Brandi Carlile - In These Silent Days

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Seguindo o cronograma de dois anos de intervalo entre um disco e outro, a estadunidense Brandi Carlile tira dos aparelhos do RCA Studio mais um trabalho. Intitulado In These Silent Days, o álbum é o sucessor de By The Way, I Forgive You e alcança a marca de sétimo disco de estúdio da cantora.


É quase como borrifadas de um perfume adocicado, como uma brisa de temperatura aconchegante abraçando calorosamente o ouvinte. As mesmas notas do piano que trazem essas sensações são aquelas que remetem, mesmo que de maneira extremamente sutil, à introdução de Don’t Stop Me Now, single do Queen. Eis então que uma voz firme, forte e de caráter emocional invade o ambiente. É Brandi Carlile trazendo doçura e um timbre vocal que, curiosamente, se assemelha àquele tão característico de Adele. Com uma composição lírica recheada de rimas perfeitas, o que Brandi oferece ao ouvinte é um lirismo cuja narrativa caminha por entre a descrição do desejo do reatar o relacionamento ao mesmo tempo em que expõe justificativas e sentimentos conflitantes do eu-lírico. Curiosamente, nesse aspecto, a cantora é ousada ao inserir, entre as frases, o próprio nome do álbum quando entoa “either way, I lose you in these silent days”. Do lado melódico, Right on Time é minimalista e baseada, majoritariamente, na métrica voz e piano. No entanto, a nostalgia emocional que exala da sonoridade da faixa atinge uma crescente melódica na entrada da segunda estrofe, momento em que, a cadência vocal combinada com os grooves simplistas da bateria de Chris Powell e do baixo de Tim Hanseroth faz o ouvinte sentir arrepios instantâneos com a levada blues instalada na canção. 


Há dois violões. Enquanto um, de notas mais doces e de estética mais country introduz a faixa ao ouvinte, o outro surge com notas mais graves e de estética folk. Essa união harmônica proporcionada por Phil Hanseroth e Dave Cobb faz com que, logo no amanhecer da melodia, a sonoridade de You and Me On The Rock se mostre ampla. É curioso como, na canção, o baixo toma a função de antagonista ao introduzir corpo à sonoridade que se mostra linear. Por essas razões, a presente faixa se apresenta com uma estrutura muito semelhante àquelas inseridas em Year Of The Tiger, disco de estreia da carreira solo de Myles Kennedy, mas com atenção especial às faixas Mother e One Fine Day. A melodia macia e suave se encaixa perfeitamente com um lirismo ameno e de caráter teen por retratar uma paixonite adolescente em meio à uma rotina rural e simplista. You and Me On The Rock ainda traz para o ouvinte refrães em forma de dueto cantados por Brandi ao lado de Jess Wolfe e Holly Laessig of Lucius.


Notas melódicas e com suspiros nostálgicos são impulsionadas pelo violão. Eis então que Brandi surge acompanhada dos vocais masculinos de seus companheiros de banda e gêmeos Tim e Phil Hanseroth ao trazer um lirismo sobre distanciamento amoroso, saudade e o relacionamento doloroso com as memórias de acontecimentos que não mais poderão ser realizados. É como a história de uma jovem que, em meio a um namoro, se muda com a família para uma cidade distante, local que, inclusive, faz surgir o sentimento de não pertencimento e solidão. Este é o enredo nostálgico-sofredor de This Time Tomorrow, uma música que ainda possui, na coxia melódica, a participação de Josh Neumann imprimindo notas de violinos que funcionam como lágrimas saudosas escorrendo por entre os olhos tristes do eu-lírico.


Violões e baixo se unem na construção de um folk animado que, surpreendentemente, recebe Brandi com um vocal com toques rasgados que, além de imprimir melismas, traz consigo uma roupagem que transita entre o soul e o country blues. E o que se confirma é que a ambiência country blues se torna a base melódica de Broken Horses, uma faixa de energia diferenciada daquelas experimentadas nas faixas anteriores de In These Silent Days. Essa atmosfera country excitante faz com que o ouvinte acesse, inclusive, a sonoridade e o estilo vocal empregados por Carrie Underwood. Para fechar a conjuntura de Broken Horses vem um lirismo que, indiscutivelmente, transpira liberdade, independência e sede pela vida. Esse conteúdo lírico combinado com a cadência e estilo vocais e com a melodia faz com que Broken Horses seja um forte e indiscutível single de In These Silent Days.


Melancolia. Esta é a palavra que define a introdução de Letter To The Past. Com notas de piano concisas e espaçadas e um vocal de teor sofrido e ao mesmo tempo reflexivo, a faixa, assim como This Time Tomorrow, aborda o término de relacionamento. Aqui, porém, não há arrependimentos ou uma nostalgia calorosa. Há, sim, consciência e maturidade no ato do rompimento facilmente expostos pelo eu-lírico, um personagem masculino que, apesar de estipular o término, estimula a autonomia de seu par. De certa maneira, inclusive, a melodia de estética minimalista tal como foi durante a primeira estrofe de Right on Time recria a ambiência de Beautiful, single de Christina Aguilera.


O chimbal mostra um compasso levemente acelerado enquanto os violões seguem, com suas notas singelas, a cadência estipulada. Com a presença de um baixo marcante, mas de linhas pontualmente precisas, a melodia se torna cativante e com uma luminosidade alegre em sua essência. Curiosamente, a letra traz um tom reflexivo e a forma de uma metáfora. Usando a imagem do lobisomem, Brandi destrincha hábitos que, para ela, são inaceitáveis e pede para que, em caso de esses comportamentos serem feitos por ela, seus filhos funcionem como a bala de prata que a fará retomar a consciência. Um cenário evidente no refrão que diz “if my good intentions go runnin' wild. If I cause you pain, my own sweet child, won't you promise me you'll be the one? My silver bullet in the gun”.  Este é o contexto lírico de Mama Werewolf, uma música de caráter melódico folk.


Existem dramaticidade e folclore nas notas do violão que trazem à tona When You’re Wrong. Mesclando falsetes e vocais limpos com tons de insatisfação, Brandi traz um lirismo que, assim como as canções Letter To The Past e This Time Tomorrow, tem como base o relacionamento. No entanto, o assunto aqui abordado é a mudança de comportamento de um dos indivíduos que compõe o par, mudanças que tornaram frágeis a convivência e a estrutura do relacionamento. Curiosamente, a harmonia proporcionada pela canção remete à ambiência estruturada em Nothing Ever Changes, single do Ugly Kid Joe, além de recriar a estrutura melódica majoritariamente minimalista de Right on Time. Afinal, em When You’re Wrong a bateria e o baixo fazem somente uma pontual participação entre o refrão e a passagem para a segunda estrofe.


Os violões surgem construindo uma linha de melodia macia e reconfortante. Sob o efeito do reverb em seu canto, Brandi aparece com um vocal limpo e igualmente macio trazendo um lirismo cuja mensagem pede por uma sociedade bela, regada pela inocência e alegria e presa por aqueles que têm força em mantê-las vivas mesmo perante adversidades da vida. Eis Stay Gentle, uma música de estrutura minimalista que é calcada na métrica voz e violão que conta ainda com os gêmeos Hanseroth dividindo os vocais com Brandi durante o refrão.


Where the winds of change were blowin’, there lived a God-fearing man”. Apesar de ser a primeira frase entoada por Brandi, ela já traz muito do caráter lírico da faixa, a qual aborda assuntos como transformação e religião. A mudança e o conservadorismo. O cosmopolitismo e a homogeneidade.  Cheia de versos significativos como “they said, ‘we cannot let just anyone walk in here anymore. You didn't do it by the book’, and then they pointed to the floor” e “and up until the day he died, he never changed his mind”, Sinners, Saints and Fools é uma canção que questiona a fé, a cegueira religiosa, a rigidez, a falta de humanidade e o personalismo. Não à toa que as primeiras frases melódicas se mostraram densas e dramáticas graças à pressão oferecida pela união do violoncelo com o violino. De narrativa épica, o contexto de Sinners, Saints and Fools está imerso nos acontecimentos envolvendo a fuga de imigrantes para a Europa feita pelo mar. A esperança, a ânsia por uma vida melhor, o cansaço do sofrimento em um duelo com a religião católica. No mais, a canção traz valsas oferecidas por uma guitarra macia e um groove suave proporcionado pela bateria.


Assim como em Stay Gentle, existe a imersão do vocal no efeito reverb logo no início. Na presença de rimas perfeitas e imperfeitas, Brandi se apresenta somente ao lado das notas do piano por meio de um lirismo que, assim como em Letter To The Past, This Time Tomorrow e When You’re Wrong, tem como base o relacionamento. Aqui, porém, Throwing Good After Bad fala sobre alguém cuja alma é pobre e que faz as escolhas erradas, mas ainda possui carinho por parte da outra pessoa. No campo melódico, apesar de ser minimalista e mais uma vez se basear na métrica voz e violão, a canção possui um clima que remete ao de Talking to the Moon, single de Bruno Mars, e uma cadência lírico-melódica que remete aquela de We’re the World, single de USA For Africa.


Parafraseando o chef Henrique Fogaça, em In These Silent Days Brandi Carlile se apoiou na máxima menos é mais. Afinal, a melodia presente no disco é simples, mas ao mesmo tempo poderosa no que tange a exposição de sentimentos, texturas e perfumes a partir da sonoridade criada entre suas 10 músicas.


O piano, instrumento que também foi executado por Shooter Jennings, é a base da melodia do álbum. Porém, há grandes surpresas quando o grave, o denso e o dramático do violoncelo e do violino invadem a harmonia. Não por isso que o disco imerge no contexto clássico, até porque, as estruturas sonoras mais construídas possuem alicerces no folk, no blues e no country.


Com lirismos transitando por temas leves e adolescentes como relacionamento, mudança de ares e experimentações, Brandi ousou em trazer questionamentos sociais densos como aquele de Sinners, Saints and Fools, em que ocorre a discussão da religião e da humanidade. Em menor grau de densidade, mas que merecem atenção estão faixas como Stay Gentle e Mama Werewolf por trazerem notas de protesto frente à sociedade e uma íntima exposição autobiográfica.


Esses quesitos engrandecem a track list de In These Silent Days. Afinal, pode se dizer que o disco é recheado de singles lado-b por terem um caráter de aceitação do público mas nem tanto das rádios. Radiofonicamente, a música mais comercial é Broken Horses somente pela sua melodia e cadência vocal. Porém, isso não empobrece o álbum. Pelo contrário. Suas letras proporcionam a construção de um rígido elo entre o público pelo teor intimista que possuem.


Lançado em 01 de outubro de 2021 via Low Country Sound/Elektra Records, In These Silent Days é um disco com melodias e harmonias grandiosas mesmo presando pelo minimalismo. De lirismos focados em ativismo sociais e temas jovens, o disco traz a batizada Brandi Marie Carlile em boa forma e com um senso de humanidade latente.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.