via Abraxas Records, O Enterro Das Marés é como uma proposta de, com o novo amanhecer, consertar os erros do ontem. É o caos, a rebeldia, a dor e a tristeza dividindo o mesmo espaço que o torpor e a paz. Com o EP, o Throe arrebata a agonia da busca pela paz e da retomada de uma normalidade que começou a ser readquirida no outono de 2021.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.