Giovanna Moraes - Direto da Gringa

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Dois anos depois do lançamento de seu disco de estreia, Giovanna Moraes retorna ao universo fonográfico nacional com um novo trabalho. Fugindo do idioma inglês e lançado em 26 de junho de 2020, o intitulado Direto da Gringa, apesar de trazer em seu nome referências ao exterior, agora é calcado na língua portuguesa.


Como em uma estação de rádio, Let's Get Mental é uma faixa que realmente leva ao pé da letra a definição de introdução. Ela é o abre-alas para o disco, uma vez que as vozes, se comunicando em inglês e contradizendo aquela premissa de ser calcado no português, enaltecem o trabalho de Giovanna.


Um groove baseado no jazz é ouvido na introdução de Devaneios, uma música calma, mas que recebe uma fusão estilística entre o já citado jazz e o universo eletrônico por conta da adição de teclas. De alguma forma, a métrica e a estrutura da canção são surpreendentes aos ouvidos, os quais também são agraciados com a voz doce e levemente rouca de Giovanna. Já na presente canção fica perceptível ao ouvinte que a mixagem do disco é como um essencial elemento para a harmonia sonora, uma vez que não apenas a bateria de Renato Lellis é percebida de forma nítida, mas também o baixo preciso e compassado de Pedro Dona.


De caráter sutilmente alucinógeno, os teclados dão o início em A Pluralidade do Espelho. Na canção, que vai ganhando corpo com a entrada da bateria, baixo e teclado, existe uma experimentação vocal, uma vez que Giovanna transita entre as tonalidades agudas e graves.


Com fortes referências à new wave, o eletrônico acelerado ganha notoriedade em Singularidade. É verdade, porém, que a canção ganha ares sensuais após os primeiros versos. O baixo de Gabriel Goes possui linhas estilísticas envolventes e sedutoras, relembrando a era das grandes danceterias dos anos 80. Contudo, o mais interessante é como a transição rítmica ocorre de forma suave na presente canção, que caminha pelo eletrônico e pelo crescente rock indie.


Mesclando MPB e eletrônico, Espera chega com a promessa de ser uma balada nostálgica e inebriante. Como a música mais longa de Direto da Gringa, a presente composição possui um conteúdo lírico que exala liberdade, da crítica intrínseca à censura e até mesmo ao social.


Em Saí Por Inteira o ouvinte é surpreendido com um ingrediente extra na receita rítmica. Paulo Henrique Chagas Corrêa é aqui responsável por acrescentar elementos de sopro à canção, que apesar de possuir uma levada sedutora, possui, assim como em Singularidade, uma letra forte, coloquial e de permite inúmeras interpretações. Esteticamente um samba de marchinha.


O Gosto Que Permeia no Palato muda sutilmente o gosto deixado pela trajetória de Direto da Gringa na boca do ouvinte. Giovanna apresenta aqui um vocal grave e fechado, mas que ao mesmo tempo exprime toques de aspereza, o que entrega à música um novo tempero e muda sua forma. Junto com o teclado alucinante e lento, a solidão do eu-lírico exalta para o ouvinte de uma forma surpreendente.


De primeiro momento o ritmo de Copo Cheio soa um pouco descompassado, mas com o tempo os instrumentos se entrosam e criam uma harmonia que remete o new wave ao estilo de Rita Lee. De refrão forte e penetrante, a música pode ser considerada como opção de single lado b.

Seu Problema traz novamente o mesmo "problema" de Let's Get Mental: a elaboração da letra a partir da língua inglesa. Fora esse detalhe, a música apresenta sobreposições vocais e elementos percussivos de Luiz Fernando Siqueira que cooperam para a criação de um blend estilístico entre blues, jazz e até mesmo o pop.


O início de Gringa traz o protagonismo do baixo e do teclado se unindo em uma melodia que gera grande tensão no ouvinte pelo clima de suspense criado. Curiosamente, parte do balanço lírico da canção se assemelha de forma considerável à melodia de canto da música Insolação do Coração, de Cláudia Leitte. Contudo, em sua grande maioria a faixa se define por um samba de momentos acelerados.


De energia triste em comparação às suas outras irmãs de Direto da Gringa, Achados e Perdidos deixa clara qual é a estética sonora desejada por Giovanna Moraes: uma experimentação rítmica entre blues, jazz e samba. O que é de grande destaque na faixa no entanto, é o dedilhado e a harmonia do baixo, o qual possui uma música à parte.


Futuro do Passado retoma a agilidade característica do disco. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o groove da bateria acelera e anima o ouvinte, o teclado e sua linha rítmica repetitiva cria um contraponto interessante que condiciona o ouvinte.


Perdão é como um cenário de caos. Não pela dissincronia entre os instrumentos, mas pelos sons pouco harmônicos e sujos emitidos pelos mesmos. No entanto, Samba Gringa é aquela canção de máxima harmonia, cujo puro samba anima, empolga e conquista o ouvinte.


Como prato de fechamento do disco está Linda, Leve (Não Livre), uma música que, como muitas outras possui um lirismo cuja rima consoante é tão sedutora quanto confortável aos ouvidos. Com efeitos de fade out e fade in, a música ainda traz, como se parecesse música ambiente, trechos do refrão tocados em volume mais baixo.


Depois de 44 minutos e 15 músicas, é possível chegar à conclusão de que Direto da Gringa é um disco de pura experimentação. A presença de músicos talentosos que vão desde Lellis, Siqueira, Dona, Goes, Lucas Cornetta, Thommy Tannus e Rob Ashtoffen, comprovam isso, uma vez que cada um é responsável pela criação de ambientes sonoros diferentes praticamente em cada faixa.


Além da voz de Giovanna Moraes, a qual surpreende pela consciência e capacidade vocal, o disco conta com uma mixagem de qualidade, uma vez que em nenhum momento um instrumento passa batido pela barreira auricular dos ouvintes.


Inovador, experimental, envolvente e sedutor são, enfim, algumas das características a serem creditadas ao independente Direto da Gringa. Em verdade, no entanto, o mundo da música é uma escola e como uma escola, a cada estágio de composição se aprende mais. É isso o que Giovanna mostrou com o disco: amadurecimento e aprofundamento nas áreas da harmonia e na criação de conteúdos líricos de sons próprios.


Encontrar a harmonia entre todos os elementos do trabalho, como arte de capa, nome do álbum, ritmos adotados e conteúdos líricos parece ser o próximo estágio. Afinal, enquanto a imagem do encarte emana sensações e ideias que permeiam psicodelia e alucinação, as letras, o título do disco e os ritmos informam coisas e sensações heterogêneas entre si.


Portanto, o crescimento é sempre necessário. Se o caminho a ser trilhado por Giovanna for esse, altos voos serão realizados e o reconhecimento estará lá no aguardo.


*​Crítica originalmente postada no Allmanaque.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.