T-Remotto - Instinto Bélico

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 3 (2 Votos)

Mesmo em 2019, mesmo antes da pandemia e, talvez, no auge da aposta da música independente, tiveram bandas aventureiras por esse universo ainda em exploração. Um desses exemplos foi o T-Remotto, quinteto de Nova Iguaçu (RJ) que se lançou no mercado da música com Instinto Bélico. Seu EP de estreia.


Aspereza, explosão e excitação. Existe, no meio das guitarras sujas e distorcidas de Fábio Spycker e Ghile Arms, e dos intensos golpes da bateria de Rafael Bertozzi, uma melodia curiosamente sensual e selvagem que acaba por atrair o ouvinte a partir de sua imersão no campo misto do grunge e do hard rock. Eis que, logo no despertar do primeiro verso, uma voz grave, mas ao mesmo tempo macia, surge introduzindo uma cadência rappeada à harmonia ainda em formação. É Rogério Sylp que, com seu timbre semelhante ao de Zeider, introduz um lirismo de caráter de protesto político intenso cujo foco está na sede pelo poder, no social e na falta de esperança por uma sociedade hierarquicamente igualitária.  Pela cadência vocal, pelo intenso teor político no lirismo e por uma melodia de ambiências da década de 90 e início dos anos 00’ misturadas, Acende Lampião é uma faixa que traz influência do Detonautas Rock Clube em sua estrutura. Afinal, há tons de indignação latentes na interpretação assumida por Sylp.


Sylp, com ligeiros momentos de solidão, puxa a introdução de Cães de Terno. Assumindo uma base melódica semelhante à de Acende Lampião, a presente faixa possui temperos extras de um suspense entorpecido oferecido pela guitarra base e uma noção melancólica trazida, ao mesmo tempo, pelo sobrevoo das notas solitárias e espaçadas oferecido pela guitarra solo. Como já se mostrou ser uma das assinaturas de T-Remotto, a presente canção segue com um lirismo que exala incredulidade, mas, diferente da faixa anterior, Cães de Terno traz o ponto de vista do proletariado, de quem tem contas a pagar, de quem tem garra e de quem preza pela vida. Ao mesmo tempo, a faixa é uma clara crítica ao comportamento hegemônico, absolutista e conquistador dos EUA em divulgar sua cultura e seu modo de vida para quem o quer seguir. Cães de Terno é, melodicamente, suja e distorcida e, liricamente, um protesto contra a demo e a meritocracia. É uma canção que representa aqueles que seguem suas vidas buscando o melhor e enfrentando as adversidades.


O quesito melódico atinge o patamar mais alto de Instinto Bélico no despertar da faixa-título. Com forte presença do riff grave e compassado do baixo de Dom Ramon, a música traz uma ambiência mais iluminada e florada cujo terreno é sensorialmente confortável. Um hard rock excitante que remete bandas que vão desde Guns and Roses a Steel Panther. Introduzindo um vocal de cadência mais desacelerada, Sylp traz, aqui, uma metáfora em que ‘instinto bélico’ designa um comportamento que se perde em ‘pensamentos autodestrutivos’. Questionando o ato automático da rotina e da não percepção dos atos de carinho, a canção pode, por outro lado, estar tratando de atitudes possessivas tomadas em um relacionamento. Apesar dessa densidade lírica, ingredientes como melodia mais leve, cadência vocal mais lenta e refrão-chiclete fazem da faixa-título um forte single do EP.


Trazendo uma mistura harmônica de hard rock, grunge e pitadas de hardcore, Instinto Bélico é um EP de lirismos contestadores e de forte foco político. Inquieto, o trabalho é caracterizado, inclusive, por um vocal de frases em métricas rappeadas que ampliam a noção de protesto.


Por essa razão, influências como Charlie Brown Jr., Detonautas Rock Clube e a onda sonora dos anos 90 são facilmente encontradas por entre as frases criadas pelos integrantes da T-Remotto. E nesse sentido, a união sonora proporcionada pelos instrumentos mostra sincronia e uma harmônica química presentes entre os membros do quinteto.


Apesar de ser um trabalho de estreia, Instinto Bélico já apresenta de maneira inquestionável a identidade do T-Remotto tanto no sentido lírico quanto no melódico. E isso foi possível graças à liberdade no processo de produção, o qual foi feito inteiramente pelo quinteto iguaçuano.


Para fechar a construção do EP, é preciso uma arte de capa impactante, algo que, pode-se dizer, foi alcançada. Feita por Rogério Sylp, ela consiste em uma granada cujo material interno é um cérebro, remetendo e traduzindo bem a metáfora do título ‘Instinto Bélico’. Por outro lado, é possível identificar, mesmo que de maneira sutil, uma semelhança com a arte feita por Chris Bilheimer e inserida na capa de American Idiot, álbum do Green Day.


Lançado em 07 de janeiro de 2019 de maneira independente, Instinto Bélico é um EP politizado, contestador e inquietante. Suja e áspera, a melodia construída por entre suas três faixas carregam bem o espírito de incredulidade e levante que, apesar de estar adormecido, existe no cerne de cada brasileiro vivente.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.