Scalene - Fôlego

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Já foi levantado por especialistas na área fonográfica que o período da pandemia será um grande estímulo para produções musicais. No Brasil essa realidade já está acontecendo e a exemplo disso está Fôlego, quinto EP do grupo de índie rock brasiliense Scalene, lançado no auge da Covid-19 no país.


Os pelos de todo o corpo se eriçam. Um arrepio corre pelas costas. Enquanto o violão puxa suavemente a introdução de Caburé, uma voz grave, mas amena, surge cantarolando e aveludando o ambiente. Gustavo Bertoni chega então com seu falsete afinado dando início ao conteúdo lírico da canção, que ainda conta com trechos de duetos curtos com o backing vocal Philipe Conde e um leve som de flauta sobrevoando a atmosfera rítmica.


Em um esquema sutil de fade in, Passageiro é trazida por um doce e simples riff de guitarra que sobressai ao reconfortante fundo de sintetizadores comandados por Diego Marx, Lucas Furtado e Bertoni. Completa em instrumentos, a canção é harmonicamente contagiante, apesar de ter uma presença mais forte por parte do baixo de Furtado, que apesar de conciso, imprime pressão no compasso rítmico. Com um solo de guitarra marcante, a música funciona como um estímulo, uma recarga emocional para prosseguir enfrentando o caos da pandemia.


A fórmula de início arrepiante prossegue com Calidoscópio. Minimalista, a introdução mantém a harmonia de violão com uma voz sussurrada, quase falada, criando uma maior proximidade entre ouvinte e o eu-lírico. Na composição, o montante de linhas instrumentais possibilita ao espectador experimentar um misto de sensações que submergem a superfície causando calma, tranquilidade, conforto. Isso tudo ganha ainda mais peso com a inserção do violino e viola de Felipe Pacheco Ventura e do backing feminino de Brenda Mayer. É como um flutuar reenergizante.


Mais simplista em harmonia, Espelho é trazida por um vocal mais grave e presente que ondula sobre o violão. De letra forte, calcada em diversas críticas sociais e ao sistema, a canção ainda vem com bateria eletrônica de Diego Marx dando mais força ao compasso rítmico.


Diferente das anteriores, quem puxa o início de Estar a Ver o Mar são as teclas do piano. Pausadas e precisas, elas por si só já causam um impacto reflexivo no ouvinte, que se percebe, ao se atentar ao teor lírico, pensando em suas ações e seu modo de pensar no pré-pandemia e no presente. O violino em adição ao arranjo de cordas de Edu Canavezes fazem da canção um remédio cujo resultado é a valorização da vida, dos momentos simples e serenos da liberdade, como, por exemplo, estar a ver o mar.


Calmo, tranquilo, reflexivo e inebriante. Essas são palavras poucas, mas definem bem o que é Fôlego: uma espécie de morfina reconfortante mais necessitada no presente momento de intensas incertezas e sensação de desproteção. Produto totalmente conceitual, o EP imprime diversas críticas ao sistema, à política, à sociedade e enaltece a valorização da vida.


Completo em harmonia, seu time de músicos formado, além de nomes como Gustavo Bertoni, Conde, Furtado, Marx, Ventura, Canavezes e Brenda, por Tomas Bertoni e Beto Mejia foi responsável por criar uma atmosfera que agrada aos ouvidos pela sua tranquilidade e leveza.


Essas características são nada mais nada menos do que aquilo que as pessoas estão buscando atualmente. E por isso, o nome ‘Fôlego’ coube tão bem ao EP, afinal, é isso o que ele entrega ao público: um fôlego para continuar lutando e vivendo um dia após o outro.


E para completar esse ponto está a arte de capa desenvolvida por Alice Quaresma. Contendo um borrão azul no centro da imagem, o qual esconde um cenário urbano em preto e branco, a mensagem no desenho é clara: mesmo imersos em uma monotonia extrema, esse mesmo marasmo pode abrigar algo interessante e de destaque.


Lançado em 18 de junho de 2020 pelo selo Som Livre, Fôlego é simplesmente o conceito, a busca e o desejo da população mundial: valorizar o que se tem, dar voz a todos os sentimentos e reflexão. Reflexão sobre o passado, o presente e o futuro. A liberdade está em pausa, mas logo ela retornará com ainda mais fôlego.


*Crítica originalmente postada no Allmanaque.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.