NOTA DO CRÍTICO
Sua base é um ritmo sombrio. Mas existe mistura. O doom se confunde com o heavy metal e, no meio desses dois estilos, vem o progressivo com sua experimentação e ambientação espacial. É dessa mistura que surge Space Smoke, trio paulistano que se lança no mercado com Aurora Dourada, seu EP de estreia.
Um riff lento e macio é ouvido ao fundo. Junto com ele, Alexandre Reis imprime em sua bateria linhas igualmente tranquilas. Quando surge o sintetizador de Francisco Patetucci, ocorre a inserção de uma sonoridade que transforma a roupagem e cria um ambiente espacial que comanda Corpo Solar. É verdade, porém, que por alguns momentos, aquela mesma guitarra macia se envereda por caminhos bluesados que se misturam com influências orientais, o que torna a interpretação de Eiglimar Junior complexa e conceitual.
Em Magia Cerimonial, o mundo desmorona. Aquela ambientação espacial tranquila e macia vai embora para dar passagem a uma melodia lenta, mas suja, agressiva e de energia sombria. Parte disso se deve às linhas do baixo de Gabriel Toledo, que, servindo como abre-alas, já passa a mensagem do obscuro. Mesmo assim, é a distorção e a penetração da guitarra que são os destaques da canção. Uma completa ambientação doom que conta com toques de experimentação.
Interlúdio é uma faixa que transcende a noção do espacial. Ela parece criar um ambiente extraterrestre com seu som que mistura impressões do fantástico e do desconhecido. Em verdade, ela deixa uma incógnita na mente do ouvinte. Afinal, essa sonoridade abre espaço para inúmeras interpretações.
E esse é o cartão de visitas do Space Smoke, com um produto regado numa dupla noção do obscurantismo e do espacial. Por isso, Aurora Dourada é um produto miscigenado. É doom, mas também space. É progressivo, mas também blues. Sua essência rítmica é o resultado de uma melodia mista.
É fato que o doom é filho do heavy metal. Mas aqui, parece que ele encontrou parte de sua liberdade. Afinal, a melodia conseguiu ser agressiva, sombria e ao mesmo tempo macia. Curiosamente, há em Aurora Dourada a emancipação também do space rock.
Se libertando das asas do progressivo, o space adotado no EP foge um pouco da essência do subgênero. Nele não há teclado, mas o sintetizador fez uma honrosa substituição, criando uma ambientação de noção espacial talvez até superior.
E para criar uma ilustração visual de toda essa miscigenação, vem a arte de capa. Feita por Kyara Araújo, ela conseguiu combinar todos os elementos de forma harmoniosa. Existe menção ao obscurantismo com suas montanhas e cores vermelhas ao fundo da arte, imprimindo uma conotação de treva propriamente dita, a qual ganha ainda mais força com os raios e a cor preta que domina o plano de fundo. Mas é o personagem central que rouba a cena. Uma espécie de mago com vestimentas árabes se posiciona segurando um cajado envolto em duas serpentes em uma clara alusão à Jafar, personagem da animação Aladdin. É ele que apresenta as questões espaciais presentes na harmonia de algumas canções.
Lançado em 17 de março de 2021 via Abraxas Records e Fuzzrious, Aurora Dourada é um produto instrumental de caráter experimental e de essência sonora espacialmente sombria.